Tratamento antirretroviral da infecção pelo HIV

PorEdward R. Cachay, MD, MAS, University of California, San Diego School of Medicine
Revisado/Corrigido: mai. 2024
Visão Educação para o paciente

Como as complicações relacionadas à doença podem ocorrer em pacientes não tratados com contagens altas de CD4 e como antirretrovirais menos tóxicos foram desenvolvidos, agora recomenda-se terapia antirretroviral (TARV) para todos os pacientes. Os benefícios da TARV superam os riscos em todos os grupos de pacientes e cenários que foram cuidadosamente estudados.

O objetivo da TARV é

  • Reduzir os níveis plasmáticos de RNA do HIV a não detectável (isto é, < 20 a 50 cópias/mL)

  • Restaurar a contagem de CD4 a um nível normal (restauração ou reconstituição imunitária)

TARV geralmente pode alcançar seus objetivos se os pacientes tomarem os medicamentos > 95% das vezes.

Se o tratamento falhar, métodos para medir a sensibilidade ao medicamento (resistência) determinam a sensibilidade da cepa dominante de HIV a todos os medicamentos disponíveis. Testes de genotipagem também podem ser úteis.

Muitos pacientes que vivem com infecção pelo HIV tomam esquemas complexos envolvendo múltiplos comprimidos. Com a disponibilidade de novos fármacos coformulados para o HIV muitos pacientes poderiam se beneficiar da simplificação do esquema da TARV, orientado por testes para genótipo no arquivo de DNA do HIV (HIV DNA archive genotype testing).

(Ver também Tratamento da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV].)

Classes de antirretrovirais

Utilizam-se múltiplas classes de antirretrovirais na TARV. Duas classes inibem a entrada do HIV e as outras inibem uma das 3 enzimas do HIV necessária para que ele se replique dentro das células humanas; 3 classes inibem a transcriptase reversa bloqueando a atividade de DNA polimerase RNA-dependente e DNA-dependente.

  • Inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa (INTRs) são fosforilados em metabólitos ativos que competem pela incorporação ao DNA viral. Inibem a enzima transcriptase reversa do HIV de forma competitiva e eliminam a síntese das cadeias de DNA.

  • Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleotídeo (nRTI) inibem a enzima transcriptase reversa da mesma forma que os INTRs, mas não necessitam de fosforilação inicial.

  • Inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa (INNTRs) ligam-se diretamente à enzima transcriptase reversa.

  • Inibidores da protease (PI) inibem a enzima protease viral, a qual é crucial para a maturação dos variantes do HIV que se segue à saída da célula hospedeira.

  • Inibidores de entrada (EI), algumas vezes denominados inibidores de fusão, interferem com a ligação do HIV aos receptores de linfócitos CD4+ e correceptores de quimiocina; esta ligação é necessária para a entrada do HIV nas células. Por exemplo, os inibidores de CCR-5 bloqueiam o receptor CCR-5.

  • Inibidores pós-ligação se conectam ao receptor de CD4 e evitam que o HIV (que também se liga ao receptor de CD4) entre na célula.

  • Inibidores da transferência de fita de integrase impedem que o DNA do HIV seja integrado ao DNA humano.

  • Inibidores de fixação ligam-se diretamente à glicoproteína 120 do envelope viral (gp120), próximo ao local de ligação do CD4+, impedindo a alteração conformacional necessária para a interação inicial entre o vírus e os receptores na superfície das células CD4. Isso evita a ligação, e a subsequente entrada, nas células T e outras células imunes do hospedeiro.

  • Inibidores de capsídios interferem na concha de proteína (capsídeo do HIV) que protege o material genético do HIV e as enzimas necessárias para a replicação.

