A pneumonite e a pneumonia por aspiração são causadas pela inalação de substâncias tóxicas e/ou irritantes, mais comumente grandes volumes de secreções das vias respiratórias superiores ou conteúdo gástrico nos pulmões. O resultado pode ser pneumonite indetectável ou química, pneumonia bacteriana, ou obstrução das vias respiratórias. Os sintomas incluem tosse e dispneia. O diagnóstico baseia-se em manifestações clínicas e radiografia de tórax. O tratamento e o prognóstico diferem dependendo da substância aspirada.
(Ver também Visão geral da pneumonia.)
A aspiração pode causar inflamação pulmonar (pneumonite química), infecção (pneumonia bacteriana ou abscesso pulmonar) ou obstrução das vias respiratórias (por obstrução mecânica ou espasmo reflexo das vias respiratórias). A microaspiração de pequenas quantidades de secreções das vias respiratórias superiores é comum; mas esse material aspirado é eliminado pelos mecanismos normais da defesa pulmonar. Utiliza-se o termo pneumonia por aspiração quando a capacidade de proteger as vias respiratórias inferiores é comprometida e/ou um grande volume é aspirado. Afogamento também pode causar inflamação dos pulmões.
Os fatores de risco de aspiração incluem
Nível de consciência prejudicado (p. ex., decorrente de overdose de drogas, intoxicação alcoólica, convulsões)
Disfagia (decorrente de doenças esofágicas e/ou laríngeas, doenças neurológicas)
Vômitos
Dispositivos e procedimentos gastrointestinais (p. ex., colocação de sonda nasogástrica)
Dispositivos e procedimentos respiratórios (p. ex., colocação de tubo endotraqueal — ver Pneumonia associada a ventilação mecânica)
Fisiopatologia
Pneumonite química
Múltiplas substâncias são diretamente tóxicas aos pulmões ou estimulam uma resposta inflamatória quando aspiradas; o ácido gástrico é o mais comum dessas substâncias aspiradas, mas outras incluem produtos à base de petróleo (particularmente de baixa viscosidade, como a vaselina) e óleos laxativos (como óleo mineral, óleo de mamona ou parafina). Produtos à base de petróleo e laxantes podem causar pneumonia lipoide. A aspiração de gasolina e querosene também provoca pneumonite química (ver Intoxicação por hidrocarbonetos).
O conteúdo gástrico provoca lesão principalmente por causa de ácido gástrico, embora a alimentação e outros materiais ingeridos (p. ex., carvão ativado para o tratamento de superdosagem) sejam prejudicais em quantidade. O ácido gástrico provoca queimadura química das vias respiratórias e dos pulmões, acarretando broncoconstrição rápida, atelectasia e edema. Essa síndrome pode desaparecer de forma espontânea, habitualmente em poucos dias, ou progredir para síndrome do desconforto respiratório agudo. A superinfecção bacteriana ocorre em cerca de 25% dos casos.
Pneumonia por aspiração
Indivíduos saudáveis comumente aspiram pequenas quantidades de secreções orais, mas os mecanismos de defesa normais geralmente eliminam o inóculo sem sequelas. A aspiração de grandes quantidades ou a aspiração em um paciente com comprometimento das defesas pulmonares com frequência provoca pneumonia e/ou abscesso pulmonar. Pacientes idosos tendem a aspirar por causa de condições associadas ao envelhecimento que alteram a consciência (p. ex., o uso de sedativos) e outras doenças (p. ex., transtornos neurológicos, transtornos da deglutição). O empiema (ver Derrame pleural) ocasionalmente também complica a aspiração.
Patógenos enterais gram-negativos e anaeróbios bucais são os patógenos mais frequentes na pneumonia por aspiração. O contexto clínico que cerca a aspiração pode determinar a microbiologia da aspiração, com estreptococos e anaeróbios mais frequentes na pneumonia adquirida na comunidade e bacilos Gram-negativos e Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (SARM) predominando na pneumonia intra-hospitalar. A doença periodontal predispõe à infecção anaeróbica.
Sinais e sintomas
Sinais e sintomas incluem
Tosse
Febre
Dispneia
Desconforto no peito
A pneumonite química provocada por conteúdo gástrico causa dispneia aguda com tosse às vezes com produção de escarro róseo e espumoso, taquipneia, taquicardia, febre, estertores difusos ou localizados e sibilos. Quando óleo de petróleo ou vaselina é aspirado, a pneumonite pode ser assintomática e detectada acidentalmente por radiografia do tórax ou pode se manifestar por febre de baixa intensidade, perda ponderal gradual e estertores. A pneumonia aspirativa pode ter início variável e, nos casos causados por organismos anaeróbios, a evolução pode ser subaguda.
