Síndromes de deficiência poliglandular

(Síndromes poliglandulares autoimunes, síndromes de insuficiência poliendócrina)

PorJennifer M. Barker, MD, Children's Hospital Colorado, Division of Pediatric Endocrinology
Revisado/Corrigido: abr. 2023
Visão Educação para o paciente

As síndromes de deficiência poliglandular caracterizam-se pela função subnormal concomitante de várias glândulas endócrinas pelo mesmo motivo. A etiologia costuma ser autoimune. A categorização depende da combinação de deficiências e pertencem a 1 de 3 tipos. O diagnóstico requer medidas das concentrações hormonais e de autoanticorpos contra as glândulas afetadas. O tratamento é feito com reposição dos hormônios ausentes ou deficientes e, algumas vezes, o uso de imunossupressores.

Etiologia das síndromes de deficiência poliglandular

A etiologia é mais frequentemente autoimune. Os fatores de risco de desenvolvimento de autoimunidade incluem

  • Fatores genéticos

  • Gatilhos ambientais

  • Medicamentos

Os fatores genéticos incluem mutação do gene AIRE, que causa o tipo 1, e certos subtipos do antígeno leucocitário humano (HLA), que são importantes no desenvolvimento dos tipos 2 e 3.

Os gatilhos ambientais incluem infecções virais, fatores dietéticos e outros riscos ainda desconhecidos.

Inibidores do checkpoint imune, que são utilizados para tratar alguns tipos de câncer e estão associados a doenças endócrinas autoimunes, incluindo hipofisite, doença da tireoide, insuficiência suprarrenal primária e diabetes melitus tipo 1, são um gatilho.

Fisiopatologia das síndromes de deficiência poliglandular

A reação autoimune subjacente envolve autoanticorpos contra tecidos endócrinos, autoimunidade mediada por células ou ambos, e causa inflamação, infiltração linfocitária e destruição parcial ou completa da glândula. Mais de uma glândula endócrina é envolvida, embora as manifestações clínicas nem sempre sejam simultâneas. Reação autoimune e disfunção associada do sistema imunitário também podem lesar tecidos não endócrinos.

Classificação das síndromes de deficiência poliglandular

Foram descritos três padrões de insuficiência autoimune na síndrome de deficiência poliglandular (ver tabela Características das síndromes de deficiência poliglandular), que provavelmente refletem diferentes anomalias autoimunes. Alguns especialistas combinam o tipo 2 e tipo 3 em um único grupo. A prevalência do tipo 2 é de cerca de 1 a cada 1.000, enquanto o tipo 1 ocorre em cerca de 1 a cada 100.000 (1).

Deficiência poliglandular tipo 1

A deficiência poliglandular tipo 1, também conhecida como distrofia ectodérmica-candidíase-poliendocrinopatia autoimune (APECED), geralmente começa na infância. É causada por mutações no gene AIRE e é herdada em um padrão autossômico recessivo. Ele é definido pela presença de ≥ 2 do seguinte:

A candidíase costuma ser a manifestação inicial, mais comum em pacientes com < 5 anos. O hipoparatireoidismo ocorre a seguir, geralmente em pacientes com < 10 anos. Por último, a insuficiência suprarrenal ocorre em pacientes com < 15 anos. Doenças endócrinas e não endócrinas concomitantes (ver tabela Características das síndromes de deficiência poliglandular) continuam a surgir até os pacientes terem cerca de 40 anos de idade.

Deficiência poliglandular tipo 2

A deficiência poliglandular tipo 2, também conhecida como síndrome de Schmidt, geralmente ocorre em adultos; a maior incidência é aos 30 anos de idade. É 3 vezes mais frequente em mulheres. Está associada a certos genótipos do antígeno leucocitário humano (HLA) e exibe herança poligênica. Tipicamente manifesta-se com o seguinte:

Características mais raras também podem ocorrer (ver tabela Características das síndromes de deficiência poliglandular).

Deficiência poliglandular tipo 3

O tipo 3 é a insuficiência glandular que costuma ocorrer em adultos, particularmente nas mulheres de meia-idade. Também está associada a certos genótipos HLA e exibe herança poligênica. Caracteriza-se por

O tipo 3 não envolve o córtex suprarrenal.

Tabela
Tabela

Referência sobre classificação

  1. 1. Husebye ES, Anderson MS, Kampe O: Autoimmune polyendocrine syndromes. N Engl J Med 378:1132–1141, 2018. doi: 10.1056/NEJMra1713301

Sinais e sintomas das síndromes de deficiência poliglandular

O aspecto clínico dos pacientes com síndrome de deficiência poliglandular é a soma das deficiências endócrinas individuais e das doenças não endócrinas associadas; seus sinais e sintomas são discutidos em outros locais deste Manual. As deficiências nem sempre surgem ao mesmo tempo e podem levar anos para se manifestar; nesses casos, não seguem uma sequência em particular.

