Como limpar, irrigar, desbridar e fazer curativos em feridas

PorMatthew J. Streitz, MD, San Antonio Uniformed Services Health Education Consortium
Revisado/Corrigido: out. 2023
Visão Educação para o paciente

A higiene da ferida (p. ex., limpeza, irrigação e desbridamento), incluindo exame minucioso da ferida e dos tecidos circundantes, promove a cicatrização sem complicações de feridas cutâneas traumáticas e é necessária antes do fechamento da ferida.

A cicatrização de feridas é prejudicada por vários fatores (p. ex., contaminação bacteriana, corpos estranhos, isquemia da ferida, fatores relacionados com o hospedeiro). Presume-se que todas as feridas traumáticas estão contaminadas. O objetivo da higiene das feridas é reduzir a carga de contaminantes sem causar danos adicionais aos tecidos ou introduzir mais contaminantes.

O diagnóstico e o tratamento de corpos estranhos em feridas são uma parte crucial da higiene de feridas. Às vezes, corpos estranhos identificados ou suspeitos estão profundamente entranhados, exigindo encaminhamento a um especialista em cirurgia.

Tabela
Tabela

(Ver também Lacerações.)

Indicações para o tratamento de feridas

  • Feridas cutâneas traumáticas

Contraindicações ao tratamento de feridas

Contraindicações absolutas

  • Nenhum

Contraindicações relativas

  • Feridas em área de pele altamente vascularizada (p. ex., couro cabeludo e face) podem não necessitar de irrigação.

  • Deve-se avaliar cuidadosamente feridas profundas ou aquelas com cavidades ou fístulas* antes da irrigação para evitar a disseminação mais profunda de bactérias ou corpo estranho.

  • Ferimentos por perfuração devem ser irrigados e debridados na superfície, particularmente se secundárias a mordidas de gato, dada a sua alta probabilidade de infecção. Contudo, a importância da sondagem, irrigação e amostragem profundas não é clara.

  • Feridas que sangram ativamente não devem ser irrigadas, porque a irrigação pode interromper a formação de coágulos; hemostasia deve preceder a irrigação.

  • Feridas envolvendo estruturas profundas (p. ex., nervos, vasos sanguíneos, dutos, articulações, tendões, ossos) e aquelas que abrangem grandes áreas requerem técnicas de reparo específicas que podem exigir encaminhamento a um especialista em cirurgia. Lacerações ou lesões nas mãos, especialmente injeções de alta pressão ou aquelas que requerem procedimentos de reparo microscópico, precisam de avaliação cirúrgica. Lacerações faciais, feridas profundas ou complexas ou envolvendo as pálpebras também exigem consulta ou avaliação de um especialista.

* Deve-se realizar exames imagens (p. ex., radiografias e ultrassonografia) de ferimentos profundos, perfurações e outros ferimentos que potencialmente envolvem uma fratura ou podem conter corpos estranhos (p. ex., dentes, vidro ou estilhaços). TC bem como RM podem ajudar a localizar corpos estranhos, particularmente quando sua localização em relação às estruturas subjacentes é importante.

Complicações do tratamento de feridas

  • Infecção, cujo risco aumenta por limpeza ou desbridamento insuficiente, retenção de corpo estranho (especialmente lascas de madeira ou outro material orgânico) ou desbridamento excessivamente agressivo de tecido viável

  • Lesão tecidual adicional ou inoculação mais profunda de bactérias e corpo estranho devido à higiene excessivamente agressiva da ferida

Equipamento para tratamento de feridas

As técnicas de higiene e fechamento de feridas não precisam ser procedimentos estéreis. Embora os instrumentos que tocam a ferida (p. ex., pinça, agulhas, sutura) devam ser estéreis, pode-se utilizar luvas limpas não estéreis e também água limpa e não estéril em pacientes imunocompetentes. Alguns profissionais preferem o melhor ajuste e a melhor proteção por barreira das luvas estéreis.

Procedimento de limpeza, proteção de contato

  • Máscara facial e óculos de segurança (ou protetor facial), gorro, avental, luvas (estéreis, se preferível, mas estes são procedimentos não estéreis)

  • Campos estéreis, toalhas (para desbridamento e sutura de feridas)

Limpeza, inspeção, desbridamento de feridas (nem todos os itens são necessários para reparos simples)

  • Luz de procedimento aérea

  • Solução antisséptica (p. ex., clorexidina, iodopovidona)

  • Quadrados de gaze estéril (p. ex., 10 cm × 10 cm)

  • Torniquete pneumático (ou manguito de pressão arterial), agente hemostático comercial, conforme necessário, para auxiliar na hemostasia

  • Anestésico local (p. ex., lidocaína a 1% com adrenalina 1:100.000, agulha de calibre 25): não utilizar adrenalina em extremidades afetadas por doença vascular periférica, nos dedos, no pênis, na ponta do nariz ou em locais distais quando o torniquete de compressão também é utilizado. Anestésicos locais são discutidos em Lacerações.