Diagnóstico
Radiografia de tórax
Para pneumonia por aspiração, radiografia de tórax, frequentemente, mas não de maneira exclusiva, revela um infiltrado nos segmentos pulmonares pendentes, isto é, no segmento superior de lobo inferior ou no segmento posterior de lobo superior. No abscesso pulmonar relacionado com a aspiração, a radiografia de tórax pode mostrar uma lesão cavitária. A tomografia computadorizada (TC) com contraste é mais sensível e específica para pneumonia aspirativa e abscesso pulmonar. Nos abscessos pulmonares, a TC com contraste mostrará lesão arredondada preenchida com líquido ou com nível ar-líquido. É possível diferenciar pneumonite e pneumonia por aspiração pelo curso clínico, mas não por exames de imagem.
Em pacientes com aspiração de óleo de petróleo ou vaselina, os achados da radiografia de tórax variam; consolidação, cavitação, infiltrados intersticiais ou nodulares, derrame pleural e outras alterações podem ser de progressão lenta. A TC pode mostrar uma atenuação representativa da gordura no interior das opacidades consolidativas e nódulos.
Os sinais de aspiração contínua podem incluir pigarro frequente ou tosse de aparência úmida depois de comer. Às vezes nenhum sinal está presente, e a aspiração contínua só é diagnosticada via esofagografia com bário modificada, feita para excluir um distúrbio de deglutição subjacente.
Deve-se avaliar se determinados pacientes com pneumonite ou pneumonia por aspiração inexplicáveis não têm alguma doença de deglutição subjacente.
Tratamento
Tratamento de suporte
Antibióticos
O tratamento da pneumonia por aspiração é de suporte, frequentemente envolvendo suplementação de oxigênio e ventilação mecânica. Frequentemente administram-se antibióticos a pacientes com aspiração gástrica testemunhada ou conhecida; entretanto, estudos não corroboram essa prática. Uma abordagem preferida é a observação atenta com a prescrição de antibióticos se o curso clínico sugerir superinfecção bacteriana subsequente. Antibióticos empíricos precoces também podem ser suspensos se os pacientes melhorarem rapidamente.
Deve-se evitar substâncias tóxicas que podem causar pneumonia lipoide. Relatos sugerem que corticoides sistêmicos podem ser benéficos em pacientes com aspiração de óleo de petróleo ou vaselina com doença significativa.
Para pneumonia aspirativa, recomenda-se um inibidor de betalactâmicos/betalactamases; moxifloxacina ou clindamicina é reservada para uso em pacientes alérgicos à penicilina (1). Se ocorrer aspiração em ambiente hospitalar, pode-se utilizar carbapeném ou piperacilina/tazobactam; adicionam-se medicamentos eficazes contra o Staphylococcus aureus resistente à meticilina (SARM) se fatores de risco para esse patógeno estão presentes. A duração do tratamento é geralmente de 1 a 2 semana (2).
Otratamento do abscesso pulmonar é com antibióticos e, às vezes, drenagem cirúrgica ou percutânea. Muitos médicos continuam o tratamento com antibióticos até a radiografia de tórax mostrar resolução completa ou apenas uma anormalidade residual pequena e estável.
Referências sobre o tratamento
1. Metlay JP, Waterer GW, Long AC, et al: Diagnosis and Treatment of Adults with Community-acquired Pneumonia. An Official Clinical Practice Guideline of the American Thoracic Society and Infectious Diseases Society of America. Am J Respir Crit Care Med 200(7): e45–e67, 2019. https://doi.org/10.1164/rccm.201908-1581ST
2. Mandell LA, Niederman MS: Aspiration Pneumonia. N Engl J Med 380(7):651–663, 2019. doi:10.1056/NEJMra1714562
Prevenção
Estratégias para prevenir a aspiração são importantes para os cuidados e desfechos clínicos gerais. Para pacientes com diminuição no nível de consciência, evitar a ingestão oral de alimentos e medicamentos e elevar a cabeceira do leito acima de 30 graus podem ajudar. Medicamentos sedativos devem ser interrompidas.
Há muito tempo recomenda-se que pacientes com disfagia (decorrente de acidente vascular encefálico ou outras condições neurológicas) sigam dietas com texturas espessas para tentar reduzir o risco de aspiração, mas há poucas evidências sólidas de que isso seja efetivo. Um fonoaudiólogo pode ser capaz de treinar os pacientes em estratégias específicas (exercícios para o queixo etc.) para reduzir o risco da aspiração. Para pacientes com disfagia grave, muitas vezes utiliza-se um tubo de gastrostomia ou jejunostomia percutânea, embora não esteja claro se essa estratégia realmente reduz o risco de aspiração porque os pacientes ainda podem aspirar secreções orais e podem ter refluxo da alimentação por sonda de gastrostomia.
A otimização da higiene bucal e a prestação de cuidados regulares por um dentista podem ajudar a prevenir o desenvolvimento de pneumonia ou abscesso em pacientes com aspiração repetida.
Pontos-chave
Deve-se avaliar se determinados pacientes com pneumonite ou pneumonia por aspiração inexplicáveis não têm alguma doença de deglutição subjacente.
A pneumonia por aspiração deve ser tratada com antibióticos; o tratamento da pneumonite por aspiração é principalmente de suporte.
A prevenção secundária da aspiração utilizando medidas diversas é um componente chave dos cuidados para os pacientes afetados.