São sintomas que ocorrem em locais distantes de um tumor ou de sua metástase.
Embora a patogênese permaneça sem clareza, esses sintomas podem ser secundários às substâncias secretadas pelo tumor ou podem ser o resultado de anticorpos dirigidos contra tumores que reagem de forma cruzada com outros tecidos. Os sintomas podem ocorrer em qualquer órgão ou sistema fisiológico. Até 20% dos pacientes com câncer sofrem síndromes paraneoplásicas, mas essas crises quase sempre não são reconhecidas.
Os tipos mais comuns de câncer associados às síndromes paraneoplásicas incluem
Carcinoma pulmonar (mais comum), especialmente câncer de pulmão de células pequenas
Cânceres neuroendócrinos
Um tratamento bem-sucedido é alcançado controlando o câncer subjacente, mas pode-se controlar alguns sintomas com fármacos específicos (p. ex., ciproeptadina ou análogos de somatostatina para síndrome carcinoide, bisfosfonatos e corticoides para hipercalcemia).
Sintomas paraneoplásicos gerais
Os pacientes com câncer geralmente apresentam febre, sudorese noturna, anorexia e caquexia. Esses sintomas podem surgir pela liberação de linfocinas envolvidas na resposta inflamatória ou imunitária ou por mediadores envolvidos em mortes das células tumorais, como o fator de necrose tumoral alfa. Alterações na função do fígado e esteroidogênese também podem contribuir.
Síndromes paraneoplásicas cutâneas
Os pacientes podem ter muitos sintomas cutâneos.
Prurido é o sintoma cutâneo mais comum apresentado por pacientes com câncer (p. ex., leucemia, doença de Hodgkin, neoplasias mieloproliferativas e linfomas) e pode também resultar de hipereosinofilia ou mastocitose.
Rubor também pode ocorrer e está provavelmente relacionado com as substâncias vasoativas circulantes geradas pelo tumor (p. ex., prostaglandinas, histamina, serotonina).
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Lesões cutâneas pigmentadas ou queratoses podem aparecer, incluindo acantose nigricans (câncer gastrointestinal), melanose dérmica generalizada (linfoma, melanoma, carcinoma hepatocelular), doença de Bowen (neoplasia de pulmão, dos tratos gastrointestinal e geniturinário), e grandes e múltiplas queratoses seborreicas, isto é, sinais de Leser-Trélat (linfoma, câncer gastrointestinal).
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Herpes-zóster pode resultar da reativação do vírus latente no contexto de depressão ou disfunção do sistema imunitário.
Síndromes paraneoplásicas endócrinas
O sistema endócrino quase sempre é afetado por síndromes paraneoplásicas.
Síndrome de Cushing (excesso de cortisol, causando hiperglicemia, hipopotassemia, hipertensão, obesidade central, “face de lua”), pode resultar da produção ectópica de ACTH ou moléculas como ACTH, com mais frequência, com câncer de pulmão de células pequenas.
Anormalidades hídricas e do equilíbrio de eletrólitos, incluindo hiponatremia, podem resultar da produção de vasopressina e hormônios do tipo hormônio paratireoideo (PTHRP, parathyroid hormone-related peptide) decorrente de câncer de pulmão de células pequenas e não pequenas.
Hipoglicemia pode resultar da produção de fatores de crescimento tipo insulina ou da produção de insulina por tumor de células das ilhotas pancreáticas ou hemangiopericitomas, ou grandes tumores retroperitoneais.
Hiperglicemia refratária pode ocorrer por causa de tumores pancreáticos que produzem glucagon.
Hipertensão pode resultar secreção anormal de adrenalina e da secreção de noradrenalina (feocromocitomas) ou do excesso de cortisol (tumores que secretam ACTH).
Outros hormônios produzidos ectopicamente incluem o parathyroid hormone-related peptide (PTHRP) — decorrente de câncer de pulmão de células escamosas, câncer de cabeça e pescoço, câncer de bexiga, calcitonina (de câncer de mama, câncer de pulmão de células pequenas e carcinoma tireoideo medular) e hormônio tireoestimulante (de coriocarcinoma gestacional). PTHRP provoca hipercalcemia e seus sintomas associados (poliúria, desidratação, obstipação, fraqueza muscular); calcitonina causa queda do nível de cálcio sérico, levando a contrações musculares e arritmias cardíacas.
