Doença hemolítica do feto e recém-nascido

(Aloimunização RhD; incompatibilidade Rh; eritroblastose fetal)

PorAntonette T. Dulay, MD, Main Line Health System
Revisado/Corrigido: mar. 2024
Visão Educação para o paciente

A doença hemolítica do feto e recém-nascido é anemia hemolítica fetal ou neonatal, causada pela transmissão transplacentária de anticorpos maternos para as eritrócitos fetais. O distúrbio costuma resultar de incompatibilidade entre os grupos sanguíneos materno e fetal, geralmente os antígenos Rho(D). O diagnóstico inicia-se com triagem pré-natal dos antígenos e anticorpos maternos específicos, podendo ser necessária a avaliação paterna, títulos seriados de anticorpos maternos e avaliação fetal. O tratamento pode envolver transfusão fetal intrauterina ou transfusão de troca neonatal. A prevenção é a administração de imunoglobulina Rho(D) para mulheres em risco com Rh negativo.

A doença hemolítica do feto (anteriormente chamada de eritroblastose fetal) resulta classicamente da incompatibilidade Rho(D), que pode ocorrer quando uma mulher com sangue Rh-negativo engravida de homem com sangue Rh-positivo e concebe um feto com sangue Rh-positivo, ocasionalmente resultando em hemólise.

Outras incompatibilidades feto-maternas que podem causar doença hemolítica do feto e do recém-nascido envolvem os sistemas de antígenos de Kell, Duffy, Kidd, MNSs, Lutheran, Diego, Xg, P, Ee e Cc, bem como outros antígenos. Incompatibilidades dos tipos sanguíneos ABO não causam doença hemolítica do feto e do recém-nascido.

Fisiopatologia da doença hemolítica do feto e recém-nascido

As eritrócitos fetais movem-se através da placenta para a circulação materna durante toda a gestação. A passagem é maior no final da gestação e no parto. O movimento de extensos volumes significativos (p. ex., 10 a 150 mL) é considerado como hemorragia feto-materna; isto pode ocorrer após um trauma e algumas vezes após o parto, ou término da gestação. Em mulheres portadoras de sangue Rh negativo e grávidas de um feto com sangue Rh positivo, os eritrócitos fetais estimulam a produção materna de anticorpos contra os antígenos Rh. Quanto maior a hemorragia feto-materna, mais anticorpos são produzidos. O mecanismo é o mesmo quando os outros sistemas antigênicos estão envolvidos; entretanto, a incompatibilidade com o sistema Kell de anticorpos também suprime, diretamente, a produção de eritrócitos na medula óssea.

Outras causas de produção materna de anticorpos anti-Rh são: injeção com agulhas contaminadas com sangue Rh positivo e transfusões acidentais de sangue Rh positivo.

Contudo, as complicações não se desenvolvem durante a fase inicial sensibilizante da gestação; entretanto, em gestações subsequentes, os anticorpos maternos atravessam a placenta e fazem a lise das eritrócitos fetais, causando anemia, hipoalbuminemia e, possivelmente, insuficiência cardíaca ou morte fetal. A anemia estimula a medula óssea fetal a produzir e liberar eritrócitos imaturos (eritroblastos) na circulação periférica fetal (doença hemolítica do feto e do recém-nascido). A hemólise resulta em níveis elevados de bilirrubina indireta nos neonatos, causando icterícia nuclear. Em geral, a isoimunização não causa sintomas nas gestantes.

Diagnóstico da doença hemolítica do feto e recém-nascido

  • Tipagem sanguínea com Rh materno e triagem de anticorpos reflexos

  • Medições seriadas do nível de anticorpos e aferição do fluxo sanguíneo da artéria cerebral média, para gestação considerada de risco

  • Triagem para DNA fetal livre de células

Na primeira consulta pré-natal, todas as mulheres devem passar por triagem para tipagem de sangue, Rh e anti-Rho(D) e outros anticorpos que são formados em resposta aos antígenos e que pode causar doença hemolítica do feto e do recém-nascido (triagem de anticorpos reflexos).

