A neoplasia endócrina múltipla tipo 2A (NEM-2A) é uma síndrome autossômica dominante caracterizada por carcinoma medular da tireoide, feocromocitoma, hiperparatireoidismo e, ocasionalmente, liquen amiloide. As características clínicas dependem dos elementos glandulares afetados. O carcinoma medular familiar da tireoide é uma variante distinta da NEM-2A. O diagnóstico é confirmado por exame genético. Exames hormonais e de imagem auxiliam a localização dos tumores, que são removidos cirurgicamente quando possível.
(Ver também Visão geral da neoplasia endócrina múltipla.)
As mutações no proto-oncogene RET, no cromossomo 10, foram identificadas na NEM-2A, NEM-2B e carcinoma medular de tireoide familiar. A proteína RET é um receptor da tirosinoquinase; as mutações NEM-2A e carcinoma medular tireoidiano familiar resultam em ativação de certas vias intracelulares.
Sinais e sintomas da NEM 2A
As características clínicas dependem do tipo de tumor presente (ver tabela Doenças associadas a síndromes de neoplasia endócrina múltipla).
Tireoide
Quase todos os pacientes apresentam carcinoma medular de tireoide. O tumor geralmente se desenvolve durante a infância e inicia-se como hiperplasia de célula C parafolicular da tireoide. Os tumores costumam ser multicêntricos.
Suprarrenal
O feocromocitoma geralmente se origina nas glândulas suprarrenais. Feocromocitoma ocorre em 40 a 50% das pessoas com parentesco com MEN 2A. Contrariamente ao feocromocitoma aleatório, a variedade familiar na NEM 2A começa com hiperplasia da medula suprarrenal, multicêntrica e bilateral em > 50% dos casos. Feocromocitomas extra-suprarrenais são raros. Os feocromocitomas são quase sempre benignos, mas alguns tendem a reincidir localmente e são responsáveis por morbidade e mortalidade significativas.
O feocromocitoma da NEM 2A (e NEM 2B) geralmente produz adrenalina de modo desproporcional à noradrenalina, diferentemente dos casos aleatórios.
Crises hipertensivas secundárias ao feocromocitoma são apresentações comuns. A hipertensão em pacientes com NEM-IIA com feocromocitoma é mais frequentemente paroxística do que mantida, ao contrário dos casos esporádicos habituais. Pacientes com feocromocitoma podem apresentar palpitação paroxísticas, ansiedade, cefaleias ou sudorese; vários são assintomáticos.
Paratireoide
Dez a 20% dos pacientes apresentam evidências de hiperparatireoidismo (que pode ser de longa duração), com hipercalcemia, nefrolitíase, nefrocalcinose ou insuficiência renal. O hiperparatireoidismo com frequência envolve múltiplas glândulas, assim como hiperplasia difusa ou múltiplos adenomas; anormalidades leves na função da paratireoide também podem estar presentes na NEM-IIA.
Outras manifestações
A amiloidose liquenoide cutânea, uma lesão papular, escamosa e prurítica localizada na região interescapular ou em superfícies extensoras, ocorre em alguns parentescos com NEM-IIA. Doença de Hirschsprung está presente em 2 a 5% dos pacientes com NEM 2A.
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Diagnóstico da NEM 2A
Calcitonina sérica para carcinoma medular da tireoide
Cálcio sérico, cálcio urinário de 24 horas e hormônio paratireoideo para hiperparatireoidismo
Metanefrinas plasmáticas livres ou níveis urinários de catecolaminas e metanefrinas para feocromocitoma
Ultrassonografia do pescoço, com exames de imagem adicionais conforme necessário
Localização do feocromocitoma com RM ou TC
Exame genético
A calcitonina sérica é um bom marcador para a presença de carcinoma medular da tireoide e também pode ser utilizada como um biomarcador para acompanhar a resposta à doença e/ou sua progressão.
O diagnóstico do hiperparatireoidismo é feito diante de hipercalcemia, hipofosfatemia e aumento da concentração de PTH.