Esquemas antirretrovirais

Em geral, para suprimir completamente a replicação do HIV tipo selvagem, é necessária a combinação de 2, 3 ou 4 medicamentos de diferentes classes. Os fármacos específicos são escolhidos com base no seguinte:

  • Efeitos adversos previstos

  • Simplicidade do esquema

  • Doenças concomitantes (p. ex., disfunção hepática ou renal)

  • Outros fármacos tomados (para evitar interações medicamentosas)

A adesão é maximizada quando os esquemas são acessíveis e toleráveis e quando se utilizam dosagens únicas por dia (preferível) ou duas vezes/dia. As diretrizes de grupos de especialistas para iniciar, escolher, alternar e interromper a terapia e questões especiais sobre o tratamento de mulheres e crianças mudam regularmente e são atualizadas em U.S. Department of Health and Human Services website, HIVinfo.NIH.gov.

Comprimidos contendo combinações fixas de ≥ 2 medicamentos são agora amplamente utilizados para simplificar os esquemas e melhorar a adesão.

Pode-se utilizar comprimidos contendo combinações fixas de um medicamento com cobicistat, que é um potenciador farmacocinético desprovido de atividade anti-HIV para aumentar os níveis séricos do medicamento com atividade contra o HIV.

Os efeitos adversos dos comprimidos de combinação são os mesmos que aqueles para cada um dos fármacos.

Medicamentos de injeção intramuscular de ação prolongada

Esse esquema consiste em 2 antirretrovirais com uma formulação de suspensão, de ação prolongada: rilpivirina, um INNTR (inibidor não nucleosídeo da transcriptase reversa) e o cabotegravir, um inibidor da integrase. Pode-se administrar o esquema via injeção intramuscular a cada 2 meses. Os pacientes que desejam considerar esse esquema injetável devem ser adultos infectados pelo HIV que estejam em regime estável e virologicamente suprimidos (carga viral do HIV-1 < 50 cópias por mililitro), sem história de falha do tratamento e sem suspeita de resistência ou resistência conhecida à rilpivirina ou ao cabotegravir. Pacientes com infecção por hepatite B ativa são frequentemente excluídos, pois esse esquema não tem espectro de tratamento contra a hepatite B. Os pacientes muitas vezes iniciam o tratamento com cabotegravir e rilpivirina durante 4 semanas para avaliar a tolerância ao fármaco. Os efeitos adversos comuns são dor no local da injeção, febre baixa e cefaleia. As reações de hipersensibilidade pós-injeção são raras. Esse esquema injetável de ação prolongada ainda é de uso limitado em partes do mundo, que tem a maior quantidade de casos de HIV.

Interações medicamentosas

As interações entre os antirretrovirais podem aumentar ou diminuir a eficácia.

Por exemplo, a eficácia pode aumentar combinando uma dose subterapêutica de ritonavir (100 mg, uma vez ao dia) com outro inibidor de protease (IP) (p. ex., darunavir, atazanavir). O ritonavir inibe a enzima hepática que metaboliza o outro PI. Ao desacelerar a depuração da dose terapêutica dos inibidores da protease, o ritonavir aumenta os níveis séricos do outro medicamento, mantém os níveis aumentados por mais tempo, diminui o intervalo posológico e melhora a eficácia. Outro exemplo é a combinação de lamivudina (3TC) com zidovudina (AZT). O uso de ambos os fármacos em monoterapia resulta rapidamente em resistência, mas a mutação que produz resistência em respostas ao 3TC aumenta a sensibilidade do HIV ao AZT. Assim, quando utilizados juntos, são sinérgicos.

Por outro lado, a combinação de certos antirretrovirais (p. ex., ZDV e estavudina [d4T]) pode diminuir a eficácia de cada medicamento. Entretanto, essas combinações não são mais utilizadas na prática clínica.

A combinação de medicamentos muitos vezes aumenta o risco de efeitos colaterais de cada medicamento, individualmente. Os seus possíveis mecanismos incluem:

  • Metabolismo hepático dos PI pelo citocromo P-450: o resultado é a diminuição do metabolismo (e aumento dos níveis) de outros medicamentos.

