Embora crianças < 10 anos de idade tenham a menor taxa de lesões da coluna, essas lesões não são raras. A maioria das lesões na coluna vertebral nas crianças ocorre no pescoço.
Em crianças < 8 anos, lesões na coluna cervical ocorrem mais comumente acima de C4 e são mais comumente causadas por acidentes de trânsito, quedas e abuso infantil. Em crianças > 8 anos, lesões em C5 a C8 são mais comuns e decorrentes de acidentes de trânsito e lesões esportivas, particularmente ginástica, mergulho, equitação, futebol americano e luta livre. Comparados aos adultos, as crianças têm características anatômicas distintas (p. ex., maior proporção entre a cabeça e o corpo, elasticidade das cápsulas dos ligamentos da coluna vertebral) que as predispõem à hipermobilidade da coluna vertebral sem lesão óssea aparente.
Crianças com lesão medular podem ter sintomas transitórios como parestesia e fraqueza. As crianças também podem apresentar dor lancinante na coluna ou nos membros. Em cerca de 25% das crianças afetadas, o início dos sinais neurológicos (como deficits neurológicos parciais, paralisia completa) é tardio, 30 minutos a 4 dias após a lesão, o que dificulta o diagnóstico imediato.
Lesão medular sem evidências de anormalidade radiológica (LMSEAR) está relacionada à tração medular direta, compressão da medula espinal, concussão da medula espinal e lesão vascular. Esse tipo de lesão ocorre quase exclusivamente em crianças, geralmente na coluna cervical. Na lesão medular sem evidências de anormalidade radiológica, o paciente tem achados neurológicos sugestivos de lesão medular (p. ex., parestesias, fraqueza), mas alinhamento anatômico normal e sem alterações ósseas nos exames de imagem (radiografias simples, TC e/ou RM).
Crianças imobilizadas por LMESAR ou outras lesões medulares têm risco de complicações por causa da imobilidade, como úlceras de decúbito, tromboembolia, atelectasia, pneumonia, disrreflexia autonômica hipertensiva e complicações decorrentes de bexiga neurogênica, inclusive infecção urinária do trato inferior ou superior (secundária a catéter de demora), cálculos ureterais, refluxo vesicouretral e, essencialmente, doença renal crônica.
(Ver também Trauma espinhal.)
Diagnóstico de lesão medular em crianças
Radiografias [incidências: em decúbito lateral (cross-table), lateral, anteroposterior e odontoide pela boca aberta]
Em geral, indicação é TC, particularmente para lesão óssea ou ligamentar
RM para confirmar o local de lesão e o nível medular
Deve-se suspeitar de lesão na medula espinal em qualquer criança que tenha sofrido acidente de trânsito, caiu de altura ≥ 3 m ou tenha tido lesão por submersão.
Suspeita-se de lesão medular sem evidência de anormalidade radiológica (LM SEAR) em crianças que apresentam sintomas transitórios de disfunção neurológica ou dores lancinantes na parte inferior da coluna ou membros e um mecanismo de lesão compatível com lesão medular. LMESAR é um fenômeno comum descrito inicialmente na década de 1980, quando não havia scanners de RM capazes de detectar as anormalidades radiológicas etiológicas. O termo LMESAR é menos utilizado atualmente porque os scanners de RM estão mais prontamente disponíveis em hospitais norte-americanos e podem identificar as anormalidades radiológicas causadoras.
Dependendo da disponibilidade de recursos de imagem local, os primeiros exames de imagem costumam ser radiografias, incluindo as incidências em decúbito lateral (cross-table), anteroposterior e com a boca aberta para processo odontoide. Se houver suspeita de fratura, deslocamento ou subluxação com base em resultados radiográficos ou em um mecanismo de risco muito alto de lesão, costuma-se fazer a TC. RM costuma ser feita em caso de:
Suspeita-se de lesão medular com base em radiografias ou TC
Lesão medular sugerida por deficits neurológicos ao exame
Lesão medular sugerida por história de deficits neurológicos, até mesmo transitórios
Tratamento de lesão medular em crianças
Imobilização
Manutenção de oxigenação e perfusão da medula espinal
Cuidados de suporte
Estabilização cirúrgica quando apropriado
Cuidado sintomático a longo prazo e reabilitação
Crianças com lesão espinhal devem ser transferidas para um centro de trauma pediátrico.
