Os distúrbios autoimunes são 5 vezes mais frequentes em mulheres, incidência que atinge um pico na idade reprodutiva. Dessa maneira, é comum ocorrer esses distúrbios autoimunes em gestantes.
Lúpus eritematoso sistêmico na gestação
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) pode aparecer inicialmente na gestação; mulheres que apresentaram óbito fetal inexplicado no 2º trimestre, feto com restrição de crescimento, parto prematuro ou abortos espontâneos recorrentes podem ser diagnosticadas mais tarde como portadoras de LES.
O curso de um caso de LESpreexistente durante a gestação não pode ser predito, mas o LES pode piorar, em particular logo após o parto. Os resultados são melhores se for possível adiar a concepção até a doença estar inativada por pelo menos 6 meses, o regime medicamentoso já foi ajustado de antemão, e a pressão arterial e função renal estão normais.
As complicações podem incluir (1)
Parto prematuro devido à pré-eclâmpsia
Bloqueio cardíaco congênito decorrente de anticorpos maternos que atravessam a placenta
Complicações renais ou cardíacas significativas e preexistentes aumentam o risco de morbidade e mortalidade materna. Nefrite difusa, hipertensão ou a presença de anticorpos antifosfolipídios circulantes (geralmente anticorpos anticardiolipina ou anticoagulante lúpico) têm risco maior de mortalidade perinatal. Os neonatos podem ter anemia, trombocitopenia ou leucopenia; essas desordens tendem a desaparecer durante as primeiras semanas após o nascimento, quando os anticorpos maternos desaparecem.
Se a hidroxicloroquina foi utilizada antes da concepção, ela pode ser mantida por toda a gestação. Crises de LES são normalmente tratadas com baixa dose de prednisona, metilprednisolona de pulso IV, hidroxicloroquina e/ou azatioprina. Doses altas de prednisona e ciclofosfamida aumentam os riscos obstétricos e são, portanto, reservadas para complicações graves do lúpus.
Referência
1. Clowse ME, Jamison M, Myers E, James AH: A national study of the complications of lupus in pregnancy. Am J Obstet Gynecol 199(2):127.e1-127.e1276, 2008. doi:10.1016/j.ajog.2008.03.012
Síndrome antifosfolipídica na gestação
A síndrome antifosfolipídica (SAF), ou síndrome antifosfolipídica, é uma doença autoimune que predispõe as pacientes à trombose e, durante a gestação, aumenta o risco de morte fetal, hipertensão induzida pela gestação, pré-eclâmpsia e restrição do crescimento intrauterino
A síndrome antifosfolipídica é causada por autoanticorpos contra certas proteínas de ligação de fosfolipídios que de outro modo protegem contra a ativação excessiva da coagulação.
Diagnóstico
Medição dos anticorpos antifosfolipídicos na circulação
Critérios clínicos
Suspeita-se da síndrome antifosfolipídica em mulheres com história de qualquer um dos seguintes:
≥ 3 abortos embrionários (antes de 10 semanas de gestação) inexplicáveis ou ≥ 1 abortos fetais (depois de 10 semanas) inexplicáveis
Tromboembolia venosa ou arterial prévia inexplicada
Novo tromboembolia arterial ou venoso durante a gestação
O diagnóstico da síndrome antifosfolipídica é pela medição dos níveis de anticorpos antifosfolipídios (anticardiolipina, beta-2 glicoproteína I, anticoagulante lúpico) na circulação com resultados positivos em ≥ 2 vezes em intervalos de 12 semanas.
O diagnóstico da síndrome antifosfolipídica requer ≥ 1 critério clínico, além de ≥ 1 dos critérios laboratoriais acima. Os critérios clínicos podem ser vasculares (tromboembolia arterial ou venoso prévio inexplicado em qualquer tecido) ou relacionados à gestação. Os critérios relacionados à gestação incluem (1):
≥ 1 mortes inexplicáveis de um feto morfologicamente normal (via ultrassonografia ou exame direto) com ≥ 10 semanas de gestação
≥ 1 nascimento prematuro de um neonato morfologicamente normal com ≤ 34 semanas de gestação devido à eclâmpsia ou pré-eclâmpsia grave ou com características de insuficiência placentária
≥ 3 perdas por abortos consecutivos inexplicados com < 10 semanas da gestação, excluindo anormalidades anatômicas e hormonais maternas e causas cromossômicas paternas e maternas
Referência sobre diagnóstico
1. Miyakis S, Lockshin MD, Atsumi T, et al: International consensus statement on an update of the classification criteria for definite antiphospholipid syndrome (APS). J Thromb Haemost 4(2):295-306, 2006. doi:10.1111/j.1538-7836.2006.01753.x
Tratamento
Profilaxia com anticoagulantes e baixa dose de aspirina
Mulheres com a síndrome antifosfolipídica normalmente são tratadas profilaticamente com anticoagulantes e baixa dose de aspirina durante a gestação e por 6 semanas pós-parto.
As pacientes devem ser monitorados de perto e encaminhados a um especialista em medicina materno-fetal, conforme necessário.
Púrpura trombocitopênica imunitária na gestação
A púrpura trombocitopênica imunitária (PTI), mediada pela produção de IgG antiplaquetária materna, tende a piorar durante a gestação e aumenta o risco de morbidade materna. A PTI é caracterizada por trombocitopenia isolada na ausência de outras etiologias, tornando-o um diagnóstico de exclusão.