  • Toxicidade aditiva: por exemplo, a combinação de INTRs de primeira geração, como estavudina (d4T) e didanosina (ddI) aumenta a probabilidade de efeitos metabólicos adversos e neuropatia periférica. Além disso, o uso de fumarato de tenofovir disoproxila (TDF) em um esquema com reforço de ritonavir aumenta os níveis plasmáticos do tenofovir disoproxila e, nos pacientes suscetíveis com certas comorbidades, causa disfunção renal.

Muitos medicamentos podem interferir nos antirretrovirais. Contraindica-se o uso de bictegravir coformulado em caso de administração concomitante de um tratamento para tuberculose contendo rifampicina ou rifabutina. Os níveis de bictegravir caem muito em razão da presença do efeito indutor da rifampicina/rifabutina e predispõem ao risco de insuficiência viral do HIV. Interações com ervas ou suplementos também podem ocorrer, por exemplo, erva de São João pode aumentar o metabolismo de IPs e ITRNN e, assim, diminuir os níveis plasmáticos de IP e ITRNN. Assim, as interações sempre devem ser verificadas antes de qualquer novo medicamento ser iniciado (ver Guidelines for the Use of Antiretroviral Agents in HIV-1-Infected Adults and Adolescents: Drug-Drug Interactions).

Efeitos adversos dos antirretrovirais

Antirretrovirais podem ter efeitos adversos graves. Alguns deles, especialmente anemia, hepatite, insuficiência renal, pancreatite e intolerância à glicose, podem ser detectados por testes sanguíneos antes de causarem sintomas. Os pacientes devem ser acompanhados regularmente, tanto do ponto de vista clínico quanto por testes laboratoriais adequados (hemograma completo para hiperglicemia, hiperlipidemia, comprometimento hepático e pancreático e insuficiência renal; urinálise), em especial depois que novos fármacos são introduzidos ou surgirem sintomas inexplicáveis.

Efeitos metabólicos consistem em síndromes inter-relacionadas da redistribuição de gordura, hiperlipidemia e resistência à insulina. A gordura subcutânea é comumente redistribuída do rosto e membros para o tronco, pescoço, mamas e abdome — um efeito estético (chamado lipodistrofia) que pode estigmatizar e angustiar os pacientes. Tratamentos faciais com injeção de colágeno ou ácido poliláctico podem ser benéficos.

Ganho de peso, obesidade central, hiperlipidemia e resistência à insulina que, em conjunto, constituem a síndrome metabólica, aumentam o risco de infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico e demência.

Antivirais de todas as classes parecem contribuir para esses efeitos metabólicos, mas IPs são aqueles mais claramente envolvidos. Alguns antirretrovirais mais antigos, como ritonovir e d4T, costumam ter efeitos metabólicos. Outras, como tenofovir disoproxil fumarato, etravirina, atazanavir ou darunavir (mesmo quando combinados com uma dose baixa de ritonavir), raltegravir e maraviroque parecem ter efeitos desprezíveis nos níveis lipídicos.

Mecanismos responsáveis pelos efeitos metabólicos parecem ser múltiplos; um deles é a toxicidade mitocondrial. O risco de efeitos metabólicos (maior com PI) e de toxicidade mitocondrial (maior com INTRs) varia de uma classe de medicamentos para outra e dentro da mesma classe (p. ex., entre os INTRs, é maior com d4T).

Os efeitos metabólicos são proporcionais à dose e, muitas vezes, começam no primeiro ou 2º ano de tratamento. Acidose láctica é incomum, mas pode ser fatal.

A doença do fígado gorduroso não alcoólica é cada vez mais reconhecida entre pacientes com HIV. Certos antirretrovirais de primeira geração causavam esteatose e, à medida que seu uso diminuiu, a incidência da esteatose caiu. No entanto, mesmo com antirretrovirais de última geração, parece haver risco de esteatose.