Síndromes paraneoplásicas gastrintestinis
Diarreia aquosa com desidratação subsequente e desequilíbrios de eritrócitos podem resultar de secreção de prostaglandinas relacionadas ao tumor ou de peptídeo intestinal vasoativo. Os tumores implicados incluem tumores de células das ilhotas pancreáticas (gastrinoma) e outros.
Os tumores carcinoides geram produtos da degradação de serotonina que causam rubor, diarreia e dificuldade de respirar. Enteropatias que perdem proteína podem resultar da inflamação da massa tumoral, particularmente com linfomas.
Síndromes paraneoplásicas hematológicas
Os pacientes com câncer podem desenvolver aplasia pura de eritrócitos, anemia de doença crônica, leucocitose (reação leucemoide), trombocitose, eosinofilia, basofilia e coagulação intravascular disseminada (CID). Além disso, trombocitopenia imunitária e anemia hemolítica com teste de Coombs positivo podem complicar o curso de cânceres linfoides e linfoma de Hodgkin. A eritrocitose pode ocorrer em vários tipos de câncer, especialmente em cânceres renais e hepatomas, em decorrência da produção ectópica de eritropoetina ou substâncias do tipo eritropoetina e, às vezes, gamopatias monoclonais podem estar presentes. A mielodisplasia pode estar associada com eliptocitose (20q-), aplasia eritrocitária pura, doença da hemoglobina H adquirida e hipoplasia da medula óssea responsiva à imunossupressão.
Os mecanismos de anormalidades hematológicas demonstrados incluem substâncias geradas no tumor que imitam ou bloqueiam sinais endócrinos normais do desenvolvimento da linhagem celular hematológica e geração de anticorpos que reagem de modo cruzado com receptores ou linhagens celulares.
Síndromes paraneoplásicas neurológicas
Vários tipos de neuropatia periférica estão entre as síndromes paraneoplásicas neurológicas. Síndromes cerebelares e outras síndromes paraneoplásicas neurológicas também ocorrem.
Neuropatia periférica consiste na síndrome paraneoplásica mais comum. É normalmente uma polineuropatia sensorimotora distal que produz leve fraqueza motora, perda sensorial e ausência de reflexos distais.
Neuropatia sensorial subaguda é uma neuropatia periférica mais específica, porém rara. A degeneração dos gânglios da raiz dorsal e a perda sensorial progressiva com ataxia, mas com pouca fraqueza motora, se desenvolvem; o distúrbio pode ser incapacitante. Anti-Hu, um autoanticorpo, é encontrado no sangue de alguns pacientes com câncer de pulmão. Não há tratamento.
Síndrome de Guillain-Barré, outra neuropatia periférica ascendente, é um resultado raro na população geralmente e provavelmente mais comum em pacientes com linfoma de Hodgkin.
Síndrome de Eaton-Lambert é uma síndrome imunomediada, do tipo miastenia, com fraqueza que, geralmente, afeta os membros e poupa os músculos ocular e bulbar. É pré-sináptica, resultando da liberação deficiente de acetilcolina das terminações nervosas. Um anticorpo IgG está envolvido. A síndrome pode preceder, ocorrer com, ou se desenvolver após o diagnóstico do câncer. Acontece com mais frequência em homens com tumores intratorácicos (70% apresentam carcinoma de pulmão de células pequenas ou oat cells). Os sinais e sintomas incluem fadiga, fraqueza, dor nos músculos do membro proximal, parestesias periféricas, secura na boca, disfunção erétil e ptose. Os reflexos tendíneos profundos são reduzidos ou perdidos. O diagnóstico é confirmado pela descoberta de uma resposta incremental à estimulação repetitiva do nervo: a amplitude do potencial de ação muscular composto aumenta > 200% em taxas > 10 Hz. O tratamento é primeiramente direcionado à neoplasia de base e, algumas vezes, induz à remissão. A amifampridina é um bloqueador do canal de potássio que prolonga a despolarização terminal do nervo pré-sináptico e pode melhorar a liberação de acetilcolina. A dose inicial recomendável de amifampridina é de 15 mg a 30 mg/dia, tomada por via oral em doses divididas (3 a 4 vezes/dia). A amifampridina pode causar convulsões e é contraindicada em pessoas com transtornos convulsivos. Se a amifampridina não é tolerada ou não está disponível, a alternativa é a guanidina (inicialmente 125 mg por via oral 4 vezes ao dia gradualmente aumentada até o máximo de 35 mg/kg), que facilita a liberação da acetilcolina, frequentemente diminui os sintomas, mas pode deprimir as funções da medula óssea e do fígado. Corticoides e troca plasmática beneficiam alguns pacientes.
