A narcolepsia caracteriza-se por sonolência diurna excessiva, geralmente com perda súbita de tônus muscular (cataplexia). Outros sintomas incluem paralisia do sono e alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas. O diagnóstico se estabelece por polissonografia e teste de latência múltipla do sono. O tratamento para cataplexia e sonolência diurna excessiva é feito com modafinila, armodafinila, solriamfetol, pitolisante ou oxibatos.
(Ver também Abordagem ao paciente com transtorno do sono ou da vigília.)
A causa da narcolepsia é desconhecida. Na Europa, no Japão e nos Estados Unidos, a incidência é de 0,2 a 1,6/1.000 (1). Narcolepsia é igualmente comum em ambos os sexos.
Há 2 tipos de narcolepsia (o tipo 2 é mais comum que o tipo 1) (2):
Tipo 1: narcolepsia devido à deficiência de hipocretina e acompanhada de cataplexia (paralisia ou fraqueza muscular momentânea provocada por reações emocionais súbitas), paralisia do sono e alucinações hipnagógicas
Tipo 2: narcolepsia com níveis normais de hipocretina e sem cataplexia
A narcolepsia está fortemente associada a haplótipos específicos do antígeno leucocitário humano (HLA), mas acredita-se que a causa não seja genética. A concordância em gêmeos é baixa (aproximadamente 25% na narcolepsia tipo 1 [3]), sugerindo um papel proeminente para fatores ambientais, que frequentemente desencadeiam a doença. Há deficiência do neuropeptídeo hipocretina-1 no líquido cefalorraquidiano (LCR) de animais narcolépticos e da maioria de pacientes humanos, sugerindo que a causa seja a destruição autoimune associada ao HLA de neurônios que contêm hipocretina no hipotálamo lateral.
A narcolepsia apresenta desregulação do tempo e do controle do sono REM (movimento rápido dos olhos). Por essa razão, o sono REM atrapalha a vigília e a transição da vigília para o sono. Muitos sintomas de pacientes com narcolepsia tipo 1 resultam de paralisia muscular postural e sonhos vívidos, que caracterizam o sono REM.
A síndrome de Kleine-Levin, uma doença muito rara em adolescentes do sexo masculino, lembra a narcolepsia. A síndrome de Kleine-Levin causa hipersonia (sonolência excessiva durante o dia) episódica e hiperfagia. A etiologia é obscura, mas pode ser uma resposta autoimune a uma infecção.
Referências
1. Longstreth WT Jr, Koepsell TD, Ton TG, et al: The epidemiology of narcolepsy. Sleep 30(1):13-26, 2007. doi: 10.1093/sleep/30.1.13
2. Ohayon MM, Duhoux s, Grieco J, et al: Prevalence and incidence of narcolepsy symptoms in the US general population. Sleep Medicine: X 6(10095):2590-1427, 2023. oi.org/10.1016/j.sleepx.2023.100095
3. Miyagawa T, Tokunaga K: Genetics of narcolepsy. Hum Genome Var 6:4, 2019. doi: 10.1038/s41439-018-0033-7, 2019. doi: 10.1038/s41439-018-0033-7
Sinais e sintomas da narcolepsia
Os principais sintomas da narcolepsia são
Sono diurno excessivo (SDE)
Cataplexia
Alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas
Paralisia do sono
Sono noturno perturbado (por causa do aumento de despertares)
Até 15% dos pacientes têm todos os 5 desses sintomas (1).
Os sintomas usualmente aparecem em adolescentes e em adultos jovens sem enfermidade anterior, embora o surgimento possa ser precipitado por uma doença, um estressor ou um período de privação de sono. Uma vez estabelecida, a narcolepsia persiste por toda a vida; a expectativa de vida não é afetada.
Sonolência diurna excessiva
A SDE é o sintoma primário em pacientes com narcolepsia tipo 1 e 2 e pode ocorrer a qualquer momento. Os episódios de sono variam de poucos a muitos por dia e cada um pode durar minutos ou horas. Os pacientes podem resistir temporariamente ao desejo de dormir, mas podem ser despertados tão rapidamente quanto de um sono normal. O sono tende a ocorrer durante situações monótonas (p. ex., leitura, assistir a um programa de televisão, assistir a uma conferência), mas também pode ocorrer durante tarefas complexas (p. ex., conduzir veículos, falar, escrever, alimentar-se).
