Visão geral da função tireoidiana

PorLaura Boucai, MD, Weill Cornell Medical College
Revisado/Corrigido: fev. 2024
Visão Educação para o paciente

A glândula tireoide, localizada na porção anterior do pescoço, bem abaixo da cartilagem cricoide, consiste em 2 lobos ligados por um istmo. As células foliculares na glândula produzem os 2 principais hormônios tireóideos:

  • Tetraiodotironina (tiroxina, T4)

  • Tri-iodotironina (T3)

Esses hormônios atuam em células em virtualmente todos os tecidos do organismo, associando-se a receptores nucleares e alterando a expressão de uma grande quantidade de produtos gênicos. O hormônio tireoideo é necessário para o desenvolvimento normal dos tecidos cerebral e somático nos fetos e recém-nascidos e, em todas as idades, o hormônio tireoideo regula o metabolismo de proteínas, carboidratos e gorduras.

T4 tem atividade hormonal mínima, mas sua meia-vida longa (8 dias) atua como um reservatório ou pró-hormônio para T3. T4 é convertida (na maioria dos tecidos) em T3, a forma ativa que se liga aos receptores nucleares, e em T3 reverso (rT3), uma forma inativa do hormônio tireoideo sem atividade metabólica. Os níveis de rT3 aumentam em certas doenças.

As células parafoliculares (células C) na tireoide secretam o hormônio calcitonina, que é liberado em resposta à hipercalcemia e reduz as concentrações séricas de cálcio (ver Regulação do metabolismo do cálcio).

Síntese e liberação dos hormônios tireóideos

A síntese dos hormônios tireóideos requer iodo (ver figura Síntese dos hormônios tireóideos). O iodo, ingerido na alimentação e na água como iodeto, é ativamente concentrado pela tireoide e convertido em iodo orgânico (organificação) dentro das células foliculares pela peroxidase tireoidiana. As células foliculares circundam um espaço (folículo) preenchido por coloide, que consiste em tireoglobulina, uma glicoproteína que contém tirosina em sua matriz. A tirosina em contato com a membrana das células foliculares é iodada em 1 (monoiodotirosina) ou 2 (di-iodotirosina) locais e depois acoplada para produzir 2 formas de hormônio tireoideo.

  • Di-iodotirosina + di-iodotirosina T4

  • Di-iodotirosina + monoiodotirosina T3

Síntese dos hormônios tireóideos

T3 e T4 permanecem incorporados à tireoglobulina dentro do folículo, até que as células foliculares captem a tireoglobulina sob forma de gotas de coloide. Uma vez no interior das células foliculares, T3 e T4 são clivadas a partir da tireoglobulina.

T3 e T4 livres são então liberados na corrente sanguínea, onde se ligam às proteínas séricas para seu transporte. A proteína transportadora primária é a globulina ligadora tiroxina (GLT), com alta afinidade, porém baixa capacidade de ligação de T3 e T4. A TBG normalmente transporta 75% dos hormônios tireóideos ligados.

As outras proteínas de ligação são

  • Pré-albumina de ligação a tiroxina (transtiretina), que tem alta afinidade, mas baixa capacidade para T4

  • Albumina, que tem baixa afinidade, mas alta capacidade de se ligar ao T3 e T4

Aproximadamente 0,3% da T3 sérica total e 0,03% da T4 sérica total se encontram na forma livre, em equilíbrio com os hormônios ligados. Apenas T3 e T4 livres estão disponíveis para atuar nos tecidos periféricos.

Todas as reações necessárias para a formação e liberação de T3 e T4 são controladas pelo TSH, que é secretado pelas células tireotróficas pituitárias. A secreção de TSH é controlada por um mecanismo de retroalimentação negativa na hipófise: o aumento das concentrações de T4 e T3 livres inibe a síntese e a secreção de TSH, ao passo que concentrações mais baixas incrementam a secreção de TSH. A secreção de TSH também é influenciada pelo TRH, que é sintetizado no hipotálamo. Os mecanismos precisos que regulam a síntese e liberação de TRH não estão claros, embora a retroalimentação negativa dos hormônios tireóideos iniba a síntese de TRH.

