Diagnosticam-se as convulsões febris em crianças com 6 meses a 5 anos que têm febre > 38° C que não é causada por infecção do sistema nervoso central e que não tiveram convulsões afebris prévias. O diagnóstico é clínico após exclusão de outras causas. O tratamento das convulsões que duram < 5 minutos é de suporte. Convulsões que duram ≥ 5 minutos são tratadas com lorazepam IV diazepam retal ou midazolam intranasal e, se persistentes, fosfenitoína, fenobarbital, valproato ou levetiracetam IV. A manutenção do tratamento medicamentoso não costuma ser recomendada.
(Ver também Transtornos convulsivos neonatais.)
Convulsões febris ocorrem em cerca de 2 a 5% das crianças com 6 meses a 5 anos de idade, e a maioria ocorre entre 12 e 18 meses de idade. Convulsões febris podem ser simples ou complexas:
As convulsões febris simples duram < 15 minutos, não têm características focais e não recorrem em um período de 24 horas.
Convulsões febris complexas que duram ≥ 15 minutos, continuamente ou com pausas, têm características focais; ou início focal; ou voltam a ocorrer em 24 horas.
A maioria (> 90%) das convulsões febris é simples.
As convulsões febris ocorrem durante infecções bacterianas ou virais do não do sistema nervoso central. Às vezes, também ocorrem após aplicação de certas vacinas como sarampo, caxumba e rubeola.
Fatores familiares e genéticos parecem aumentar a suscetibilidade às convulsões febris. Gêmeos monozigotos têm maior frequência de coexistência do processo do que os dizigotos. Diversos genes associados com convulsões febris foram identificados.
O atraso no desenvolvimento aumenta o risco de epilepsia após convulsão febril (1).
Referência
1. Nelson KB, Ellenberg JH: Predictors of epilepsy in children who have experienced febrile seizures. N Engl J Med 295(19):1029–1033, 1976. doi: 10.1056/NEJM197611042951901
Sinais e sintomas das convulsões febris
Em geral, as convulsões febris ocorrem no início da rápida elevação da temperatura e a maior parte nas 24 horas do começo da febre. As convulsões são tipicamente generalizadas, a maioria clônica, mas algumas se manifestam como períodos de posição tônica ou de atonia.
Um período pós-ictal de alguns minutos é comum, mas pode durar até algumas horas. Se o período pós-ictal é mais de uma hora ou se as crianças têm características focais (p. ex., movimento diminuído em um dos lados) durante esse período, é importante avaliar imediatamente à procura de doença do sistema nervoso central aguda subjacente.
Estado epiléptico febril é convulsões contínuas ou intermitentes que duram ≥ 30 minutos. Quando o estado epiléptico se manifesta como convulsões intermitentes, as crises ocorrem sem recuperação neurológica entre elas. Crianças em estado epiléptico febril têm risco de dano encefálico (1).
Referência sobre sinais e sintomas
1. Hesdorffer DC, Shlomo S, Lax DN, et al: Risk factors for subsequent febrile seizures in the FEBSTAT study. Epilepsia 57(7):1042–1047, 2016. doi: 10.1111/epi.13418
Diagnóstico das convulsões febris
Exclusão de outras causas clinicamente ou, às vezes, por meio de testes
(Ver também the American Academy of Pediatrics Subcommittee on Febrile Seizures' guidelines for the neurodiagnostic evaluation of the child with a simple febrile seizure [2011].)
As convulsões são diagnosticadas como febris após exclusão de outras causas. A febre também pode desencadear convulsões em crianças que apresentavam convulsões afebris anteriormente, não podendo nesses casos ser chamada de “convulsão febril”, porque essas crianças já tinham uma tendência subjacente a ter convulsões.
Exames de rotina não são necessários para convulsões febris simples, exceto para procurar a origem da febre; contudo, se as crianças têm convulsões febris complexas, deficits neurológicos ou sinais de uma doença grave subjacente (p. ex., meningite, doenças metabólicas), deve-se fazer exames.
