Farmacocinética em crianças

PorBridgette L. Jones, MD, MS, University of Missouri, Kansas City, School of Medicine, Children's Mercy, Kansas City, MO
Revisado/Corrigido: dez. 2022
Visão Educação para o paciente

A farmacocinética refere-se aos processos de absorção, distribuição, metabolismo e eliminação dos fármacos. Há variações importantes relacionadas à idade na farmacocinética.

Absorção

A absorção no trato gastrointestinal é afetada por

  • Secreção ácida do estômago

  • Formação de sais biliares

  • Tempo de esvaziamento gástrico

  • Motilidade intestinal

  • Extensão e superfície de absorção efetiva intestinal

  • Flora microbiana

  • Doença

Todos esses fatores variam de acordo com a idade (1).

Secreção reduzida do ácido gástrico aumenta a biodisponibilidade dos fármacos ácido-lábeis (p. ex., penicilina) e diminui a bioutilização de fármacos de diminuída acidez (p. ex., fenobarbital).

A formação reduzida de sais biliares diminui a biodisponibilidade de fármacos lipofílicos (p. ex., diazepam).

Esvaziamento gástrico reduzido e motilidade intestinal aumentam o tempo necessário para alcançar concentrações terapêuticas quando fármacos enterais são administrados a crianças < 3 meses. Drogas que metabolizam as enzimas presentes no intestino de lactentes são outra causa de absorção reduzida dos fármacos. Lactentes com atresia congênita ou remoção cirúrgica do intestino ou com sonda jejunal para alimentação podem apresentar defeitos de absorção específicos dependendo do comprimento perdido ou anastomosado do intestino e da localização do segmento perdido. Também deve-se considerar como o tipo de alimento consumido pode alterar o esvaziamento gástrico (p. ex., sólido versus líquido).

Alterações na flora intestinal que auxiliam o metabolismo também podem afetar a absorção no intestino.

Fármacos injetados são, geralmente, absorvidas irregularmente devido a

  • Variabilidade de suas características químicas

  • Diferenças de absorção relativas ao local da injeção (IM ou por via subcutânea)

  • Variabilidade da massa muscular entre as crianças

  • Enfermidades (p. ex., comprometimento das condições circulatórias)

  • Variabilidade na profundidade da injeção (muito profunda ou muito superficial)

Nas crianças, as injeções IM são evitadas por causa da dor e da possibilidade de lesão tecidual, mas, quando necessárias, os fármacos hidrossolúveis são melhores porque não precipitam no local da injeção.

A absorção transdérmica pode estar acentuada em recém-nascidos e crianças menores porque a camada córnea é fina e a razão da área de superfície em relação ao peso é muito maior do que nas crianças maiores e nos adultos. Lesões de pele (p. ex., escoriações, eczema, queimaduras) aumentam a absorção em crianças de quaisquer idades.

A administração transretal de fármacos é, geralmente, apropriada somente em emergências, quando a via IV não está disponível (p. ex., uso de diazepam retal para o estado epiléptico). Essa via pode influenciar a absorção por causa da diferença no sistema de drenagem venosa. Lactentes também podem expelir o fármaco antes de a absorção significativa ocorrer.

A absorção de fármacos inaláveis pelos pulmões (p. ex., beta-agonistas para asma, surfactante pulmonar para síndrome do desconforto respiratório) pode variar menos pelos parâmetros fisiológicos e mais pela confiabilidade do dispositivo de aplicação ou técnica do cuidador.

Referência sobre absorção

  1. 1. van den Anker J, Reed MD, Allegaert K, Kearns GL: Developmental changes in pharmacokinetics and pharmacodynamics. J Clin Pharmacol 58 (supplement 10):S10–S25, 2018. doi: 10.1002/jcph.1284

Distribuição

Nas crianças, o volume de distribuição dos fármacos muda com a idade. Essas mudanças relacionadas à idade são decorrentes da composição corpórea (especialmente os espaços extracelulares e de água total do corpo) e proteínas ligantes plasmáticas.

Doses mais altas (por quilo do peso corporal) de fármacos hidrossolúveis são necessárias em crianças menores porque uma porcentagem maior do peso corporal é água (ver figura Alterações na composição corporal com o crescimento e a idade). Em contrapartida, à medida que a criança cresce, são necessárias doses menores para evitar toxicidade por causa do declínio per-centual em água comparado ao peso corpóreo. Além disso, crianças obesas demonstraram ter percentuais significativamente mais elevados de água corporal total, volume corporal, massa corporal magra e massa gorda em comparação com crianças sem obesidade (1).

Alterações na composição corporal com o crescimento e a idade

Adapted from Puig M: Body composition and growth. In Nutrition in Pediatrics, ed. 2, editado por WA Walker and JB Watkins. Hamilton, Ontario, BC Decker, 1996.

Muitos fármacos se ligam a proteínas, primeiramente albumina, alfa-1-glicoproteína ácida e lipoproteínas; a ligação a proteínas limita a distribuição de fármacos livres pelo corpo. As concentrações de albumina e proteínas totais são menores nos recém-nascidos, mas se aproximam dos níveis adultos por volta dos 10 a 12 meses. No recém-nascido, a diminuição da ligação a proteínas deve-se também a diferenças qualitativas na ligação proteica e à competitividade ligadora por moléculas, como bilirrubinas e ácidos graxos livres, que circulam em concentrações mais elevadas nos recém-nascidos e lactentes. O resultado líquido pode ser o aumento de concentrações de fármacos livres, maior eficácia nos receptores e efeitos farmacológicos e maior frequência de reações colaterais em concentrações mais baixas dos fármacos.

