A cetoacidose alcoólica é uma complicação metabólica da utilização de álcool e do jejum, caracterizada por hipercetonemia e acidose metabólica, com hiato aniônico positivo, sem hiperglicemia significativa. A cetoacidose alcoólica causa náuseas, vômitos e dor abdominal. O diagnóstico se faz por meio da história e do achado de cetoacidose sem hiperglicemia. O tratamento consiste em infusão IV de solução fisiológica e infusão de dextrose.
A cetoacidose alcoólica é atribuída aos efeitos combinados do álcool e jejum sobre o metabolismo de glicose.
Fisiopatologia da cetoacidose alcoólica
O álcool diminui a gliconeogênese hepática e leva à diminuição da secreção de insulina, aumento da lipólise, transporte prejudicado dos ácidos graxos para mitocôndrias, oxidação de ácidos graxos e cetogênese subsequente, causando acidose metabólica com hiato aniônico elevado. Hormônio do crescimento, adrenalina, cortisol e glucagon estão todos aumentados. As concentrações plasmáticas de glicose são, geralmente, baixas ou normais, mas discreta hiperglicemia ocorre algumas vezes.
Sinais e sintomas da cetoacidose alcoólica
Tipicamente, a bebedeira causa vômitos e cessação de ingestão de álcool e alimentos por ≥ 24 horas. Durante esse período de jejum, os vômitos continuam e desenvolve-se dor abdominal, levando o paciente a procurar cuidados médicos. Pode ocorrer pancreatite.
Diagnóstico da cetoacidose alcoólica
Cálculo do hiato aniônico
Exclusão de outras doenças
O diagnóstico requer alto índice de suspeita; sintomas similares em um paciente com transtorno por uso de álcool podem resultar de pancreatite aguda, intoxicação por metanol ou etilenoglicol (ver tabela Sintomas e tratamento de intoxicações específicas) ou cetoacidose diabética (CAD). Frequentemente, os níveis de álcool no sangue não estão mais elevados quando os pacientes manifestam cetoacidose alcoólica.
Nos pacientes com suspeita de cetoacidose alcoólica, dosar os eletrólitos séricos (inclusive magnésio), nitrogênio da ureia sanguínea (BUN) e creatinina, glicose, cetonas, amilase, lipase e a osmolaridade plasmática. Deve-se testar na urina a presença de cetonas. Pacientes com aspecto grave e aqueles com cetonas positivas devem fazer gasometria arterial e dosar o lactato sérico.
A ausência de hiperglicemia torna a cetoacidose diabética pouco provável. Pacientes com hiperglicemia discreta podem ter diabetes mellitus subjacente, que pode ser identificado pela elevação da hemoglobina A1C.
Achados laboratoriais típicos incluem
Cetonemia e cetonúria
A detecção da acidose pode ser complicada pela alcalose metabólica concomitante decorrente dos vômitos, resultando em pH relativamente normal; a principal pista é a elevação do hiato aniônico. Se a história não excluir a ingestão tóxica de álcool como causa do aumento do hiato aniônico elevado, deve-se medir os níveis séricos de metanol e etilenoglicol.
A presença de cristais de oxalato de cálcio na urina também sugere intoxicação por etilenoglicol.
As concentrações de ácido láctico costumam estar elevadas em razão da alteração do equilíbrio das reações de redução e oxidação no fígado.
Tratamento da cetoacidose alcoólica
Tiamina IV e outras vitaminas junto com magnésio
Glicose a 5% em solução fisiológica a 0,9% IV
Os pacientes recebem inicialmente tiamina 100 mg IV para evitar a encefalopatia de Wernicke ou a psicose de Korsakoff. A seguir, administrar uma infusão IV de soro glicosado a 5% em soro fisiológico a 0,9%. A reposição hídrica inicial deve conter vitaminas hidrossolúveis e magnésio, com reposição de potássio conforme necessário.
A cetoacidose e os sintomas gastrointestinais respondem, geralmente, rapidamente. A utilização de insulina só é apropriada se houver dúvidas sobre cetoacidose diabética atípica ou se ocorrer hiperglicemia > 300 mg/dL (> 16,7 mmol/L).
Pontos-chave
A causa da cetoacidose alcoólica é uma combinação de efeitos do álcool e jejum no metabolismo da glicose; é caracterizada por hipercetonemia e acidose metabólica com hiato aniônico elevado sem hiperglicemia significativa.
Medir cetonas e eletrólitos no soro e na urina e calcular o hiato aniônico sérico.
Tratar inicialmente com tiamina intravenosa para evitar a encefalopatia de Wernicke ou a psicose de Korsakoff, então continuar com dextrose IV em soro fisiológico a 0,9%.