  • Para certos pacientes (p. ex., crianças), anestésico tópico (p. ex., emulsões comerciais de lidocaína a 2,5% mais prilocaína a 2,5%)

  • Soro fisiológico estéril para irrigação (água estéril ou água potável limpa são substitutos permitidos)

  • Seringas de 35 mL e/ou 60 mL

  • Protetor para irrigação (fixado na seringa para bloquear respingos)

  • Catéter plástico (p. ex., catéter padrão de calibre 18 ou 19) ou dispositivo de proteção contra respingos disponível comercialmente

  • Bacia

  • Esponja de poros finos (p. ex., 90 poros por polegada)

  • Pinça de tecido (p. ex., pinça de Adson), gancho tecidual, sonda, hemostato, pinça com ponta fina e tesoura de sutura (ponta romba simples, borda pontiaguda dupla)

  • Bisturi (nº 10 para incisões grandes, nº 15 para incisões precisas, nº 11 para pequenas incisões penetrantes), tesoura íris ou cureta

Curativos para ferida

  • Pomadas antibióticas: pomadas antibióticas tópicas continuam sendo recomendadas para feridas suturadas porque ajudam a manter as bordas da ferida úmidas e evitam a aderência de curativos. Entretanto, não foi comprovado que reduzam infecções ou melhorem a cicatrização.

  • Curativo estéril não aderente, absorvente e/ou oclusivo

  • Rolo de gaze e fita ou luva de gaze

  • Às vezes, talas ou outros materiais para restringir o movimento ou a tensão da pele que pode aderir à ferida

Considerações adicionais para o tratamento de feridas

  • A anestesia adequada é importante porque esses procedimentos podem ser dolorosos e a anestesia inadequada pode resultar em limpeza, inspeção e desbridamento insuficientes. Sempre realizar o exame neurovascular (distalmente à ferida) antes de administrar a anestesia.

  • A própria injeção intradérmica de anestésico é dolorosa. Injeção subcutânea (subdérmica) causa menos dor e é preferível.

  • Deve-se utilizar bloqueios nervosos, sedação e analgesia procedural conforme necessário para feridas em que é difícil aplicar anestesia local (p. ex., feridas muito dolorosas ou grandes) e para pacientes agitados ou não cooperativos. Ferimentos muito grandes ou complicados podem precisar ser reparados no centro cirúrgico sob anestesia geral se a exploração, limpeza, desbridamento e reparo da ferida puderem ser muito dolorosos.

  • Em geral, a remoção de pelos não é recomendada, exceto quando se prevê o fechamento com fitas adesivas. Para remover os pelos, aparar em vez de raspá-los. As sobrancelhas devem permanecer intactas para alcançar o alinhamento preciso das bordas da ferida durante a sutura.

  • O tecido da ferida pode estar vulnerável a lesões adicionais durante a limpeza e o fechamento. Não utilizar força excessiva durante a irrigação e a limpeza. Para evitar comprimir o tecido, nunca segurá-lo com um hemostato.

  • Na ausência de infecção, suspeita-se de corpo estranho retido no caso de dor ou sensação de corpo estranho na ferida (que piora aos movimentos).

  • A suspeita de corpos estranhos pode ser esclarecida utilizando ultrassonografia.

  • Alguns corpos estranhos (p. ex., pequenos fragmentos de vidro ou metal em uma ferida por punção) podem permanecer em uma ferida se a remoção resultar em dano tecidual adicional e prejudicar ainda mais a cicatrização. Deve-se informar os pacientes da possibilidade de um corpo estranho retido e fornecer instruções para o tratamento da ferida, que incluem observar sinais de infecção.

  • Os curativos devem manter as feridas úmidas, mas não em excesso. Em geral, um curativo poroso antiaderente é colocado diretamente sobre a ferida, às vezes seguido de um curativo absorvente suficiente para absorver as secreções da ferida, seguido por um curativo oclusivo. O curativo que entra em contato com a ferida não deve secar e aderir à ferida porque o tecido de granulação frágil seria arrancado do leito de cicatrização da ferida quando o curativo é removido para troca. Um curativo que pode ter aderido à ferida pode ser embebido em água ou solução salina por alguns minutos e então removido com tração suave; isso minimizará a remoção do tecido de granulação com o curativo.

  • Vacinação antitetânica e imunoglobulina podem ser necessárias, dependendo do tipo de ferida e da história de vacinação do paciente (ver tabela Profilaxia antitetânica no tratamento de rotina de ferimentos).