Os pacientes também podem sofrer ataques de sono — episódios de sono fulminante que ocorrem sem sintomas anteriores. Os pacientes podem se sentir revigorados quando despertam, mas adormecem novamente em alguns minutos.
O sono noturno pode ser insatisfatório, com despertares frequentes e interrompido por sonhos vívidos e assustadores.
As consequências incluem baixa produtividade, rompimento de relações interpessoais, concentração deficiente, baixa motivação, depressão, redução drástica da qualidade de vida e possibilidade de lesão física (particularmente em decorrência de colisões veiculares).
Cataplexia
Episódios momentâneos de fraqueza muscular ou paralisia ocorrem sem perda da consciência e geralmente duram < 2 minutos; são evocados por reações emocionais súbitas, como riso, raiva, medo, alegria ou, muitas vezes, surpresa.
A fraqueza pode ser confinada aos membros (p. ex., pacientes podem derrubar a vara de pescar quando o peixe é fisgado) ou causar a queda de um membro durante risadas (como em “fraqueza de tanto rir”) ou raiva súbita. A cataplexia também pode afetar outros músculos: a mandíbula pode pender, os músculos faciais podem contrair, os olhos podem se fechar, a cabeça pode balançar, os joelhos podem se dobrar e a fala pode ficar arrastada. A visão pode estar turva. Essas ataques assemelham-se à perda de tônus muscular que ocorre durante o sono REM.
Cataplexia clinicamente significativa ocorre em cerca de um quinto dos pacientes e somente em pacientes com narcolepsia tipo 1.
Paralisia do sono
Os pacientes momentaneamente não conseguem se mover porque adormecem ou adormecem logo depois de despertar. Esses episódios podem ser muito assustadores. Assemelham-se à inibição motora que acompanha o sono REM.
A paralisia do sono ocorre em cerca de 25% dos pacientes, mas também em algumas crianças saudáveis e, às vezes, em adultos saudáveis (1). Entre os pacientes com narcolepsia, a paralisia do sono afeta principalmente aqueles com tipo 1.
Alucinações hipnagógicas ou hipnopômpicas
Ilusões ou alucinações auditivas ou visuais particularmente intensas podem ocorrer ao começar a dormir (hipnagógicas) ou, menos comumente, logo após o despertar (hipnopômpicas). São difíceis de distinguir de devaneios intensos e têm certa semelhança com sonhos vívidos, que são normais durante o sono REM.
Os fenômenos hipnagógicos ocorrem em cerca de 30-60% dos pacientes, são comuns entre crianças jovens saudáveis e ocasionalmente ocorrem em adultos saudáveis (1). Entre os pacientes com narcolepsia, afeta principalmente aqueles com tipo 1.
Sono noturno perturbado
O sono também é frequentemente perturbado pelo aumento de despertares em pacientes com narcolepsia, potencialmente piorando a sonolência diurna excessiva. O distúrbio do sono ocorre em pacientes com narcolepsia tipo 1 e 2.
Referência sobre sinais e sintomas
1. Drakatos P, Leschiziner GD: Update on hypersomnias of central origin. Curr Opin Pulm Med 20(6):572-580, 2014. doi: 10.1097/MCP.0000000000000098
Diagnóstico da narcolepsia
Polissonografia
Teste de latência múltipla do sono
Um atraso de 10 anos do início dos sintomas ao diagnóstico da narcolepsia é comum.
História de cataplexia sugere fortemente narcolepsia tipo 1 em pacientes com sonolência diurna excessiva.