Se as mulheres tiverem sangue Rh negativo e resultado positivo para anti-Rho(D) ou qualquer outro anticorpo que possa causar doença hemolítica do feto e do recém-nascido, a tipagem sanguínea do pai e a zigosidade (se a paternidade é confirmada) são determinadas. Se ele tiver sangue Rh negativo e o resultado para o antígeno correspondente ao anticorpo identificado na mãe é negativo, outros testes não são necessários. Se ele tiver sangue Rh positivo ou possui o antígeno, os títulos maternos de anticorpos anti-Rh são mensurados.

Se os títulos maternos de anticorpos anti-Rh forem positivos, mas menores que um valor de laboratório específico crítico (normalmente 1:8 a 1:32), eles serão medidos a cada 2 a 4 semanas após 20 semanas. Se o valor crítico for excedido, mede-se o fluxo sanguíneo na artéria cerebral média (ACM) em intervalos de 1 a 2 semanas, dependendo do resultado inicial do fluxo sanguíneo e da história da paciente; o objetivo é detectar insuficiência cardíaca, indicando um alto risco de anemia. Fluxo sanguíneo elevado para a idade gestacional deve levar à consideração de amostragem percutânea do sangue umbilical e transfusão sanguínea intrauterina.

Caso a paternidade seja razoavelmente certa e o pai seja provavelmente heterozigoto para Rho(D), o tipo de Rh fetal é determinado. Se o feto é Rh positivo ou a tipagem é desconhecida e o fluxo sanguíneo na artéria cerebral média é elevado, anemia fetal é provável.

Quando o estado Rho(D) é incerto, pode-se fazer triagem não invasiva do DNA fetal livre de células do sangue materno para o gene RHD. Testes não invasivos para outros genes (p. ex., RHCE, KEL) estão disponíveis na Europa.

Tratamento da doença hemolítica do feto e recém-nascido

  • Transfusão de sangue fetal

  • Às vezes, parto nas 32ª a 35ª semanas

Se o sangue fetal é Rh negativo ou o fluxo da ACM permanece normal, a gestação pode continuar sem tratamento até o termo.

Se a anemia fetal for provável, o feto poderá receber transfusão sanguínea intravascular e intrauterina por um especialista de instituição equipada para cuidar de gestações de alto risco. Transfusões ocorrem a cada 1 a 2 semanas, geralmente até 32 a 35 semanas. Durante esse período de tempo, recomenda-se o parto se há evidências contínuas de anemia fetal grave (com base no fluxo sanguíneo da ACM). A mulher pode continuar até parto a termo se não há evidências de anemia fetal grave com base no fluxo sanguíneo da ACM. Corticoides devem ser administrados antes da primeira transfusão se a gestação tiver > 23 semanas.

Um pediatra avalia imediatamente os neonatos com eritroblastose para determinar a necessidade de exsanguineotransfusão.

Prevenção da doença hemolítica do feto e recém-nascido

A prevenção envolve administrar imunoglobulina Rho(D) a mulheres grávidas Rh-negativas da seguinte maneira:

  • Com 28 semanas de gestação (ou com 28 e 34 semanas)

  • Dentro de 72 horas após a perda da gestação ou interrupção < 20 semanas de gestação

  • Após qualquer episódio de sangramento vaginal

  • Depois de amniocentese ou biópsia da vilosidade coriônica

A sensibilização materna e a produção de anticorpos, que são a causa da doença hemolítica do feto e do recém-nascido, podem ser prevenidas com a administração de imunoglobulina Rho (D) à mulher. Essa preparação contém altos títulos de anticorpos anti-Rh, os quais neutralizam os eritrócitos fetais Rh positivos.

A imunoglobulina Rho (D) geralmente é administrada como uma injeção intramuscular, mas pode ser administrada por via intravenosa. Anticorpos anti-Rh persistem por > 3 meses após uma dose.

A imunoglobulina Rho (D) é administrada rotineiramente para todas as gestantes Rh-negativas sem sensibilização prévia conhecida e um feto que pode ser Rh positivo. É administrada rotineiramente e não apenas como tratamento para episódios com risco de sangramento feto-materno (p. ex., após o parto ou interrupção da gestação), porque a sensibilização pode ocorrer mais cedo durante a gestação sem um episódio de alto risco reconhecido.

