Incompetência do esfíncter esofágico inferior permite o refluxo do conteúdo gástrico no esôfago, causando dor em queimação. O refluxo prolongado pode provocar esofagite, estenose e raramente metaplasia. O diagnóstico é clínico, algumas vezes por endoscopia, com ou sem pHmetria. O tratamento envolve modificações do estilo de vida, supressão ácida com inibidores da bomba de prótons e, às vezes, cirurgia.
(Ver também Visão geral das doenças esofágicas e de deglutição.)
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é comum. A prevalência varia amplamente, dependendo da população estudada; algumas estimativas variam de 10 a 20% dos adultos (1). Ela também ocorre com frequência em lactentes, tipicamente com início no nascimento.
Referência
1. El-Serag HB, Sweet S, Winchester CC, Dent J: Update on the epidemiology of gastro-oesophageal reflux disease: a systematic review. Gut 63(6):871-880, 2014. doi: 10.1136/gutjnl-2012-304269
Etiologia da DRGE
A presença de refluxo implica em incompetência do EEI, que pode resultar de perda generalizada do tônus desse esfíncter ou de relaxamentos recorrentes e temporários (isto é, não relacionados à deglutição). Os relaxamentos transitórios do EEI são desencadeados por distensão gástrica ou estímulo faríngeo subliminar.
Os fatores que contribuem para a competência da junção esofagogástrica incluem o ângulo da junção cardioesofágica, a ação do diafragma, a gravidade (isto é, posição ortostática) e a idade do paciente. Fatores que podem contribuir para o refluxo incluem ganho de peso, alimentos gordurosos, bebidas gasosas ou com cafeína, álcool, tabaco e determinados medicamentos. Medicamentos que diminuem a pressão do EEI incluem anticolinérgicos, anti-histamínicos, antidepressivos tricíclicos, bloqueadores dos canais de cálcio, progesterona e nitratos.
Complicações da DRGE
A DRGE pode resultar em esofagite, úlcera esofágica, estenose esofágica, esôfago de Barrett (a substituição do epitélio escamoso normal do segmento distal do esôfago pelo epitélio colunar metaplásico durante a fase de cicatrização da esofagite aguda) e adenocarcinoma esofágico.
Os fatores que contribuem para o desenvolvimento de esofagite incluem a natureza cáustica do material refluído, a inabilidade para eliminar o material refluído do esôfago, o volume do conteúdo gástrico e as funções protetoras da mucosa. Alguns pacientes, sobretudo lactentes, podem aspirar o material refluído; entretanto, a causa da aspiração pulmonar raramente é a DRGE.
Essa imagem mostra esofagite grau B.
Image provided by Kristle Lynch, MD.
O refluxo gastroesofágico pode causar esofagite que se manifesta como erosões e ulcerações esofágicas difusas erosões esofágicas distais (setas). Cicatrizes podem com o tempo causar estenoses.
Image provided by Kristle Lynch, MD.
Essa imagem mostra a estenose de esôfago causada por doença de refluxo de longa duração e também mostra ulcerações superficiais.
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Nesta imagem do esôfago de Barrett, faixas vermelhas de epitélio metaplásico podem ser vistas estendendo-se em direção proximal.
Image provided by Kristle Lynch, MD.
Sinais e sintomas da DRGE
O sintoma mais proeminente da DRGE é a queimação retroesternal, com ou sem regurgitação do conteúdo gástrico para a boca. Crianças apresentam vômitos, irritabilidade, anorexia e, algumas vezes, sintomas de aspiração crônica. Tanto adultos como crianças com aspiração crônica podem apresentar tosse, roncos ou chiado.
A esofagite pode causar odinofagia e mesmo hemorragia, que em geral é oculta, mas pode ser maciça. Estenoses pépticas causam disfagia gradualmente progressiva para alimentos sólidos. Úlceras esofágicas provocam o mesmo tipo de dor encontrada em úlceras gástricas ou duodenais, mas a dor em geral se localiza na região do apêndice xifoide ou região subesternal alta. As úlceras pépticas esofágicas cicatrizam lentamente, tendem a recorrer e costumam causar estenose quando cicatrizam.