A maior parte do T3 circulante é produzida fora da tireoide nos tecidos periféricos pela monodesiodação da T4. Apenas um quinto da T3 circulante é secretada diretamente pela tireoide.

Exames de laboratório da função tireoidiana

Medição do hormônio tireoestimulante (TSH)

Medições de TSH são a melhor maneira de determinar a disfunção tireoidiana (ver tabela Resultados de exames laboratoriais da função tireoidiana em várias situações clínicas). Resultados normais de TSH excluem descartam hipertireoidismo ou hipotireoidismo, exceto em pacientes com hipotireoidismo central por doença no hipotálamo ou na hipófise, ou em raros pacientes com resistência hipofisária ao hormônio tireoideo. Os níveis séricos de TSH podem estar falsamente baixos em pessoas muito enfermas, especialmente naqueles que recebem glicocorticoides ou dopamina (ver Síndrome da doença eutireoidiana).

Alterações nos níveis séricos de TSH na presença de níveis séricos normais de T4, T4 livre, T3 e T3 livre definem as síndromes de hipertireoidismo subclínico (baixos níveis séricos de TSH) e hipotireoidismo subclínico (níveis séricos de TSH elevados).

Tabela
Tabela

Mensuração da tiroxina (T4)

A medição de T4 sérica reflete o hormônio livre e ligado. Alterações nas concentrações de proteínas séricas ligadoras de hormônios tireóideos (TBG ou albumina) produzem alterações correspondentes na T4 total, mesmo que as concentrações de T4 livre fisiologicamente ativa permaneçam inalteradas. Assim, um paciente pode ter níveis normais de T4 livre, mas apresentar um nível anormal de T4 total no soro. A concentração sérica de T4 livre pode ser medida diretamente, evitando os erros de interpretação das concentrações totais de T4.

O índice de T4 livre é um valor calculado que corrige o T4 total para os efeitos de quantidades variáveis de proteínas séricas ligadoras de hormônio tireóideo e, assim, fornece uma estimativa da T4 livre quando se mede a T4 total. A proporção de ligação de hormônios tireóideos ou a captação de T4 por resina são utilizadas para estimar a ligação com proteínas. O índice de T4 livre está disponível imediatamente e comparável às medidas diretas de T4 livre.

Medição de tri-iodotironina (T3)

As concentrações de T3 total e T3 livre também podem ser medidas. Como T3 está firmemente ligada à TBG (embora 10 vezes menos que T4), as concentrações séricas totais de T3 são influenciadas pelas alterações das concentrações de TBG e por medicamentos que afetam a ligação à TBG. As concentrações séricas de T3 livre são medidas pelos mesmos métodos direto e indireto (índice de T3 livre) descritos para T4 e utilizadas, principalmente, para avaliar tireotoxicose.

Globulina ligante de tiroxina (TBG)

TBG pode ser medida. Aumenta durante a gestação, por terapia com estrogênio ou uso de contraceptivo oral com estrogênio-progestina, e na fase aguda da hepatite infecciosa. A TBG também pode aumentar por uma mutação ligada ao X no gene que codifica a TBG. É mais comum estar reduzida em decorrência de doenças que diminuem a síntese de proteínas pelo fígado, uso de esteroides anabolizantes, a síndrome nefrótica e uso excessivo de corticoides. Grandes doses de certos medicamentos, como fenitoína e ácido acetilsalicílico e seus derivados, deslocam T4 de sua ligação nos sítios da TBG, o que reduz falsamente as concentrações séricas totais de T4.

Autoanticorpos para peroxidase tireoidiana

Os autoanticorpos para peroxidase tireoidiana estão presentes em quase todos os pacientes com tireoidite de Hashimoto (alguns dos quais também apresentam anticorpos antitireoglobulina) e na maioria dos pacientes com doença de Graves. Esses autoanticorpos são marcadores de doenças imunes, mas provavelmente não causam a doença. Contudo, um autoanticorpo dirigido contra o receptor do hormônio tireoestimulante [imunoglobulina tireoestimulante (TSI)] nas células foliculares da tireoide é responsável pelo hipertireoidismo na doença de Graves. Anticorpos contra T4 e T3 podem ser encontrados nos pacientes com doenças tireoidianas autoimunes e podem alterar os valores das dosagens de T4 e T3, mas raramente com importância clínica.