Como o feocromocitoma pode ser assintomático, pode ser difícil excluir esse diagnóstico. Os exames mais sensíveis são a dosagem das metanefrinas livres no plasma ou das catecolaminas urinárias fracionadas e metanefrinas (particularmente da adrenalina).
Os exames de imagem do pescoço para localização de massas nas glândulas tireoide e paratireoide devem começar com ultrassonografia seguida de TC, RM ou varredura por radioisótopos, conforme necessário. Tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) são úteis para localizar o feocromocitoma ou estabelecer a presença de lesões bilaterais.
Vários casos são identificados durante a triagem dos membros das famílias de casos conhecidos. Suspeita-se de NEM-IIA em pacientes com feocromocitoma bilateral ou com pelo menos 2 de suas manifestações endócrinas características. O diagnóstico é confirmado por exame genético. Embora apenas 25% dos casos de carcinoma medular da tireoide sejam familiais, deve-se fazer exame genético em todos os pacientes com essa doença. Mutações RET são encontradas em praticamente todos os pacientes com câncer medular da tireoide familiar, mas são tão altas quanto aproximadamente 7% em casos aparentemente esporádicos (1).
Triagem genética
A triagem genética dos membros familiares com NEM-2A é o teste diagnóstico de escolha; a disponibilidade desse teste tornou a triagem bioquímica para carcinoma medular da tireoide predominantemente obsoleta. A mutação RET específica também prediz características fenotípicas como agressividade do carcinoma medular da tireoide e a presença de outras endocrinopatias e, portanto, é importante no tratamento clínico; mas outros fatores, como idade avançada no início da doença e estágio mais alto do tumor no diagnóstico, podem ser mais preditivos da agressividade da doença (2).
O diagnóstico genético pré-implantação e biópsia da vilosidade coriônica pré-natal ou a amniocentese foram utilizados para o diagnóstico pré-natal.
Em pacientes com familiares afetados, rastreamento anual para hiperparatireoidismo e feocromocitoma deve começar na adolescência (aos 11 anos de idade para famílias com variantes de alto risco e aos 16 anos para aquelas com variantes de risco moderado) e continuar indefinidamente. O rastreamento do hiperparatireoidismo é feito pela dosagem dos níveis séricos de cálcio. O rastreamento do feocromocitoma é feito por meio de questões sobre sinais e sintomas, aferição da frequência do pulso, da pressão arterial e realização de exames laboratoriais.
Referências sobre diagnóstico
1. Wells SA Jr, Asa SL, Dralle H, et al: American Thyroid Association Guidelines Task Force on Medullary Thyroid Carcinoma. Revised American Thyroid Association guidelines for the management of medullary thyroid carcinoma. Thyroid 25(6):567–610, 2015.
2. Voss RK, Feng L, Lee JE, et al: Medullary thyroid carcinoma in MEN2A: ATA moderate- or high-risk RET mutations do not predict disease aggressiveness. J Clin Endocrinol Metab 102(8):2807–2813, 2017.
Tratamento da NEM 2A
Excisão cirúrgica dos tumores identificados
Tireoidectomia profilática
Nos pacientes com feocromocitoma e carcinoma medular de tireoide ou hiperparatireoidismo, a indicação é de primeiro remover o feocromocitoma, mesmo que assintomático, por aumentar muito o risco cirúrgico durante outros procedimentos (1). Pacientes submetidos à ressecção de um feocromocitoma devem receber bloqueio alfa adequado (normalmente utilizando fenoxibenzamina, doxazosina ou prazosina) antes da cirurgia. A adrenalectomia laparoscópica, que tem a menor morbidade, é preferível à laparotomia a céu aberto. Como os feocromocitomas bilaterais são comuns, a cirurgia com preservação da suprarrenal pode ser apropriada para alguns pacientes (2).
