Tratamento perioperatório

PorAndré V Coombs, MBBS, University of South Florida
Revisado/Corrigido: jun. 2024
Visão Educação para o paciente

O atendimento perioperatório baseia-se em recomendações individuais e gerais, e visa prevenir complicações perioperatórias e otimizar os resultados. O planejamento e a preparação são realizados semanas ou dias antes de um procedimento não emergencial, se possível, com medidas apropriadas para cada paciente com base no procedimento planejado, indicação de cirurgia, história médica, medicamentos e preferências do paciente.

Foram desenvolvidos e validados os protocolos Enhanced Recovery After Surgery (ERAS), com o objetivo de padronizar os cuidados perioperatórios e melhorar os desfechos cirúrgicos gerais dentre as várias especialidades cirúrgicas (ver ERAS Society).

Medicamentos pré-operatórios e controle de comorbidades

Pacientes com distúrbios médicos crônicos, particularmente doença cardiovascular, pulmonar ou renal, podem exigir tratamento para se prepararem para a cirurgia. Além disso, muitos medicamentos podem interagir com agentes anestésicos ou ter efeitos adversos durante ou após a cirurgia. Assim, geralmente antes da cirurgia, os medicamentos do paciente são revistas e decide-se quais devem ser utilizadas no dia da cirurgia.

Anticoagulantes e antiplaquetários

A anticoagulação deve ser interrompida em pacientes submetidos à cirurgia eletiva com risco tromboembólico baixo a moderado pelo menos 48 horas antes da cirurgia e retomada em 12 a 24 horas após a cirurgia. Para pacientes com alto risco de tromboembolia, como aqueles com stents coronarianos ou valvas cardíacas mecânicas, o risco de morte por trombose pode superar o risco de sangramento cirúrgico. A decisão de descontinuar a terapia anticoagulante deve ser individualizada e envolver uma equipe multidisciplinar. Para pacientes com stents, os fatores a considerar são o tipo de stent (com ou sem revestimento farmacológico), tempo desde a inserção, tipo de cirurgia e se um procedimento eletivo pode ser adiado até que os períodos de maior risco tenham passado (1).

Na maioria dos casos, fármacos antiplaquetários (p. ex., ácido acetilsalicílico) são suspensos 5 a 7 dias antes da cirurgia. Para anticoagulantes orais diretos (ACODs), o momento da descontinuação e retomada deve basear-se na meia-vida do fármaco e função renal; terapia de ponte (administrar um anticoagulante de ação rápida, como heparina de baixo peso molecular, até que o efeito anticoagulante do ACOD se torne terapêutico) geralmente não é recomendado devido à meia-vida mais curta desses agentes e à falta de agentes de reversão específicos (2).

A dabigatrana deve ser interrompida antes dos procedimentos eletivos e pode ser retomada dentro de 24 a 48 horas em pacientes com baixo risco de sangramento, mas deve ser retomada mais tarde (geralmente 3 a 5 dias no pós-operatório) para procedimentos ou pacientes de alto risco (3). Se necessário, o dabigatrana pode ser revertida com idarucizumabe, um fragmento de anticorpo monoclonal que se liga ao dabigatrana e neutraliza rapidamente seu efeito anticoagulante (4). Outros agentes de reversão, como o concentrado de complexos de protrombina (CCP) ou o CCP ativado (CCPa), também podem ser eficazes para reverter o efeito anticoagulante da dabigatrana, mas seu uso é menos bem estabelecido.

Exceto para certos procedimentos menores, suspende-se a varfarina 5 dias antes da cirurgia; o RNI (international normalized ratio) no momento da cirurgia deve ser ≤ 1,5. Alguns pacientes recebem terapia de ponte com um anticoagulante de ação rápida, como heparina de baixo peso molecular após a interrupção da varfarina (5). Terapia de ponte de rotina com heparina não é recomendada para pacientes submetidos à cirurgia que têm risco baixo a moderado de tromboembolia. Deve-se considerar a terapia de ponte para pacientes com alto risco de tromboembolia, como aqueles com história de tromboembolia venosa ou valvas cardíacas mecânicas, e isso deve se basear no risco individual do paciente e no perfil de sangramento (6, 7).

Como leva até 5 dias para a varfarina alcançar níveis terapêuticos de anticoagulação, pode ser iniciada no dia da cirurgia ou depois, a menos que o risco de sangramento pós-operatório seja alto. Os pacientes devem fazer ponte de anticoagulação até o RNI alcançar o alvo terapêutico.

