Tracoma é uma conjuntivite crônica causada por Chlamydia trachomatis e caracterizada por exacerbações progressivas e remissões. É a principal causa de cegueira evitável no mundo. Sintomas iniciais são hiperemia da conjuntiva, edema palpebral, fotofobia e lacrimejamento. Mais tarde, ocorrem neovascularização da córnea e cicatrização de conjuntiva, córnea e pálpebras. O diagnóstico costuma ser clínico. O tratamento é feito com antibióticos tópicos e sistêmicos.
(Ver também Visão geral das doenças conjuntivais e esclerais.)
O tracoma é endêmico em regiões com recursos limitados no norte da África, no Oriente Médio, no subcontinente indiano, na Austrália e no sudeste da Ásia, afetando 1,9 milhão de pessoas. É também a causa de cerca de 1,4% da cegueira em todo o mundo (1). O agente etiológico é a Chlamydia trachomatis (sorotipos A, B, Ba e C). Nos Estados Unidos o tracoma é raro, com ocorrências apenas em índios americanos e imigrantes. A doença ocorre principalmente em crianças, sobretudo naquelas com 3 a 6 anos. Ela é menos suscetível em crianças mais velhas e adultos por causa de melhor imunidade e higiene pessoal. Ela é altamente contagiosa em seus estágios iniciais, sendo transmitido pelos contatos olho-olho e mão-olho, por moscas em contato com os olhos ou pelo compartilhamento de objetos (p. ex., toalhas, lenços, maquiagem).
Referência geral
1. Trachoma: World Health Organization. Publicado em 5 de outubro de 2022. Acessado em 20 de março de 2023.
Sinais e sintomas do tracoma
O tracoma geralmente afeta ambos os olhos. O sistema de graduação da OMS descreve cinco estágios.
Inflamação tracomatosa folicular (TF): caracterizada por 5 ou mais folículos na conjuntiva tarsal superior
Inflamação tracomatosa intensa (TI): caracterizada por um espessamento inflamatório pronunciado da conjuntiva tarsal obscurecendo mais da metade dos vasos tarsais profundos normais
Cicatrizes tracomatosa (CT): caracterizada pelas cicatrizes na conjuntiva tarsal
Triquíase tracomatosa (TT): caracterizada por pelo menos um cílio friccionando o globo ocular
Opacidade da córnea (OC): caracterizada pela opacidade da córnea facilmente visível na pupila
WESTERN OPHTHALMIC HOSPITAL/SCIENCE PHOTO LIBRARY
© Springer Science+Business Media
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Raramente a neovascularização da córnea regride completamente sem tratamento e a transparência corneana é restaurada. Com tratamento e cura, a conjuntiva se torna lisa e branca-acinzentada. Em uma pesquisa populacional no delta do Nilo no Egito, 6,5% dos adultos tinham tracoma; destes, 13% tinham deficiência visual e 8% eram cegos.
Diagnóstico do tracoma
Achados clínicos (p. ex., folículos tarsais linfoides, cicatrizes conjuntivais lineares, pannus corneanos)
O diagnóstico do tracoma normalmente é clínico porque testes raramente estão disponíveis em áreas endêmicas. Folículos linfoides na porção tarsal ou ao longo do limbo corneano, cicatriz conjuntival linear e pannus corneano são considerados diagnósticos em uma avaliação clínica adequada.
Pode-se isolar C. trachomatis na cultura ou identificá-lo por testes de amplificação de ácido nucleico (NAAT) e técnicas de imunofluorescência e os testes devem ser feitos quando estiverem prontamente disponíveis. Em ambientes com recursos limitados, os testes podem ser limitados a casos de incerteza diagnóstica. No estágio inicial, a presença de pequenos corpos de inclusão citoplasmáticos basofílicos em células epiteliais conjuntivais, em raspados conjuntivais corados com Giemsa, diferencia o tracoma da conjuntivite não causada por clamídia. Os corpos de inclusão também são encontrados na conjuntivite de inclusão do adulto, mas o desenvolvimento do quadro clínico a distingue do tracoma. A conjuntivite palpebral primaveril é semelhante ao tracoma em seu estágio folicular hipertrófico, porém os sintomas são diferentes e papilas com superfície plana e leitosa estão presentes, ao passo que eosinófilos, ao contrário de corpos basofílicos de inclusão, são encontrados em raspados.