Degeneração cerebelar subaguda ocasiona ataxia bilateral progressiva no membro inferior e no membro superior, disartria e algumas vezes vertigem e diplopia. Os sinais neurológicos podem incluir demência com ou sem sinais do tronco cerebral, oftalmoplegia, nistagmo e sinais plantares extensores com disartria proeminente e envolvimento do membro superior. A degeneração cerebelar normalmente progride por semanas a meses, causando, muitas vezes, deficiência profunda. A degeneração cerebelar pode preceder a descoberta de câncer por semanas a anos. Um anticorpo circulante, anti-Yo, é encontrado no sangue e no líquido cefalorraquidiano de alguns pacientes, em especial em mulheres com câncer de mama ou ovário. TC ou RM pode mostrar atrofia cerebelar, sobretudo na doença avançada. As alterações patológicas características incluem perda disseminada de células de Purkinje e formação de bainha linfocítica de vasos sanguíneos profundos. O líquido cefalorraquidiano ocasionalmente apresenta pleocitose linfocítica leve. O tratamento não é específico, mas alguma melhora pode ocorrer depois de terapia de câncer bem-sucedida.
Opsoclonia (movimentos espontâneos caóticos dos olhos) consiste em síndrome cerebelar rara que pode acompanhar o neuroblastoma na infância. Está associada à ataxia cerebelar e à mioclonia do tronco e das extremidades. Um anticorpo circulante, anti-Ri, pode estar presente. A síndrome responde, com frequência, aos corticoides e ao tratamento de câncer.
Neuropatia motora subaguda é um distúrbio raro que causa fraqueza sem dor no neurônio motor inferior dos membros superiores e inferiores, normalmente em pacientes com linfoma de Hodgkin ou outros linfomas. As células córneas anteriores se degeneram. Melhora espontânea normalmente ocorre.
Mielopatia necrótica subaguda é uma síndrome rara em que ocorrem perda motora e sensorial ascendente rápida na massa cinzenta e branca da medula espinal, levando à paraplegia. RM ajuda a descartar a compressão epidural do tumor metastático — uma causa muito mais comum da disfunção progressiva rápida da medula espinal em pacientes com câncer. RM pode evidenciar necrose da medula espinal.
Encefalite pode ocorrer como uma síndrome paraneoplásica, tomando diferentes formas, dependendo da área do cérebro envolvida. A encefalite global tem sido proposta para explicar a encefalopatia que ocorre com mais frequência no câncer de pulmão de células pequenas. A encefalite límbica caracteriza-se por ansiedade e depressão, provocando perda de memória, agitação, confusão, alucinações e anormalidades de comportamento. Anticorpos anti-Hu, direcionados contra proteínas de ligação de RNA, podem estar no soro e no líquido espinal. RM pode revelar áreas de aumento de captação do contraste e edema.
Síndrome paraneoplásica renal
Glomerulonefrite membranosa pode ocorrer em pacientes com câncer de colo, câncer de ovário e linfoma como resultado dos complexos imunes circulantes.
Síndromes paraneoplásicas reumatológicas
Distúrbios reumatológicos mediados por reações autoimunes também podem ser uma manifestação de síndromes paraneoplásicas.
Artropatias (poliartrite reumática, polimialgia), policondrite, ou esclerose sistêmica podem se desenvolver em pacientes com cânceres hematológicos, como mielodisplasia ou leucemia mielomonocítica crônica ou com cânceres de colo, pâncreas ou próstata. Esclerodermia ou lúpus eritematoso sistêmico também pode se desenvolver em pacientes com cânceres de pulmão e ginecológico.
Osteoartropatia hipertrófica é evidente em certos tipos de câncer de pulmão e manifesta-se como edema doloroso das articulações (joelhos, tornozelos, punhos, cotovelos, articulações metacarpofalângicas) com derrame, algumas vezes, baqueteamento digital.
Amiloidose secundária pode ocorrer com mieloma, linfomas ou carcinomas das células renais.
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Dermatomiosite e, em menor grau, polimiosite são consideradas mais comuns em pacientes com câncer, em especial naqueles com > 50 anos de idade. A fraqueza muscular proximal é tipicamente progressiva com inflamação e necrose muscular patologicamente demonstrável. Um exantema eritematoso escuro em forma de borboleta, com coloração heliotrópica, pode se desenvolver nas bochechas com edema periorbital. Corticoides podem ser úteis.