Em alguns países (incluindo os Estados Unidos), uma dose única de 300 mcg é administrada em 28 semanas e, em outros países, 2 doses (variando de 100 a 300 mcg, dependendo da prática e diretrizes locais) são administradas em 28 e 34 semanas (1). Uma dose adicional é administrada dentro de 72 horas após o parto (se um recém-nascido tiver sangue Rh positivo ou se a tipagem de sangue neonatal não for feita).

A imunoglobulina Rho (D) também deve ser administrada a esses pacientes em 72 horas após qualquer episódio que possa causar sangramento feto-materno significativo, incluindo

  • Aborto espontâneo ou induzido (incluindo evacuação uterina para mola hidatiforme) em ≥ 12 e < 20 semanas

  • Gestação ectópica

  • Amostragem de vilo coriônico ou amniocentese

  • Morte fetal no segundo ou terceiro trimestre

  • Sangramento vaginal no segundo ou terceiro trimestre (antes do trabalho de parto)

  • Trauma abdominal fechado

  • Versão cefálica externa

As recomendações variam quanto à necessidade de imunoglobulina Rho (D) para aborto espontâneo ou induzido em < 12 semanas (2, 3, 4). Para essas gestações precoces, algumas sociedades médicas não aconselham profilaxia e outras aconselham profilaxia apenas se houve um procedimento cirúrgico.

Se a presença de hemorragia feto-materna é incerta, um teste de roseta (adição de um reagente anti-D ao sangue materno) é utilizado como um teste de triagem qualitativo inicial. Se os resultados forem positivos, um ensaio de Kleihauer-Betke (eluição ácida) ou citometria de fluxo pode medir o volume de sangue fetal na circulação materna. Se a hemorragia feto-materna for maciça (> 30 mL de sangue total), injeções adicionais (300 mcg para cada 30 mL do sangue total fetal, até 5 doses dentro de 24 horas) são necessárias.

Referências sobre prevenção

  1. 1. Visser GHA, Thommesen T, Di Renzo GC, Nassar AH, Spitalnik SL; FIGO Committee for Safe Motherhood, Newborn Health. FIGO/ICM guidelines for preventing Rhesus disease: A call to action. Int J Gynaecol Obstet. 2021;152(2):144-147. doi:10.1002/ijgo.13459

  2. 2. Abortion care guideline. Geneva: World Health Organization; 2022. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO.

  3. 3. American College of Obstetrics and Gynecology (ACOG): Practice Bulletin No. 181: Prevention of Rh D Alloimmunization. Obstet Gynecol. 2017;130(2):e57-e70. doi:10.1097/AOG.0000000000002232

  4. 4. Horvath S, Goyal V, Traxler S, Prager S: Society of Family Planning committee consensus on Rh testing in early pregnancy. Contraception. 2022;114:1-5. doi:10.1016/j.contraception.2022.07.002

Pontos-chave

  • A doença hemolítica do feto e do recém-nascido é anemia hemolítica do feto ou do recém-nascido causada pela transmissão transplacentária de anticorpos maternos para os eritrócitos fetais, geralmente em decorrência da incompatibilidade entre os grupos sanguíneos maternos e fetais, frequentemente antígenos Rho(D).

  • Fazer a triagem em todas as gestantes quanto ao tipo sanguíneo, tipo Rh, anti-Rho(D) e outros anticorpos que podem causar doença hemolítica do feto e do recém-nascido.

  • Dar às mulheres com risco de sensibilização imunoglobulina Rho (D) em 28 semanas e/ou 34 semanas de gestação, dentro de 72 horas após o parto, após amniocentese ou amostra de vilo coriônico e depois de qualquer episódio que possa causar ou indicar hemorragia feto-materna (p. ex., trauma abdominal, sangramento vaginal).

  • Tratar a doença hemolítica do feto e do recém-nascido com transfusões de sangue fetal intrauterino conforme necessário e, se anemia fetal é detectada, fazer o parto na 32ª a 35ª semana, dependendo da situação clínica.

  • Se as mulheres têm risco, medir os níveis de anticorpos e, se necessário, o fluxo sanguíneo da artéria cerebral média periodicamente.

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