Posicionamento para tratamento de feridas

  • Colocar o paciente confortavelmente reclinado ou em decúbito dorsal. Deixar espaço para que uma bacia seja colocada sob a ferida durante a irrigação.

  • Ajustar a altura da maca de modo a sentir-se à vontade sentado ou em pé à beira do leito.

  • A ferida deve estar bem iluminada, de preferência com luz de procedimento aérea.

Descrição passo a passo do tratamento de feridas

(Ver em Lacerações discussões detalhadas sobre o tratamento e a cicatrização de feridas cutâneas.)

Tarefas preliminares

  • Coloque todos os equipamentos em uma bandeja ao seu alcance.

  • Utilizar luvas e protetor facial ou óculos de proteção e máscara.

  • Inicialmente, lavar as feridas muito contaminadas, p. ex., utilizar água de torneira e sabonete suave para as mãos. Dependendo da localização da ferida, os próprios pacientes podem fazer isso; anestesia local pode ser necessária.

  • Hemostasia: pressão direta no local é a principal técnica. Utilizar pressão com os dedos ou compressas de gaze (podem ser umedecidas com soro fisiológico estéril) para manter a pressão externa sobre a ferida. Se possível, elevar a área e, se necessário, utilizar outros meios (p. ex., manguito de pressão arterial inflável, aplicação breve de torniquete proximal, adrenalina a 1% com lidocaína tópica ou injetável) para obter hemostasia. A elevação e o uso de um torniquete de compressão colocado proximalmente são frequentemente úteis para alcançar a hemostasia de ferimentos nas mãos. Evitar clamplear os vasos sanguíneos para evitar o clampeamento inadvertido de tendões, nervos ou outras estruturas importantes.

  • Avaliação de feridas: documentar a história, localização, tamanho, grau de contaminação, corpos estranhos, lesões associadas da ferida (p. ex., fraturas e rupturas de músculos e tendões) e estado neurovascular distal à ferida. Verificar a amplitude do movimento em todas as articulações apropriadas, especialmente se houver possibilidade de lesão tendínea.

  • Exames de imagem: fazer exames de imagem de todas as feridas que envolvem vidro e naquelas cuja anamnese ou achados clínicos sugerem corpo estranho (p. ex., feridas por perfuração no pé, qualquer perfuração mais profunda que 5 mm ou por mordidas de animais ou humanos). Radiografias simples são sensíveis ao vidro ( 1 mm) e à maioria dos materiais inorgânicos (p. ex., pedras). A maioria dos materiais orgânicos (p. ex., lascas de madeira, plásticos) é radiolucente, mas pode ser detectada por ultrassonografia, TC ou RM.

  • Limpeza da pele: proceder a partir das bordas da ferida para fora, esfregar em círculos concêntricos com solução contendo clorexidina ou iodopovidona seguida de solução alcoólica. Não introduzir um agente de limpeza diretamente à ferida porque muitos são tóxicos aos tecidos e podem interferir na cicatrização da ferida.

Anestesia local por infiltração

  • Segurar a seringa de anestesia local em um ângulo superficial em relação à pele. Inserir a agulha diretamente na camada subdérmica exposta da borda da ferida (isto é, não inserir a agulha por via percutânea) e avançar a agulha até o canhão. Puxar o êmbolo para excluir inserção intravascular. Em seguida, injetar o anestésico, minimizando a pressão da injeção enquanto retira lentamente a agulha.

  • Continuar anestesiando a circunferência da ferida, inserindo a agulha por via subdérmica nas regiões já anestesiadas, avançando a agulha no tecido não anestesiado contíguo e injetando ao retirar a agulha. Repetir em volta de toda a ferida.

Limpeza de feridas

Feridas sujas podem exigir limpeza (como descrito abaixo) antes da irrigação.

Irrigação

  • Irrigar a laceração utilizando soro fisiológico estéril em uma seringa de 35 ou 60 mL (de preferência com um protetor contra respingos acoplado, ou então utilizando um catéter plástico).

  • Utilizar uma sonda ou pinça de tecido para expor o tecido e irrigar toda a profundidade e toda a extensão da ferida.

  • Pressionar o êmbolo para baixo com os polegares das duas mãos para produzir pressão suficiente para remover material particulado e bactérias. O volume de líquido necessário varia de acordo com o tamanho e o grau de contaminação da ferida. Tipicamente, 50 a 100 mL por centímetro do comprimento da ferida são utilizados, mas para feridas relativamente limpas, 30 a 50 mL por centímetro são geralmente adequados.

  • Continuar a irrigação até que a ferida esteja visivelmente limpa. Se a irrigação é ineficaz em remover partículas visíveis, é necessária limpeza (descrita abaixo).