Tratamento do tracoma
Antibióticos, de preferência sistêmicos, mas alternativamente tópicos
Cirurgia para deformidades da pálpebra e/ou opacidade da córnea
O programa SAFE (cirurgia, antibióticos, limpeza facial, melhoria ambiental) em áreas endêmicas
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que casos individuais ou esporádicos de inflamação tracomatosa-folicular podem ser tratados de forma tópica. A OMS também recomenda o tratamento tópico para inflamação tracomatosa intensa, mas que deve-se considerar o tratamento sistêmico. Cicatrizes tracomatosas isoladas só requerem tratamento quando progridem para triquíase tracomatosa.
Para o tratamento sistêmico, uma dose oral única de azitromicina 20 mg/kg (máximo 1 g) tem efetividade de 78 a 95%. Como um benefício adicional, o uso de azitromicina oral foi associado a uma redução significativa na taxa de mortalidade infantil geral. As alternativas incluem eritromicina, 500 mg, duas vezes ao dia, durante 14 dias, ou doxiciclina, 100 mg, duas vezes ao dia, durante 10 dias (não deve ser utilizada em gestantes ou nutrizes ou em crianças com menos de 8 anos). Para o tratamento tópico, pode-se utilizar pomada de tetraciclina a 1% nos dois olhos, duas vezes ao dia, durante 6 semanas.
A OMS recomenda a cirurgia da pálpebra para triquíase tracomatosa. Se a opacidade da córnea avançou para a córnea central, considera-se que chegou ao estágio da cegueira irreversível e intratável. Em países ricos em recursos, o transplante de córnea pode restaurar a visão. O procedimento é complexo, e os cuidados posteriores frequentes e intensos para prevenir a rejeição e a infecção tornam o transplante de córnea impraticável para muitos pacientes na maioria dos países com recursos limitados.
Controle de tracomas em áreas endêmicas
A OMS aprovou um programa de 4 etapas para o controle do tracoma em áreas endêmicas. Esse programa é conhecido como SAFE e significa:
Cirurgia para corrigir as deformidades palpebrais (p. ex., entrópio e triquiase) que colocam os pacientes em risco de cegueira
Antibióticos para tratar pacientes individuais e administração de fármacos em massa para reduzir a carga da doença na comunidade
Limpeza facial para reduzir a transmissão a partir de indivíduos infectados
Melhoria ambiental (p. ex., acesso à água potável e saneamento melhorado) para reduzir a transmissão da doença e reinfecção dos pacientes
Em áreas hiperendêmicas, a administração em massa a toda a comunidade com mais de 6 meses de uma dose oral única de azitromicina 20 mg/kg (máximo de 1 g) ou pomada oftálmica de tetraciclina ou eritromicina duas vezes/dia, por 5 dias consecutivos a cada mês, durante 6 meses, foi eficaz como tratamento e profilaxia. Reduções significativas no tracoma endêmico foram obtidas com o tratamento comunitário oral sistêmico com azitromicina em dose única ou em repetidas doses. Entretanto, a reinfecção por reexposição é comum em áreas endêmicas. Pode-se reduzir as reinfecções com o controle de moscas; melhora no acesso à água limpa, lavagem e saneamento; construção de latrinas mais higiênicas; e movendo o gado e latrinas para mais longe dos ambientes familiares.
Pontos-chave
O tracoma é uma doença crônica com exacerbação e remissão da conjuntivite por clamídia que é comum em crianças de 3 a 6 de idade em certas áreas atingidas pela limitação de recursos no mundo todo.
As manifestações se ocorrem em estágios e compreendem conjuntivite, formação de folículos tarsais, espessamento e cicatrização da conjuntiva tarsal, tiquíase, neovascularização e cicatrizes da córnea.
Cerca de 7% dos pacientes desenvolvem diminuição da visão ou cegueira; o tracoma é a principal causa de cegueira prevenível no mundo todo.
O diagnóstico geralmente é clínico, mas métodos padrão para detectar a clamídia podem ser utilizados quando disponíveis.
O tratamento é feito com antibióticos tópicos e sistêmicos.
Em áreas endêmicas, a Organização Mundial de Saúde também defende a cirurgia corretiva, administração em massa dos antibióticos, ênfase na limpeza facial e intervenções ambientais para reduzir a transmissão.