Testes para excluir outras disfunções são determinados clinicamente:
Realiza-se a análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) para descartar meningite e encefalite em lactentes mais jovens, naqueles com sinais meníngeos ou sinais de depressão do SNC ou naqueles que têm convulsões após vários dias de doença febril. Também deve-se considerar a análise do LCR se as crianças não estão totalmente imunizadas ou estão tomando antibióticos.
Realizam-se testes de função hepática e renal e dos níveis séricos de glicose, sódio, cálcio, magnésio e potássio para descartar distúrbios metabólicos, especialmente se a história incluir vômitos, diarreia recente ou ingestão hídrica prejudicada; se há sinais de desidratação ou edema; ou se ocorrem convulsões febris complexas.
Realiza-se RM do encéfalo se o exame neurológico detectar anormalidades focais ou se as características focais ocorrerem durante a convulsão ou período pós-ictal, ou se a depressão pós-ictal sensorial é prolongada.
Eletroencefalografia (EEG) se convulsões febris têm características focais ou são recorrentes.
Avaliação diagnóstica com base no distúrbio subjacente se as crianças têm deficiência de desenvolvimento ou neurológica já identificada (normalmente, o termo convulsão febril não é utilizado nesses casos).
EEG tipicamente não identifica anormalidades específicas nem ajuda a prever convulsões recorrentes e não é recomendado após uma convulsão febril simples inicial em crianças com exame neurológico normal.
Tratamento das convulsões febris
Terapia antipirética
O tratamento é de suporte se as convulsões durarem < 5 minutos
Anticonvulsantes e algumas vezes entubação se as conulsões durarem ≥ 5 minutos
Todas as crianças requerem terapia antipirética porque diminuir a temperatura pode ajudar a evitar outra convulsão febril durante a doença imediata e torna mais fácil interromper o estado epiléptico febril. Contudo, não foi demonstrado que administrar um antipirético no início da doença febril previne uma convulsão febril.
O tratamento das convulsões febris é de suporte se durarem < 5 minutos.
Se as convulsões durarem ≥ 5 minutos, medicamentos podem ser necessários para cessá-las, com cuidados de monitoramento das condições circulatórias e respiratórias. Se a resposta à medicação não é imediata, a convulsão persiste ou se o tratamento anticonvulsivante resulta em apneia, poderá ser necessária entubação.
A terapia medicamentosa é geralmente IV com benzodiazepina de ação rápida (p. ex., lorazepam 0,05 a 0,1 mg/kg IV durante 2 a 5 minutos, repetido a cada 5 a 10 minutos até 3 doses). Fosfenitoína, na dose de 15 a 20 mg PE (equivalente em fenitoína)/kg, IV deve ser administrada durante 15 a 30 minutos se a convulsão persistir.
Se o acesso IV não estiver disponível ou a criança estiver em um ambiente pré-hospitalar e tiver mais de 2 anos, pode-se administrar diazepam retal em gel ou midazolam intranasal.
Para tratar uma convulsão persistente, podem tam-bém ser administrados fenobarbital, valproato ou levetiracetam.
Alguns médicos prescrevem diazepam para crianças com convulsões febris recorrentes (ver Prevenção de convulsões febris) para administração pelos pais em casa no caso de uma convulsão febril prolongada.
(Ver também as novas diretrizes para o diagnóstico e tratamento de convulsões febris no Japão [2017].)
Prognóstico para convulsões febris
Recorrência e epilepsia subsequente
Em geral, a frequência da recorrência das convulsões febris é de aproximadamente 35%. O risco de recorrência é mais elevado se as crianças têm < 1 ano de idade na ocasião da primeira crise ou tiverem familiares de primeiro grau que apresentam convulsões febris.