A cirurgia do carcinoma medular da tireoide deve contemplar a tireoidectomia total e a dissecção dos linfonodos no compartimento central, com dissecção adicional dos linfonodos se indicada de acordo com os exames de imagem pré-operatórios. A avaliação pós-cirúrgica de doença residual ou recorrente deve conter a dosagem da calcitonina sérica e exames de imagem com ultrassonografia cervical e, quando indicado, TC ou RM cervical e torácica, cintilografia óssea ou positron emission tomography (PET).
Depois que o carcinoma medular se tornou metastático, inibidores da tirosina quinase, incluindo selpercatinibe, cabozantinibe e vandetanibe recém-disponíveis, pode prolongar a sobrevida livre de progressão. Ensaios clínicos de outros inibidores da tirosina quinase para carcinoma medular metastático estão em andamento (3). Quimioterapia e radioterapia citotóxicas são predominantemente ineficazes para prolongar a sobrevida, mas podem desacelerar a progressão da doença. Considerar radioterapia adjuvante pós-operatória com feixe externo para os pacientes com alto risco de recidiva local e para aqueles com risco de obstrução das vias respiratórias. Alguns estudos mostraram maior sobrevida com a imunoterapia (p. ex., vacinas derivadas de tumores e transfectantes de células tumorais) e radioimunoterapia (p. ex., anticorpos monoclonais juntamente com radioisótopos).
Depois de exame genético identificar uma criança como portadora da mutação RET, é recomendado fazer tireoidectomia profilática. Dependendo da mutação específica, pode haver indicação de tireoidectomia profilática logo nos primeiros meses de vida. O carcinoma medular da tireoide pode ser curado ou prevenido por tireoidectomia precoce. Há uma correlação genótipo-fenótipo para pacientes com mutações RET que podem fornecer informações sobre a idade de início e evolução clínica do câncer medular de tireoide e isso impacta o momento da cirurgia para uma criança afetada.
O sofrimento psicológico parece ser comum e crônico em pacientes com NEM 2. Os fatores que contribuem incluem a pouca quantidade de informações sobre a doença, filhos com a mutação, quantidade de cirurgias e a presença de comorbidades; recomenda-se avaliação psicológica para identificar e tratar os indivíduos afetados (4).
Referências sobre tratamento
1. Wells SA Jr: Advances in the management of MEN2: From improved surgical and medical treatment to novel kinase inhibitors. Endocr Relat Cancer 25:T1–T13, 2018.
2. Castinetti F, Qi XP, Walz AL, et al: Outcomes of adrenal-sparing surgery or total adrenalectomy in phaeochromocytoma associated with multiple endocrine neoplasia type 2: An international retrospective population-based study. Lancet Oncol 15(6):648–655, 2014.
3. Okafor C, Hogan J, Raygada M, et al: Update on Targeted Therapy in Medullary Thyroid Cancer. Front Endocrinol (Lausanne). 12:708949, 2021. doi:10.3389/fendo.2021.708949
4. Rodrigues KC, Toledo RA, Coutinho FL, et al: Assessment of depression, anxiety, quality of life, and coping in long-standing multiple endocrine neoplasia type 2 patients. Thyroid 27(5):693–706, 2017.
Pontos-chave
A maioria dos pacientes com neoplasia endócrina múltipla tipo 2A tem carcinoma medular da tireoide, tipicamente começando na infância.
Outras manifestações são aquelas do excesso de hormônios, em particular hipertensão por causa de feocromocitoma e hipercalcemia devido a hiperparatireoidismo.
Os pacientes devem passar por exames genéticos para mutações RET proto-oncógene e avaliação clínica para outros tumores da síndrome.
Quando possível, os tumores são excisados, começando com qualquer feocromocitoma.
Recomenda-se tireoidectomia profilática; o momento da cirurgia pode ser influenciado pela mutação específica.
Informações adicionais
O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.
Saravana-Bawan B, Pasternak JD. Multiple endocrine neoplasia 2: an overview. Ther Adv Chronic Dis 2022;13:20406223221079246. Publicado em 25 de fevereiro de 2022. doi:10.1177/20406223221079246