Referência sobre distribuição

  1. 1. Vaughns JD, Conklin LS, Long Y, et al: Obesity and pediatric drug development. J Clin Pharmacol 58(5):650–661, 2018. doi: 10.1002/jcph.1054

Metabolismo e eliminação

O metabolismo e a eliminação dos fármacos variam com a idade e dependem do substrato ou do fármaco, mas a maioria delas, e mais notadamente fenitoína, barbituratos, analgésicos e glicosídios cardía-cos, tem no plasma uma vida-média 2 a 3 vezes maior no recém-nascido do que no adulto.

No fígado e no intestino delgado, o sistema enzimático citocromo P-450 (CYP450) é o sistema conhecido mais importante para o metabolismo de fármacos. As enzimas CYP450 inativam os fármacos via

  • Oxidação, redução e hidrólise (fase I do metabolismo)

  • Hidroxilação e conjugação (fase II do metabolismo)

A atividade do metabolismo de fase I é menor nos recém-nascidos, aumenta progressivamente durante os primeiros 6 meses de vida, excede as taxas para adultos ao longo dos primeiros anos para alguns fármacos, desacelera na adolescência e, geralmente, alcança as taxas para adultos no final da puberdade. Entretanto, 2 a 4 semanas após o nascimento as taxas do metabolismo dos adultos podem ser alcançadas para alguns fármacos (p. ex., barbituratos, fenitoína). A atividade do CYP450 também pode ser induzida (reduzindo a concentração e o efeito do fármaco) ou inibida (aumentando a concentração e o efeito) por fármacos coadministrados. Essas interações entre os fármacos podem causar toxicidade quando a atividade CYP450 é inibida ou nível inadequado do fármaco quando a atividade CYP450 é induzida. A dieta também pode afetar o desenvolvimento da atividade das enzimas CYP450 em crianças (1). Nos recém-nascidos, rins, pulmões e pele também exercem um papel no metabolismo de certos fármacos, como fazem as enzimas intestinais que metabolizam fármacos.

A fase II do metabolismo varia consideravelmente conforme o substrato. Há retardo na maturação de enzimas responsáveis pela conjugação de bilirrubina e paracetamol; as enzimas responsáveis pela conjugação da morfina estão totalmente maduras, mesmo nos recém-nascidos pré-termos.

Os metabólitos dos fármacos são eliminados primeiramente pela bile e pelos rins. A eliminação renal depende de

  • Proteína ligadora plasmática

  • Fluxo sanguíneo renal

  • Taxa de filtração glomerular

  • Secreção tubular

Todos esses fatores estão alterados nos primeiros 2 anos de vida. O fluxo plasmático renal está baixo ao nascimento (12 mL/min) e alcança níveis adultos de 140 mL/minuto por volta do 1º ano. Da mesma maneira, a taxa de filtração glomerular é de 2 a 4 mL/minuto ao nascimento, aumenta para 8 até 20 mL/minuto por 2 a 3 dias e alcança níveis do adulto de 120 mL/minuto dos 3 a 5 meses.

Referência sobre metabolismo e eliminação

  1. 1. Blake JB, Abdel-Rahman SM, Pearce RE, et al: Effect of diet on the development of drug metabolism by cytochrome P-450 enzymes in healthy infants. Pediatr Res 60(6):717–723, 2006. doi: 10.1203/01.pdr.0000245909.74166.00

Dosagens dos fármacos

Por causa dos fatores mencionados, as doses dos fármacos em crianças < 12 anos são frequentemente dependentes da idade, do peso corporal ou de ambos. Essa consideração é prática, mas não é a ideal. Mesmo dentro de uma população com idades e pesos semelhantes, as necessidades podem ser diferentes por causa dos fatores de maturação na absorção, no metabolismo e na eliminação. Portanto, na prática, os ajustes das doses deveriam basear-se na concentração do fármaco no plasma (mas a concentração de fármacos no plasma pode não refletir a concentração de fármacos no órgão alvo). Infelizmente, isso não é praticável para a maioria dos fármacos. Entretanto, nos Estados Unidos, por causa do Best Pharmaceuticals for Children Act de 2001 e do Pediatric Research Equity Act de 2003 [ambos tornadas permanentes em 2012 (1)], uma posologia pediátrica mais completa, informações farmacocinéticas e de segurança estão disponíveis para mais de 900 fármacos para uso em crianças [ver também 2020 status report da U.S. Food and Drug Administration (FDA)].

A modelagem farmacocinética baseada na fisiologia é uma técnica matemática que utiliza princípios conhecidos da bioquímica e da fisiologia para predizer como um fármaco será absorvido, distribuído, metabolizado e excretado. Os resultados dessa modelagem podem ajudar a corroborar as decisões sobre se, quando e como conduzir um ensaio clínico e podem ajudar a melhorar a segurança e a eficiência dos ensaios clínicos pediátricos.

Referência sobre dosagem de fármacos

  1. 1. Bourgeois FT, Kesselheim AS: Promoting pediatric drug research and labeling—Outcomes of legislation. N Engl J Med 381(9):875–881, 2019. doi: 10.1056/NEJMhle1901265

Informações adicionais

O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.

  1. U.S. Food and Drug Administration (FDA): Best Pharmaceuticals for Children Act and Pediatric Research Equity Act status report (2020)

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