Em pacientes que recebem terapia anticoagulante, a decisão de utilizar anestesia regional deve ser feita caso a caso, levando em conta os riscos de sangramento e trombose. Catéteres epidurais não devem ser removidos até pelo menos 12 horas após a última dose de um ACOD.

Corticoides

Os pacientes podem precisar de corticoide complementar para ajudar a prevenir as respostas inadequadas ao estresse peroperatório se tomarem > 5 mg de prednisona por dia (ou dose equivalente de outro corticoide) por > 3 semanas no ano anterior. A cobertura empírica em dose de ataque com corticoides também costuma ser administrada quando a dose e a duração do tratamento com corticoides são desconhecidas.

Outros medicamentos para doenças crônicas

Vários outros medicamentos, em especial os medicamentos cardiovosculares, incluindo anti-hipertensivos, devem ser mantidas durante todo o período perioperatório. A maioria dos medicamentos orais pode ser administrada com um pequeno gole de água no dia da cirurgia. Outros medicamentos podem ser administradas por via parenteral ou postergadas até depois da cirurgia. Em pacientes com doenças convulsivas, as concentrações de anticonvulsivantes devem ser mensuradas no pré-operatório.

Diabetes

No dia da cirurgia, os pacientes com diabetes insulina-dependente recebem tipicamente um terço da dose de insulina usual pela manhã. Pacientes que utilizam medicamentos orais recebem metade da dose habitual. Se possível, a cirurgia deve ser realizada cedo. O anestesiologista monitora a glicemia durante a cirurgia e administra insulina adicional ou glicose, se necessário. O monitoramento rigoroso com exames de glicemia capilar de ponta de dedo continua durante o período perioperatório. No período pós-operatório imediato, insulina é administrada de acordo com uma escala decrescente. O esquema habitual de insulina em casa só é reiniciado depois que os pacientes retomam sua alimentação regular. Em geral, os agentes hipoglicêmicos são reiniciados quando o paciente recebe alta hospitalar.

Doença cardíaca

Os pacientes com doença coronariana conhecida ou insuficiência cardíaca devem fazer avaliação pré-operatória e estratificação de risco pelo cardiologista. Se a doença clínica dos pacientes não estiver compensada, eles devem fazer exames adicionais antes da cirurgia eletiva.

Doença pulmonar

Testes da função pulmonar no pré-operatório podem ajudar a quantificar o grau de obstrução, restrição ou reação da doença das vias respiratórias. Deve-se otimizar a função ajustando cuidadosamente o uso e as doses dos inaladores, de outras substâncias e das técnicas de desobstrução das vias respiratórias.

Uso de substâncias

Os fumantes são aconselhados a parar de fumar o mais cedo possível, antes de procedimentos envolvendo tórax e abdome. Várias semanas de cessação de tabagismo são necessárias para recuperação dos mecanismos ciliares. Um inspirômetro de incentivo deve ser utilizado antes e depois da cirurgia.

Para pacientes com uso frequente ou intenso de canabinoides, as diretrizes da American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine recomendam aconselhamento sobre os riscos potenciais (p. ex., aumento de náuseas e vômitos pós-operatórios, infarto do miocárdio) do uso continuado durante o período perioperatório, adiando a cirurgia eletiva em pacientes com estado mental alterado ou capacidade de tomada de decisão prejudicada devido à intoxicação aguda por maconha e retardando a cirurgia não urgente por no mínimo 2 horas após fumar ou ingerir canábis por causa do maior risco de infarto do miocárdio (8).

Pacientes dependentes de drogas ilícitas e álcool podem apresentar abstinência durante o período perioperatório. Os alcoólicos devem receber profilaticamente benzodiazepinas de ação prolongada (p. ex., clordiazepóxido, diazepam, oxazepam), iniciados na admissão. Os pacientes com transtorno por uso de opioides podem receber analgésicos opioides para evitar abstinência, podendo necessitar de doses maiores em relação aos pacientes que não apresentam dependência química. Raramente, pessoas com transtorno por uso de opioides exigem metadona para prevenir a abstinência durante o período perioperatório.