O risco de desenvolver transtorno convulsivo afebril após ter ≥ 1 convulsão febril simples é de cerca de 2 a 5% — ligeiramente maior do que o risco inicial de desenvolver epilepsia (geralmente, cerca de 2% em crianças). Boa parte do maior risco ocorre em crianças com fatores de risco adicionais (p. ex., convulsões febris complexas, história familiar de convulsões, retardo de desenvolvimento); nessas crianças, o risco aumenta para até 10% (1). Não está claro se a convulsão febril por si só pode reduzir permanentemente o limiar convulsivo ou se alguns fatores subjacentes predispõem as crianças tanto a convulsões febris como não febris.
Sequelas neurológicas
Não se considera que as convulsões febris simples por si só causem anormalidades neurológicas. Entretanto, em algumas crianças, convulsão febril pode ser a primeira manifestação de um transtorno convulsivo subjacente ou distúrbio neurológico não reconhecido. Pode-se identificar os sinais da doença retrospectivamente ou eles podem não aparecer até mais tarde. Nos dois casos, não se considera que a convulsão febril seja causal.
Estado epiléptico febril pode estar associado a danos nas partes mais vulneráveis do encéfalo, como o hipocampo.
Referência sobre prognóstico
1. Nelson KB, Ellenberg JH: Predictors of epilepsy in children who have experienced febrile seizures. N Engl J Med 295(19):1029–1033, 1976. doi: 10.1056/NEJM197611042951901
Prevenção de convulsões febris
Deve-se aconselhar os pais de uma criança que teve convulsão febril a monitorar atentamente a temperatura da criança durante a doença e administrar antipiréticos se a temperatura está alta (embora estudos controlados não tenham demonstrado que esse tratamento previna a recorrência das convulsões febris).
Terapia de manutenção com anticonvulsivos para prevenir convulsões febris recorrentes ou o aparecimento de convulsões afebris, geralmente não é indicada. Entretanto, deve-se considerar o uso de medicamentos anticonvulsivantes (1) em caso de crianças com
Convulsões febris complexas e déficits neurológicos
História familiar forte de epilepsia e convulsões febris simples ou complexas recorrentes
Estado epiléptico febril
Convulsões febris que ocorrem pelo menos uma vez por trimestre
Referência sobre prevenção
1. Piña-Garza J, James K: Paroxysmal Disorders: Febrile seizures. In Fenichel's Clinical Pediatric Neurology: A Signs and Symptoms Approach, ed. 8. Philadelphia, Elsevier, 2019, p. 18.
Pontos-chave
Convulsões febris são aquelas que ocorrem em uma criança neurologicamente normal com 6 meses a 5 anos de idade e temperatura > 38° C e sem nenhuma convulsão afebril anterior e que não têm nenhuma causa identificável.
As convulsões febris simples duram < 15 minutos, não têm características focais e não recorrem em um período de 24 horas.
Convulsões febris complexas duram ≥ 15 minutos continuamente ou com pausas, têm características focais ou voltam a ocorrer em 24 horas.
Exames não são necessários rotineiramente para convulsões febris simples, mas, se as crianças têm convulsões complexas, deficits neurológicos ou sinais de doença grave subjacente (p. ex., meningite, distúrbios metabólicos), os testes devem ser feitos.
Convulsões que duram ≥ 5 minutos exigem tratamento medicamentoso (p. ex., lorazepam 0,05 a 0,1 mg/kg IV em 2 a 5 minutos, repetido a cada 5 a 10 minutos até 3 doses).
O risco de desenvolver doença convulsiva afebril depois de um episódio de convulsão febril simples é cerca de 2 a 5%.
Não foi demonstrado que administrar um antipirético no início da doença febril evita uma convulsão febril.
Informações adicionais
Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.
American Academy of Pediatrics Subcommittee on Febrile Seizures: Guidelines for the neurodiagnostic evaluation of the child with a simple febrile seizure (2011)
Japanese Society of Child Neurology: New guidelines for the management of febrile seizures in Japan (2017)