Tireoglobulina

A tireoide é a única fonte de tireoglobulina, a qual é prontamente detectável no soro de pacientes normais e está habitualmente elevada em pacientes com bócio tóxico (produzindo hormônio tireoideo e causando hipertireoidismo sintomático) e não tóxico. A principal utilidade da medida de tireoglobulina sérica é a avaliação de pacientes após tireoidectomia total ou quase total (com ou sem ablação por Iodo-131) para câncer de tireoide diferenciado. A tireoglobulina sérica normal ou elevada indica a presença de tecido tireoidiano residual normal ou de tecido tireoidiano canceroso em pacientes que estão recebendo doses supressivas de levotiroxina, ou após a suspensão da levotiroxina. Entretanto, anticorpos antitireoglobulina interferem na medição da tireoglobulina.

Triagem para disfunção tireoidiana

Em muitos estados e países, recomenda-se a triagem de todos os recém-nascidos de doença da tireoide a fim de detectar hipotireoidismo congênito, que pode prejudicar o desenvolvimento normal se não for tratado (1).

Não se recomenda triagem de rotina em adultos assintomáticos, como gestantes sem fatores de risco conhecidos para tireoidite, devido a evidências insuficientes de um benefício (2) Para pacientes com fatores de risco, deve-se medir os níveis séricos de TSH; este é o melhor exame para triagem à procura de hiper- e hipotireoidismo.

Por causa do aumento da prevalência de hipotireoidismo subclínico (definido como níveis séricos elevados de TSH, mas níveis normais de T4) em idosos, algumas autoridades recomendam a triagem anual para aqueles > 70 anos, embora tenha sido demonstrado que o nível sérico de TSH aumenta com a idade sem indicar doença. Esse aumento levou ao tratamento excessivo em até 40% dos pacientes (3); portanto, não se sabe se é benéfico tratar idosos nos quais foi detectado hipotireoidismo subclínico.

Referências sobre triagem

  1. 1. Rose SR, Wassner AJ, Wintergerst KA, et al. Congenital Hypothyroidism: Screening and Management. Pediatrics 2023;151(1):e2022060420. doi:10.1542/peds.2022-060420

  2. 2. Thyroid Disease in Pregnancy: ACOG Practice Bulletin, Number 223. Obstet Gynecol 2020;135(6):e261-e274. doi:10.1097/AOG.0000000000003893

  3. 3. Somwaru LL, Arnold AM, Joshi N, Fried LP, Cappola AR. High frequency of and factors associated with thyroid hormone over-replacement and under-replacement in men and women aged 65 and over. J Clin Endocrinol Metab 2009;94(4):1342-1345. doi:10.1210/jc.2008-1696

Exames de imagem e captação de iodo radioativo

A captação de radioiodo pode ser medida. Uma quantidade muito pequena de radioiodo é administrada por via oral ou IV e um mapeamento detecta a quantidade de radioiodo captada pela tireoide. O radioisótopo preferido é o Iodo-123, que expõe o paciente a radiação mínima (muito inferior à do Iodo-131). A captação de Iodo-123 pela tireoide varia amplamente de acordo com a ingestão de iodo e é baixa em pacientes expostos a excesso de iodo.

O exame é útil para o diagnóstico diferencial de hipertireoidismo (alta captação na doença de Graves e baixa captação na tireoidite). Também pode ser útil para auxiliar o cálculo da dose de Iodo-131 necessária para o tratamento do hipertireoidismo.

As imagens podem ser obtidas utilizando uma câmera de cintilação após administração de radioisótopos (radioiodo e pertecnetato de tecnécio 99m) para produção da representação gráfica da captação do isótopo. As áreas focais de aumento (quentes) ou diminuição (frias) de captação auxiliam a diferenciar áreas de possível câncer (os cânceres de tireoide existem em < 1% dos nódulos quentes em comparação a 10 a 20% dos nódulos frios).

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