Referências

  1. 1. Fleisher LA, Fleischmann KE, Auerbach AD, et al: 2014 ACC/AHA guideline on perioperative cardiovascular evaluation and management of patients undergoing noncardiac surgery: A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on practice guidelines. J Am Coll Cardiol 64(22):e77-e137, 2014. doi:10.1016/j.jacc.2014.07.944

  2. 2. Douketis JD, Healey JS, Brueckmann M, et al: Perioperative bridging anticoagulation during dabigatran or warfarin interruption among patients who had an elective surgery or procedure. Substudy of the RE-LY trial. Thromb Haemost 113(3):625-632, 2015. doi:10.1160/TH14-04-0305

  3. 3. Schulman S, Carrier M, Lee AY, et al: Perioperative management of dabigatran: a prospective cohort study. Circulation 132(3):167-173, 2015. doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.115.015688

  4. 4. Pollack CV Jr, Reilly PA, van Ryn J, et al: Idarucizumab for dabigatran reversal - full cohort analysis. N Engl J Med 377(5):431-441, 2017. doi:10.1056/NEJMoa1707278

  5. 5. Keeling D, Baglin T, Tait C, et al: Guidelines on oral anticoagulation with warfarin - fourth edition. Br J Haematol 154(3):311-324, 2011. doi:10.1111/j.1365-2141.2011.08753.x

  6. 6. Kuo HC, Liu FL, Chen JT, et al: Thromboembolic and bleeding risk of periprocedural bridging anticoagulation: A systematic review and meta-analysis. Clin Cardiol 43(5):441-449, 2020. doi:10.1002/clc.23336

  7. 7. Douketis JD, Spyropoulos AC, Kaatz S, et al: Perioperative bridging anticoagulation in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med 373(9):823-833, 2015. doi:10.1056/NEJMoa1501035

  8. 8. Goel A, McGuinness B, Jivraj NK, et al: Cannabis use disorder and perioperative outcomes in major elective surgeries: a retrospective cohort analysis. Anesthesiology 132(4):625-635, 2020. doi:10.1097/ALN.0000000000003067

Preparação no dia da cirurgia

O Surgical Care Improvement Project (SCIP) nos Estados Unidos é um projeto que implementa medidas para reduzir a morbidade e mortalidade perioperatórias. As diretrizes SCIP foram adotadas e publicadas no Specifications Manual for Joint Commission National Quality Core Measures (manual de especificações).

As recomendações gerais do SCIP são:

  • Assegurar controle glicêmico pós-operatório às 6h em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca.

  • Utilizar tesouras ou métodos depilatórios, não uma lâmina, para remover os pelos do local cirúrgico imediatamente antes da cirurgia.

  • Remover as sondas vesicais nos 2 primeiros dias do pós-operatório, exceto quando exigido por quadros clínicos específicos.

  • Padronizar as escolhas de antibióticos com base no tipo de cirurgia e nos fatores do paciente (ver Specifications Manual: Prophylactic Antibiotic Regimen Selection For Surgery e também ver tabela Cobertura antibiótica para certos procedimentos cirúrgicos).

Ingestão oral e preparação do intestino

As recomendações da American Society of Anesthesiologists (ASA) sobre ingestão oral são as seguintes (1):

  • 8 horas no pré-operatório: interromper a ingestão de carnes, frituras ou alimentos gordurosos

  • 6 horas: limitar a ingestão a uma refeição leve (p. ex., torradas e um líquido claro), então apenas líquidos claros são permitidos

  • 2 horas: interromper toda a ingestão oral, incluindo alimentos, líquidos e medicamentos

Para certos procedimentos gastrointestinais, deve-se iniciar enemas de limpeza ou preparações intestinais com antibióticos orais 1 a 2 dias antes da cirurgia.

Lista de verificação de procedimentos

Nos Estados Unidos, foi desenvolvido o Joint Commission Universal Protocol que fornece orientações para o ambiente cirúrgico pré-procedimento, com o objetivo de prevenir erros cirúrgicos envolvendo o paciente, o procedimento ou a parte do corpo errados. Parte do protocolo é manter um intervalo de pré-procedimento durante o qual a equipe confirma vários fatores importantes:

  • Identidade do paciente

  • Verificação do procedimento correto, local e lado a ser operado

  • Disponibilidade de todo equipamento necessário

  • Verificação da administração da profilaxia indicada (p. ex., antibióticos, anticoagulantes, betabloqueadores)

Referências sobre a preparação no dia da cirurgia

  1. 1. Practice Guidelines for Preoperative Fasting and the Use of Pharmacologic Agents to Reduce the Risk of Pulmonary Aspiration: Application to Healthy Patients Undergoing Elective Procedures: An Updated Report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Preoperative Fasting and the Use of Pharmacologic Agents to Reduce the Risk of Pulmonary Aspiration. Anesthesiology. 2017;126(3):376-393. doi:10.1097/ALN.0000000000001452

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