Diagnóstico da DRGE
Diagnóstico clínico
Endoscopia para pacientes que não respondem ao tratamento empírico
pHmetria avançada para pacientes com sintomas típicos, mas endoscopia normal
(Ver também the American College of Gastroenterology’s 2022 guidelines for the diagnosis and management of gastroesophageal reflux disease.)
Uma anamnese detalhada aponta para o diagnóstico. Pode-se tentar uma prova terapêutica com supressores de ácido para pacientes com sintomas típicos da DRGE. Deve-se submeter aqueles que não melhoram ou têm sintomas de longa duração ou sintomas das complicações a outros testes.
Endoscopia com lavado para citologia e/ou biópsias de áreas anormais é o procedimento de escolha. A biópsia endoscópica é o único teste que detecta de maneira consistente as alterações na mucosa colunar do esôfago de Barrett. Pacientes com achados endoscópicos sem importância e sintomas típicos, apesar do tratamento com inibidores da bomba de prótons, devem ser submetidos à pHmetria de 24 h. Embora um esofagograma com bário mostre prontamente úlceras esofágicas e estenoses pépticas, é menos útil para refluxo leve a moderado; além disso, a maioria dos pacientes com anormalidades requer endoscopia subsequente. Pode-se utilizar os achados endoscópicos para classificar a gravidade da esofagite de refluxo (1):
Grau A: uma ou mais rupturas da mucosa ≤ 5 mm que não cruzam as partes superiores de 2 pregas da mucosa
Grau B: uma ou mais rupturas da mucosa > 5 mm que não cruzam as partes superiores de 2 pregas da mucosa
Grau C: uma ou mais rupturas da mucosa que cruzam ≥ 2 pregas mucosas e envolvem < 75% da circunferência do esôfago
Grau D: uma ou mais rupturas da mucosa envolvendo ≥ 75% da circunferência esofágica
De acordo com o Consenso de Lyon, a esofagite de graus C e D é uma evidência objetiva de DRGE (2). Manometria esofágica pode ser utilizada para avaliar o peristaltismo esofágico antes do tratamento cirúrgico.
Referências sobre diagnóstico
1. Sami SS, Ragunath K: The Los Angeles classification of gastroesophageal reflux disease. Video Journal and Encyclopedia of GI Endoscopy 1(1):103–104, 2013. doi: 10.1016/S2212- 0971(13)70046-3103
2. Gyawali CP, Kahrilas PJ, Savarino E, et al: Modern diagnosis of GERD: The Lyon Consensus. Gut 67(7):1351–1362, 2018. doi: 10.1136/gutjnl-2017-314722
Tratamento da DRGE
Elevação da cabeceira do leito
Evitar café, álcool, godura e tabagismo
Inibidores da bomba de prótons, bloqueadores H2
O tratamento da DRGE não complicada consiste em elevar a cabeceira do leito em cerca de 15 cm colocando blocos de 15 a 20 cm sob as pernas da região da cabeceira do leito, utilizando um travesseiro em cunha ou inserindo uma cunha sob o colchão. Além disso, deve-se evitar:
Comer em 3 horas antes da horas de dormir
Estimulantes fortes da secreção ácida (p. ex., cafeína, álcool)
Certos medicamentos (p. ex., anticolinérgicos)
Alimentos específicos (p. ex., gorduras, chocolate)
Tabagismo
Recomenda-se perda ponderal para pacientes com sobrepeso e para aqueles que ganharam peso recentemente.
