(Ver também Visão geral da diminuição da eritropoiese.)
Mundialmente, a anemia da doença crônica é a 2ª anemia mais comum. No começo, os eritrócitos são normocíticos e com o tempo se tornam microcíticos. A questão principal é que a eritropoiese é limitada pelo sequestro inadequado de ferro.
Etiologia da anemia da doença crônica
A anemia de doença crônica ocorre como parte de um distúrbio inflamatório crônico, mais frequentemente infecção crônica, uma doença autoimune (especialmente artrite reumatoide), doença renal, insuficiência cardíaca ou câncer; no entanto, o mesmo processo parece começar de forma aguda durante praticamente qualquer infecção ou inflamação, incluindo trauma e doença crítica ou pós-cirurgicamente (1). (Ver também Anemia da doença renal.)
Três mecanismos fisiopatológicos podem ser identificados:
Uma sobrevida ligeiramente reduzida dos eritrócitos, supostamente devido ao aumento da hemofagocitose pelos macrófagos, ocorre em pacientes com doenças inflamatórias em quadros agudos.
A eritropoese é insuficiente em decorrência da diminuição tanto da produção da EPO quanto da falta de resposta da medula à EPO. Além disso, citocinas inflamatórias podem prejudicar a proliferação e diferenciação eritroide por formação de radicais e/ou indução de apoptose.
O metabolismo do ferro é alterado pelo aumento da hepcidina, que inibe a absorção e a reciclagem do ferro, levando ao sequestro de ferro.
As células reticuloendoteliais retêm ferro dos eritrócitos senescentes, deixando o ferro indisponível para a síntese de hemoglobina (Hb). Há, dessa maneira, uma falha em compensar a anemia com o aumento da produção de eritrócitos. As citocinas derivadas de macrófagos (p. ex., interleucina-1-beta, interleucina-6, fator de necrose tumoral-alfa, interferon-gamma) em pacientes com infecções, estados inflamatórios e câncer contribuem para a redução da produção da EPO e comprometem a disponibilidade de ferro ao aumentar a síntese hepática da hepcidina.
Referência sobre etiologia
1. Weiss G, Ganz T, Goodnough LT. Anemia of inflammation. Blood. 2019;133(1):40-50. doi:10.1182/blood-2018-06-856500
Diagnóstico da anemia de doença crônica
Sinais e sintomas de distúrbio de base
Hemograma completo e ferro sérico, ferritina, transferrina (ou capacidade total de ligação do ferro), e contagem de reticulócitos
Os achados clínicos na anemia de doença crônica costumam ser os da doença subjacente (infecção, inflamação, câncer). Deve-se suspeitar de anemia de doença crônica nos pacientes com anemia microcítica ou normocítica que também tenham doença crônica, infecciosa, inflamatória ou neoplásica. Se houver suspeita de anemia da doença crônica, dosar o ferro sérico, a transferrina, a contagem de reticulócitos e a ferritina. A Hb é quase sempre é > 8 g/dL (> 80 g/L), a menos que algum outro mecanismo contribua para a anemia, como deficiência de ferro concomitante (ver tabela Diagnóstico diferencial de anemia microcítica pela diminuição da produção de eritrócitos) ou flebotomia iatrogênica.
Níveis séricos de ferritina < 100 ng/mL (< 224,7 pmol/L) em um paciente com inflamação (< 200 ng/mL [< 449,4 pmol/L] em pacientes com doença renal crônica) sugerem que pode haver superposição de deficiência de ferro à anemia de doença crônica, pois os níveis séricos de ferritina geralmente estão elevados por se tratar de um reagente de fase aguda.
Se o diagnóstico não for claro após exames padrão de ferro, o receptor de transferrina solúvel (sTFR) e o índice sTFR-ferritina (elevado na deficiência de ferro) e/ou o conteúdo de hemoglobina reticulocitária (ret-He), que é baixo na deficiência de ferro, podem ajudar a identificar deficiência de ferro e anemia de doença crônica concomitantes, embora os resultados desses testes também possam estar sujeitos aos efeitos confundidores da inflamação ou de variáveis analíticas, como diferenças nos métodos de medição e intervalos de referência que podem não ser padronizados entre laboratórios (1).
Em pacientes com possível inflamação e nos quais outras causas de anemia foram excluídas, podem-se obter a velocidade de hemossedimentação (VHS) e/ou o nível de proteína C reativa (CRP) porque os resultados desses testes são marcadores inespecíficos de inflamação.
Referência sobre diagnóstico
1. Günther F, Straub RH, Hartung W, et al. Association of Serum Soluble Transferrin Receptor Concentration With Markers of Inflammation: Analysis of 1001 Patients From a Tertiary Rheumatology Center. J Rheumatol. 2024;51(3):291-296. Published 2024 Mar 1. doi:10.3899/jrheum.2023-0654
Tratamento da anemia da doença crônica
Tratamento da doença subjacente
Às vezes, suplementos de ferro em pacientes com deficiência de ferro concomitante
O tratamento da anemia de doença crônica exige o tratamento da doença subjacente. Como a anemia geralmente é leve, as transfusões não costumam ser necessárias.
A suplementação de ferro pode ser útil porque pode haver deficiência de ferro em pacientes com anemia de doença crônica; exames do ferro são frequentemente difíceis de interpretar quando essas doenças coexistem. Entretanto, em pacientes sem suspeita de deficiência de ferro concomitante e em pacientes com infecção aguda não controlada, a suplementação de ferro é geralmente evitada.
A eritropoetina humana recombinante ou os agentes estimuladores da eritropoiese (AESs) podem ser considerados em pacientes com doença renal crônica ou terminal, pacientes selecionados com anemia induzida por quimioterapia e alguns pacientes antes da cirurgia eletiva.
Pontos-chave
Quase qualquer infecção crônica, inflamação ou câncer pode causar anemia; a hemoglobina costuma ser > 8 g/dL (> 80 g/L), a menos que um mecanismo adicional contribua.
Vários fatores estão envolvidos, como menor sobrevida dos eritrócitos, comprometimento da eritropoiese e da disponibilidade de ferro.
A anemia é inicialmente normocítica e depois se torna microcítica.
O ferro sérico e a transferrina encontram-se tipicamente diminuídos, enquanto o nível de ferritina é normal a aumentado.
Tratar a doença subjacente.