A terapia aguda é semelhante ao tratamento em adultos, com imobilização e atenção à adequação da oxigenação, ventilação e circulação. A estabilização cirúrgica em crianças não é tão frequentemente indicada como em adultos com lesão medular; como os ligamentos espinais tendem a ser mais frouxos na lesão medular sem evidência de anormalidade radiológica (LM SEAR) e na ausência de fraturas ósseas e avulsão ligamentar completa, pode não haver estrutura alvo adequada para a estabilização. Outra vantagem da órtese é a preservação da mobilidade da coluna, evitando a cirurgia de fusão; a cirurgia de fusão aumenta o risco de espondilose em longo prazo.
Historicamente, altas doses de corticoides tem sido utilizada em vários cronogramas e esquemas de dosagem, mas vários ensaios clínicos com adultos não conseguiram demonstrar nenhum benefício clínico adicional, mas mostraram maior risco de infecção da ferida, embolia pulmonar, sepse e morte. Assim, para crianças com lesão medular, os centros nos Estados Unidos tendem a evitar o uso de longo prazo de corticoides, embora alguns médicos usem ciclos curtos de altas doses de esteroides apenas no ambiente perioperatório.
Os tratamentos prolongados da LMESAR pediátrica são semelhantes aos tratamentos da lesão medular em adultos, direcionados à reabilitação física intensiva dos membros comprometidos neurologicamente e suporte clínico para as várias complicações clínicas comuns que ocorrem na imobilização ou fraqueza prolongada. A reabilitação é multidisciplinar com a participação de fisioterapeutas para o treinamento da marcha e fortalecimento dos membros inferiores, terapeutas ocupacionais para as lesões da medula cervical que comprometem a função motora dos membros superiores que podem resultar em contraturas, e até fonoaudiólogos para ajudar nas dificuldades de deglutição e limpeza das secreções que ocorrerm nas lesões cervicais altas. Pacientes com lesão medular grave que não deambulam precisam de consultas e atendimento médico regulares por causa do alto risco de desenvolver complicações resultantes da imobilidade.
O prognóstico está diretamente relacionado com a função neurológica inicial após a lesão. As crianças obtêm melhores resultados neurológicos do que os adultos com lesão medular (1, 2).
Referências sobre o tratamento
1. Pang D, Pollack IF: Spinal cord injury without radiographic abnormality in children—the SCIWORA syndrome. J Trauma 29:654–664, 1989. doi: 10.1097/00005373-198905000-00021
2. Wang MY, Hoh DJ, Leary SP, et al: High rates of neurological improvement following severe traumatic pediatric spinal cord injury. Spine 29:1493–1497, 2004. doi: 10.1097/01.BRS.0000129026.03194.0
Pontos-chave
A maioria das lesões na coluna vertebral em crianças envolve o pescoço.
Os sinais e sintomas neurológicos podem aparecer 30 minutos a 4 dias após a lesão em cerca de 25% das crianças afetadas.
Crianças podem ter lesão medular sem evidência de anormalidade radiológica (LMSEAR).
Deve-se suspeitar de LMESAR mesmo em caso de sintomas transitórios de disfunção neurológica ou dores lancinantes na região inferior da coluna ou membros.
Fazer RM em todos os pacientes que tiveram sintomas neurológicos, deficits neurológicos ao exame ou lesão medular detectada em outros exames de imagem.
Indica-se com menos frequência a estabilização cirúrgica em crianças do que em adultos com lesão medular.