Em geral, o tratamento médico é com um inibidor da bomba de prótons; alguns são mais potentes que outros, mas todos mostraram ser eficazes. Por exemplo, adultos podem receber 20 mg de omeprazol oral, 30 mg de lansoprazol, 40 mg de pantoprazol ou 40 mg de esomeprazol 30 minutos antes de uma refeição (p. ex., antes do café da manhã ou para uma dose duas vezes ao dia, antes do café da manhã e jantar). Em alguns casos (p. ex., resposta somente parcial à dosagem 1 vez por dia) pode-se administrar inibidores da bomba de prótons de duas vezes ao dia antes das refeições. As crianças podem receber esses medicamentos em doses reduzidas 1 vez por dia (isto é, omeprazol, 20 mg, para crianças com > 3 anos de idade; omeprazol, 10 mg, para crianças com < 3 anos; lansoprazol, 15 mg, para crianças com ≤ 30 kg ou 30 mg, para crianças com > 30 kg). Esses medicamentos podem ser mantidos por longo prazo, mas as doses devem ser ajustadas ao mínimo exigido para prevenir os sintomas, incluindo dosagem intermitente conforme necessário.
Bloqueadores H2 também são uma opção de tratamento eficaz para a DRGE levemente sintomática. Os bloqueadores de ácido competitivos com potássio (p. ex., vonoprazana) são uma terapia emergente disponível em alguns países, mas não nos Estados Unidos. Agentes pró-motilidade (p. ex., metoclopramida 10 mg por via oral 30 minutos antes das refeições e ao deitar) são menos eficazes, mas podem ser adicionados a um esquema de inibidor da bomba de prótons.
Realiza-se a cirurgia antirrefluxo (geralmente fundoplicatura via laparoscopia) em pacientes com esofagite graus C e D, hérnias de hiatos volumosas, hemorragia, estenose, úlceras, grandes quantidades de refluxo não ácido sintomático ou em pacientes que não toleram o tratamento médico. Estenoses esofágicas costumam ser tratadas por meio de dilatações endoscópicas repetidas.
O esôfago de Barrett pode ou não regredir com o tratamento médico ou cirúrgico. (Ver também the American College of Gastroenterology’s updated 2022 guidelines for the diagnosis and management of Barrett’s esophagus.) Como o esôfago de Barrett é um precursor do adenocarcinoma, recomenda-se vigilância endoscópica para transformação maligna a cada 3 a 5 anos na doença não displástica. As diretrizes de 2022 do American College of Gastroenterology recomendam considerar terapia ablativa endoscópica para pacientes com displasia de baixo grau confirmada e sem comorbidade limitadora da vida; entretanto, vigilância endoscópica a cada 12 meses é uma alternativa aceitável. Deve-se tratar os pacientes com esôfago de Barrett e displasia de alto grau confirmada com terapia ablativa endoscópica, a menos que tenham comorbidade limitadora da vida. Técnicas ablativas endoscópicas para esôfago de Barrett incluem resseção endoscópica da mucosa, terapia fotodinâmica, crioterapia e ablação a laser.
Pontos-chave
A incompetência do esfíncter esofágico inferior e relaxamentos transientes permitem o refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago e, raramente, para a laringe ou pulmões.
Complicações incluem esofagite, estenose esofágica, esôfago de Barrett e adenocarninoma esofágico.
O principal sintoma em adultos é azia e lactentes apresentam vômitos, irritabilidade, anorexia e, algumas vezes, sintomas de aspiração crônica; em qualquer idade, aspiração crônica pode causar tosse, rouquidão e sibilos.
Diagnosticar clinicamente; realizar endoscopia em pacientes que não respondem ao tratamento empírico e pHmetria avançada se a endoscopia estiver normal em pacientes com sintomas típicos.
Tratar com mudanças no estilo de vida (p. ex., elevação da cabeceira do leito, perda ponderal, evitar gatilhos dietéticos) e terapia supressora de ácido.
A cirurgia antirrefluxo pode ajudar pacientes com esofagite grave, complicações da esofagite, intolerância ao tratamento médico ou uma grande quantidade de refluxo não ácido sintomático.
Informações adicionais
Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.
American College of Gastroenterology: Guidelines for the diagnosis and management of gastroesophageal reflux disease (2022)
American College of Gastroenterology: Updated guidelines for the diagnosis and management of Barrett’s esophagus (2022)