Diagnóstico das síndromes de deficiência poliglandular

  • Medidas das concentrações dos hormônios

  • Às vezes, títulos de anticorpos

Suspeita clínica de síndrome de deficiência poliglandular com diagnóstico confirmado pela detecção da deficiência hormonal. Outras causas de deficiências endócrinas múltiplas incluem disfunções hipotalâmico-hipofisárias e disfunções endócrinas coincidentes de causas distintas (p. ex., hipoadrenalismo por tuberculose e hipotireoidismo não autoimune no mesmo paciente ou sarcoidose envolvendo múltiplas glândulas endócrinas).

A deficiência poliglandular tipo 1 está associada a autoanticorpos contra interferons do tipo 1, e a presença desses anticorpos sugere o diagnóstico, que pode ser confirmado pela análise mutacional do gene AIRE. A detecção dos autoanticorpos do tecido glandular afetado pode ser útil para diferenciar disfunção poliglandular autoimune de outras causas e concentrações elevadas de hormônios tróficos (p. ex., TSH) sugerem que o eixo hipotálamo-hipófise está intacto (embora alguns pacientes com disfunção poliglandular autoimune tipo 2 apresentem insuficiência hipotalâmico-hipofisária).

Como podem se passar décadas antes do aparecimento de todas as manifestações, é prudente fazer acompanhamento por toda a vida; hipoparatireoidismo ou insuficiência suprarrenal não percebidos podem causar risco de morte.

Os parentes devem estar cientes do diagnóstico e se submeter à triagem quando apropriado. Estudos que acompanharam parentes de pacientes com diabetes tipo 1 à procura de desenvolvimento de autoimunidade encontraram anticorpos associados com o diabetes tipo 1, doença celíaca e/ou doença da tireoide em 21,5% dos indivíduos (1).

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. Winkler C, Jolink M, Knopff A, et al: Age, HLA, and sex define a marked risk of organ-specific autoimmunity in first-degree relatives of patients with type 1 diabetes. Diabetes Care 42:1684–1691, 2019. doi: 10.2337/dc19-0315

Tratamento das síndromes de deficiência poliglandular

  • Reposição hormonal

O tratamento das várias deficiências glandulares é discutido em outros capítulos deste Manual; o tratamento de deficiências múltiplas pode ser mais complexo que o tratamento de uma deficiência endócrina isolada. Por exemplo, o tratamento do hipotireoidismo com reposição hormonal tireoidiano pode precipitar uma crise suprarrenal em pacientes com insuficiência suprarrenal não diagnosticada.

Candidíase mucocutânea crônica associada à deficiência poliglandular tipo 1 geralmente requer terapia antifúngica por toda a vida (p. ex., fluconazol ou cetoconazol oral).

Os ensaios clínicos das intervenções para desacelerar o processo autoimune no diabetes tipo 1 foram em parte promissores para retardar a destruição completa de células beta produtoras de insulina. Os tratamentos que foram avaliados incluem imunoterapia, incluindo o uso do anticorpo monoclonal anti- CD teplizumabe, e transplante de sangue do cordão umbilical. Entretanto, o impacto dessas medidas na prevenção de outras deficiências endócrinas autoimunes em pacientes com diabetes tipo 1 permanece desconhecido (1, 2, 3, 4).

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Cai J, Wu Z, Xu X, et al: Umbilical cord mesenchymal stromal cell with autologous bone marrow cell transplantation in established type 1 diabetes: A pilot randomized controlled open-label clinical study to assess safety and impact on insulin secretion. Diabetes Care 39:149–157, 2016.

  2. 2. Haller MJ, Gitelman SE, Gottlieb PA, et al: Anti-thymocyte globulin/G-CSF treatment preserves β cell function in patients with established type 1 diabetes. J Clin Invest 125(1):448–455, 2015.

  3. 3. Kroger CJ, Clark M, Ke Q, and Tisch RM: Therapies to suppress β cell autoimmunity in type 1 diabetes. Front Immunol 9:1891, 2018. doi: 10.3389/fimmu.2018.01891

  4. 4. Nourelden AZ, Elshanbary AA, El-Sherif L, et al: Safety and efficacy of teplizumab for treatment of type one diabetes mellitus: a systemic review and meta-analysis. Endocr Metab Immune Disord Drug Targets 21(10):1895-1904, 2021.

Pontos-chave

  • As síndromes de deficiência poliglandular envolvem deficiências na função de várias glândulas endócrinas, o que pode ocorre de maneira simultânea ou sequencial.

  • Os órgãos não endócrinos também podem ser afetados.

  • A maioria dos casos é autoimune; os gatilhos muitas vezes são desconhecidos, mas podem envolver vírus, substâncias da dieta ou fármacos/drogas.

  • Diferenciam-se as síndromes de deficiência poliglandular pelas glândulas afetadas.

  • O tratamento envolve reposição dos hormônios deficientes.

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