Os corticoides reduzem os níveis de IgG e causam remissão do quadro na maioria das mulheres, mas a melhora é mantida em apenas 50% casos. A terapia imunossupressora e troca plasmática também alteram os níveis de IgG, aumentando a contagem de plaquetas. Raramente, a esplenectomia é necessária para os casos refratários; é mais bem indicada durante o 2º trimestre, causando remissão persistente em até 80% dos casos.
Imunoglobulinas IV aumentam os níveis de plaquetas de modo significativo, mas por pouco tempo; assim, com o seu uso, o trabalho de parto pode ser induzido em pacientes com baixos níveis de plaquetas. Recomendam-se transfusões de plaquetas apenas quando
Cesárea é necessária e a contagem de plaquetas materna é < 50.000/microL (1).
Espera-se parto vaginal e a contagem de plaquetas é < 30.000/microL (2).
Embora a IgG possa cruzar a barreira placentária, causando trombocitopenia fetal e neonatal, isso raramente acontece. Os níveis maternos de anticorpos antiplaquetários (aferidos por meios diretos e indiretos) não podem predizer o envolvimento fetal. O risco de hemorragia intracraniana neonatal decorrente de PTI materna não é afetado pela maneira como o parto é feito, nem por trauma no nascimento. Consequentemente, a prática atual aceita é o parto vaginal, sem determinar rotineiramente a contagem plaquetária fetal, e cesárea somente por indicações obstétricas (3, 4, 5).
Referências
1. Kaufman RM, Djulbegovic B, Gernsheimer T, et al: Platelet transfusion: a clinical practice guideline from the AABB. Ann Intern Med 162(3):205-213, 2015. doi:10.7326/M14-1589
2. Bussel JB, Hou M, Cines DB: Management of primary immune thrombocytopenia in pregnancy. N Engl J Med 389(6):540-548, 2023. doi:10.1056/NEJMra2214617
3. ACOG Practice Bulletin No. 207: Thrombocytopenia in Pregnancy. Obstet Gynecol 133(3):e181-e193, 2019. doi:10.1097/AOG.0000000000003100
4. Provan D, Stasi R, Newland AC, et al: International consensus report on the investigation and management of primary immune thrombocytopenia. Blood 115(2):168-186, 2010. doi:10.1182/blood-2009-06-225565
5. Neunert C, Lim W, Crowther M, et al: The American Society of Hematology 2011 evidence-based practice guideline for immune thrombocytopenia. Blood 117(16):4190-4207, 2011. doi:10.1182/blood-2010-08-302984
Artrite reumatoide na gestação
A artrite reumatoide (AR) pode começar durante a gestação ou, mesmo mais frequentemente, no período pós-parto. A AR preexistente em geral diminui temporariamente durante a gestação. O feto não é afetado diretamente, mas o parto pode ser dificultado se a coluna lombar ou as articulações dos quadris estiverem afetadas. O parto cesárea é significativamente mais comum em mulheres com atividade moderada ou alta da doença na gestação em comparação com aquelas com baixa atividade da doença. Além disso, uma crise pós-parto pode prejudicar a capacidade das mulheres com artrite reumatoide de cuidar de si mesmas e de seus lactentes.
Se a mulher tiver um agravamento da AR durante a gestação o tratamento inicial com frequência começa com prednisona. Para casos refratários, outros imunossupressores podem ser utilizados (1).
Referência
1. ACOG Committee Opinion No. 776: Immune Modulating Therapies in Pregnancy and Lactation. Obstet Gynecol 133(4):e287-e295, 2019. doi:10.1097/AOG.0000000000003176
Miastenia gravis na gestação
A miastenia grave tem curso variável durante a gestação e até mesmo entre gestações na mesma mulher. O diagnóstico é feito depois que um exame clínico e físico revela fraqueza muscular e é confirmado por imunoensaios séricos dos níveis de autoanticorpos.
Com frequência, episódios agudos da doença podem necessitar de aumento das doses de medicamentos anticolinesterásicos (p. ex., neostigmina), as quais podem produzir sintomas de excesso de medicação (p. ex., dor abdominal, diarreia, vômitos e fraqueza progressiva); nesses casos, a atropina pode ser necessária. Algumas vezes, a miastenia se torna refratária à terapia padrão, necessitando assim do uso de corticoides ou imunossupressores.
Durante o trabalho de parto, mulheres com miastenia grave podem precisar de suporte respiratório (ventilação assistida) e são extremamente sensíveis aos medicamentos que causam depressão respiratória (p. ex., opioides, sedativos, magnésio). Portanto, prefere-se anestesia regional a medicamentos intravenosas para controle da dor durante o trabalho de parto e o parto. Como a IgG responsável pela miastenia atravessa a placenta, a miastenia transitória ocorre em 20% dos neonatos (1), e ainda mais se as mães não fizeram timectomia. Embora o parto vaginal seja recomendado, pode ser necessário um parto vaginal assistido em decorrência da fraqueza do músculo estriado.
Referência
1. Gamio S, Garcia-Erro M, Vaccarezza MM, Minella JA: Myasthenia gravis in childhood. Binocul Vis Strabismus Q 19(4):223-231, 2004.