Em pacientes com sonolência diurna excessiva, polissonografia noturna, seguida de múltiplos testes de latência do sono (MSLT), pode confirmar um diagnóstico de narcolepsia quando os resultados incluem:
Episódios REM no início do sono que duram pelo menos 2 de 5 oportunidades de cochilo durante o dia ou um durante oportunidades de cochilo durante o dia, mais um na polissonografia noturna anterior
Latência média de sono (tempo para adormecer) ≤ 8 minutos
Nenhuma outra anormalidade diagnóstica na polissonografia noturna
A narcolepsia do tipo 1 é diagnosticada se os pacientes também têm cataplexia; o tipo 2 é diagnosticado se os pacientes não têm cataplexia. A SDE ocorre em pacientes com narcolepsia tipo 1 ou tipo 2.
O teste de manutenção da vigília não auxilia o diagnóstico, mas ajuda a monitorar a eficácia do tratamento.
Outros distúrbios que podem causar sonolência diurna excessiva crônica geralmente são indicados pela história e pelo exame físico; a imagem do encéfalo e os testes de sangue e urina podem confirmar o diagnóstico. Esses distúrbios incluem lesões ocupadoras de espaço que afetam o hipotálamo ou a porção superior do tronco encefálico, elevação da pressão intracraniana e certas formas de encefalite. Hipotireoidismo, hiperglicemia, hipoglicemia, anemia, uremia, hipercapnia, hipercalcemia, insuficiência hepática, distúrbios epilépticos e esclerose múltipla também podem causar sonolência diurna excessiva com ou hipersonia. A sonolência diurna excessiva aguda e relativamente breve costuma acompanhar distúrbios sistêmicos agudos como a influenza. Hipersonia também ocorre em pacientes com meningoencefalite decorrente de tripanossomíase africana (doença do sono), que é transmitida pela mosca tsé-tsé.
Tratamento da narcolepsia
Modafinila ou armodafinila
Oxibatos
Solriamfetol
Pitolisant
A narcolepsia pode não exigir tratamento se os pacientes têm episódios ocasionais de paralisia do sono ou alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas, cataplexia infrequente ou parcial e sonolência diurna excessiva leve. Para os outros casos, utilizam-se fármacos promotores de alerta e anticatalépticos. Os pacientes devem conseguir dormir bastante à noite e cochilar brevemente (< 30 minutos) no mesmo horário todos os dias (em geral à tarde). Pacientes com cataplexia devem evitar fatores precipitantes (p. ex., riso, raiva, medo) (1).
Para narcolepsia tipo 1, deve-se utilizar oxibatos ou pitolisant para cataplexia e, se a SDE persistir, deve-se adicionar modafinila.
Para narcolepsia tipo 2, modafinila deve ser o tratamento de primeira linha, com solriamfetol como a 2ª linha para sonolência diurna excessiva. Também pode-se utilizar pitolisant para tratar a SDE.
Modafinila, um fármaco promotor de vigília de ação prolongada, pode ajudar os pacientes com SDE. O mecanismo de ação é incerto. Em geral, a modafinila é administrada pela manhã. A dose é aumentada, se necessário. Se os efeitos não durarem até a noite, pode-se administrar uma 2ª dose pequena ao meio-dia ou às 13 h, embora essa dose às vezes interfira no sono noturno.
Os efeitos adversos da modafinila incluem náuseas e cefaleia, que são mitigadas com doses iniciais menores e lenta titulação. A modafinila pode reduzir a eficácia dos contraceptivos orais e tem potencial de abuso, embora baixo. Raramente, exantema grave e síndrome de Stevens-Johnson se desenvolvem em pacientes que tomam modafinila. Se houver reações graves, deve-se interromper a administração do medicamento. Modafinila não deve ser utilizada durante a gestação porque pode causar anomalias congênitas fetais graves, incluindo anomalias cardíacas.
Armodafinila, o enantiómero R da modafinila, tem benefícios e efeitos adversos semelhantes; toma-se uma vez pela manhã.