Raspagem

  • Esfregar delicadamente, utilizando uma esponja de poros finos (se disponível) para minimizar a abrasão do tecido.

  • Utilizar uma parte da esponja para primeiro limpar a superfície da pele ao redor da ferida de modo a remover material estranho que possa entrar na ferida.

  • Utilizar a parte restante da esponja para esfregar a superfície interna da ferida. Tomar cuidado ao esfregar porque a esponja pode danificar os tecidos internos e provocar inflamação.

  • Depois da raspagem, irrigar a ferida como descrito acima.

Exploração da ferida

  • Colocar um campo estéril fenestrado sobre a ferida.

  • Examinar a ferida sob boa iluminação e após o controle do sangramento.

  • Utilizar uma sonda ou pinça de tecido a fim de expor o tecido da ferida e explorar toda a profundidade e extensão da ferida para localizar corpos estranhos, material particulado, fragmentos ósseos e lesões nas estruturas subjacentes. Não explorar a ferida com o dedo, porque corpos estranhos pontiagudos podem causar lesões.

  • Utilizar pinça ou bisturi nº 15 para remover objetos visíveis da ferida. Utilizar gaze para remover material particulado.

  • Às vezes, pode ser necessário estender as bordas da ferida ou, ocasionalmente, sua profundidade, para ver de maneira adequada.

  • Após inspecionar e remover o objeto da ferida, irrigá-la.

Desbridamento do ferimento

  • Desbridar todo o tecido desvitalizado e necrótico: estabilizar a borda da ferida com uma pinça e, em seguida, cortar o tecido desvitalizado com um bisturi ou tesoura íris. Fazer os cortes perpendicularmente à superfície da pele, não angulados (para maximizar a aposição dérmica durante o fechamento).

  • A contaminação da borda da ferida que não pode ser removida por irrigação e limpeza (p. ex., graxa e areia em lesões por ferramenta elétrica) deve ser removida por desbridamento.

  • Para desbridar uma fístula ou ferimento perfurante que vai de um lado a outro, umedecer uma gaze e puxá-la delicadamente ao longo do trato na direção oposta à perfuração utilizando uma pinça ou hemostato.

  • Após o desbridamento, irrigar novamente a ferida para remover quaisquer fragmentos remanescentes.

A ferida está agora preparada para fechamento e curativo. (Consultar Lacerações para ver quais feridas podem se beneficiar de um fechamento tardio ou nenhum fechamento.) Para feridas que exigem fechamento, pode-se fazê-lo utilizando suturas interrompidas simples, suturas dérmicas profundas, suturas de colchoeiro horizontais, suturas de colchoeiro verticais, uma sutura subcuticular contínua, cola ou grampeamento, dependendo da natureza da ferida.

Curativos para feridas*

  • Limpar cuidadosamente qualquer agente de limpeza, sangue seco ou fragmentos de pele remanescentes utilizando gaze umedecida.

  • Se a ferida foi fechada com suturas, muitos profissionais aplicam antibióticos tópicos para evitar a aderência das suturas ao curativo.

  • Colocar curativo não aderente na ferida.

  • Se exsudação ou sangramento significativo parece possível, aplicar curativo absorvente estéril sobre o curativo não aderente. Utilizar uma camada espessa se há previsão de drenagem considerável. Acompanhar atentamente as feridas com risco de sangramento intenso.

  • Para feridas em locais sujeitos a uma quantidade significativa de detritos, aplicar curativo oclusivo estéril.

  • Aplicar fita adesiva ou um envoltório circunferencial de gaze para manter o curativo no local. Tomar cuidado para não colocar os envoltórios circunferenciais muito apertados, o que pode levar à compressão excessiva e subsequente isquemia.

* Em geral, não se aplica curativo a algumas feridas (p. ex., lacerações faciais e aquelas em áreas com pelos).

Cuidados posteriores para curativos

  • Instruir o paciente a manter o curativo seco e no local e retornar em 2 dias para verificar a ferida; se há previsão de fechamento tardio, retornar em 3 a 5 dias.

  • Pode-se administrar antibióticos profiláticos orais para prevenir a infecção de feridas sujas (sobretudo contaminadas por substâncias orgânicas), particularmente em pacientes diabéticos e imunocomprometidos.

Alertas e erros comuns no tratamento de feridas

  • O tratamento adequado de feridas deve incluir exame minucioso, independentemente do método de fechamento previsto; um erro comum é fazer exploração superficial e nenhum desbridamento porque foi planejado um fechamento não invasivo que não requer anestesia local.

  • Feridas com possíveis corpos estranhos retidos, penetração articular ou danos às estruturas subjacentes, como tendões, requerem exploração completa da ferida e observação da amplitude de movimento das articulações adjacentes.

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