Efeitos a longo prazo e o gerenciamento ótimo de efeitos metabólicos não são conhecidos. Os hipolipemiantes (estatinas) e os medicamentos de sensibilização à insulina (glitazonas) podem ajudar. Deve-se aconselhar os pacientes sobre como manter uma alimentação saudável e atividade física regular como maneiras de ajudar a promover a saúde. (Ver também as recomendações da HIV Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America and the Adult AIDS Clinical Trials Group: Guidelines for the Evaluation and Management of Dyslipidemia in HIV-infected Adults Receiving Antiretroviral Therapy.)

Complicações ósseas da TARV incluem osteopenia e osteoporose assintomáticas, que são comuns. Menos comum, a necrose avascular de grandes articulações, como quadris e ombros, produz artralgias e distúrbios intensos. Os mecanismos de complicações ósseas são pouco entendidos.

Lipodistrofia (lipoatrofia) no HIV
Lipodistrofia (lipoatrofia) no HIV (1)
Lipodistrofia (lipoatrofia) no HIV (1)

    Essas imagens mostram sinais clínicos de lipodistrofia e lipoatrofia. O painel à esquerda mostra o acúmulo de tecido adiposo nas áreas cervicais posteriores, conhecido como “corcunda de búfalo” (flecha vermelha). O painel à direita mostra gordura abdominal aumentada. Os ganhos de gordura abdominal que ocorrem naqueles que vivem com o HIV se alojam na parte profunda da cavidade dos órgãos (gordura visceral). O painel à direita também mostra perda de gordura sob a pele dos braços e das pernas, conhecida como lipoatrofia.

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Imagem cedida por cortesia de Dr. Edward R. Cachay.

Lipodistrofia (lipoatrofia) no HIV (2)
Lipodistrofia (lipoatrofia) no HIV (2)

    Com o uso de fármacos antirretrovirais, a gordura corporal pode ser redistribuída da face e membros (painel à esquerda) para o tronco, mamas e abdome (painel central) e pescoço (painel à direita).

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© Springer Science+Business Media

Síndrome inflamatória de reconstituição imunitária (IRIS)

Algumas vezes, pacientes que iniciam a TARV experimentam deterioração clínica, embora os níveis de HIV no sangue estejam suprimidos e a contagem de CD4 aumente, como uma reação imunitária às infecções oportunistas subclínicas ou a antígenos microbianos residuais após o tratamento eficaz de infecções oportunistas (ver Síndrome inflamatória de reconstituição imunitária para uma discussão mais detalhada).

Interrupção da terapia antirretroviral

A interrupção da TARV costuma ser segura se todos os medicamentos forem interrompidos simultaneamente, mas os níveis dos medicamentos metabolizados lentamente (p. ex., a nevirapina) podem permanecer elevados e, assim, aumentar o risco de resistência. A interrupção pode ser necessária para o tratamento de doenças concomitantes ou se a toxicidade do medicamento for intolerável ou precisar ser avaliada. Após a interrupção, determinar quais medicamentos são responsáveis pela toxicidade, reintroduzindo-as como monoterapia, por poucos dias, é um procedimento seguro, na maioria das vezes.

Dicas e conselhos

  • Pacientes que apresentaram reação adversa ao abacavir não devem utilizar esse medicamento novamente. Se forem reexpostos ao medicamento, podem ter uma reação grave de hipersensibilidade potencialmente fatal. O risco de uma reação adversa ao abacavir é 100 vezes mais alto em pacientes com HLA-B*57:01, que pode ser detectado por um exame genético.

NOTA: a exceção mais importante é o abacavir; pacientes que apresentaram febre ou exantema durante exposição prévia ao abacavir podem desenvolver reações de hipersensibilidade intensa potencialmente fatal com a reexposição. O risco de uma reação adversa ao abacavir é 100 vezes mais alto em pacientes com HLA-B*57:01, que pode ser detectado por um exame genético.

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. Guidelines for the Use of Antiretroviral Agents in HIV-1-Infected Adults and Adolescents: Drug-Drug Interactions

  2. Primary Care Guidelines for the Management of Persons Infected with Human Immunodeficiency Virus: 2020 Update by the HIV Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America: Evidence-based guidelines for the management of people infected with HIV

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