O solrianfetol é um inibidor da recaptação de dopamina e noradrenalina. Indica-se para tratar a sonolência diurna excessiva (mas não a cataplexia) em pacientes com narcolepsia ou apneia obstrutiva do sono (AOS). O ajuste da dose é necessário para pacientes com insuficiência renal, e o solriamfetol não deve ser utilizado em pacientes com doença renal em estágio terminal. Em ensaios clínicos, o solriamfetol foi bem tolerado e aliviou significativamente os sintomas da sonolência excessiva (documentada pela Escala de Sonolência de Epworth e testes de manutenção da vigília) em adultos com narcolepsia e naqueles com AOS e sonolência diurna excessiva. Os efeitos adversos mais comuns são insônia, cefaleia, náuseas, diminuição do apetite e diarreia. Não há interações com contraceptivos orais.
Pitolisante é um agonista inverso do receptor de histamina-3, que é indicado para o tratamento da sonolência diurna excessiva, e da cataplexia em pacientes com narcolepsia. O pitolisante é iniciado uma vez ao dia (tomado ao acordar). A dose pode ser aumentada. É necessário ajustar a dose para pacientes com insuficiência renal ou hepática, e pitolisant não deve ser utilizado em pacientes com doença renal em estágio terminal. Os efeitos adversos são cefaleia, irritabilidade, ansiedade e náuseas. Interage com os contraceptivos orais, tornando-os menos eficazes. Pode prolongar o intervalo QT, que deve ser monitorado.
O oxibato, disponível em 3 formulações (uma rica em sódio e administrada duas vezes por noite, outra rica em sódio e administrada uma vez por noite, e outra pobre em sódio e administrada duas vezes por noite), também pode ser utilizada para tratar SDE e cataplexia. Administra-se na hora de dormir já na cama, seguido pela mesma dose 2,5 a 4 horas mais tarde (se uma formulação de duas vezes por noite estiver sendo utilizada). Os efeitos adversos incluem cefaleia, náuseas, tonturas, nasofaringites, sonolência, vômitos, incontinência urinária e algumas vezes sonambulismo. Oxibatos são fármacos de posologia III e têm potencial para abuso e dependência. São contraindicados em pacientes com deficiência de semialdeído desidrogenase succínico. Deve-se utilizar oxibato com cautela em pacientes com doenças respiratórias não tratadas, hipertensão ou insuficiência cardíaca.
Antidepressivos tricíclicos (em particular clomipramina imipramina, e protriptilina) SSRIs (p. ex., venlafaxina, fluoxetina) já fora utilizados para tratar cataplexia, paralisia do sono e alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas; mas dados sobre a eficácia desses medicamentos são limitados. Esses medicamentos só devem ser utilizados se pitolisant e oxibatos forem ineficazes.
Pode-se utilizar metilfenidato ou derivados da anfetamina (incluindo metanfetamina e dextroanfetamina) se os pacientes não respondem ou não toleram fármacos promotores da vigília. Entretanto, deve-se considerar todos os estimulantes de 3ª ou 4ª linha após modafinila, armodafinila, solriamfetol e pitolisante. No caso de prescrição de estimulantes a pacientes com > 40 anos, deve-se realizar teste de esforço para determinar se há doença cardiovascular subjacente.
Metilfenidato e derivados da anfetamina estão disponíveis em preparações de ação prolongada e, portanto, podem ser administradas uma vez ao dia em muitos pacientes. Contudo, esses estimulantes têm efeitos adversos significativos, incluindo agitação, hipertensão arterial, taquicardia, infarto do miocárdio (secundário à vasoconstrição), alterações no apetite e alterações no humor (p. ex., reações maníacas). O potencial de uso abusivo é alto.
Referência sobre o tratamento
1. Maski K, Trotti LM, Kotagal S, et al: Treatment of central disorders of hypersomnolence: an American Academy of Sleep Medicine clinical practice guideline. J Clin Sleep Med 17(9):1881-1893, 2021. doi: 10.5664/jcsm.9328
Pontos-chave
A narcolepsia pode ser causada pela destruição autoimune dos neurônios contendo hipocretina no hipotálamo lateral.
Os principais sintomas são sonolência diurna excessiva (SDE), cataplexia, alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas, paralisia do sono e sono noturno perturbado.
Confirmar o diagnóstico por polissonografia e teste de latência múltipla do sono.
Em geral, a SDE responde à modafinila ou outro fármaco promotor de alerta; a cataplexia responde a pitolisant ou oxibatos.