Doença de Chagas é a infecção pelo Trypanosoma cruzi transmitida por picadas de inseto Triatominae ou, menos comumente, pela ingestão de suco de cana ou alimentos contaminados com triatomíneos infectados ou suas fezes, por transfusão de sangue ou transplante de órgão de um doador infectado ou via transmissão materno-fetal. Os sintomas depois de uma picada de Triatominae costumam começar com lesão cutânea ou edema periorbitário unilateral, evoluindo então para febre, mal-estar, linfadenopatia generalizada e hepatoesplenomegalia; anos mais tarde, 20 a 30% dos pacientes infectados desenvolvem arritmias, cardiomiopatia crônica ou, menos comumente, megaesôfago ou megacólon. Nos pacientes com aids, a pele ou o cérebro podem ser comprometidos. O diagnóstico é feito pela detecção de tripanossomos no sangue periférico ou em aspirado de órgãos infectados. Testes de anticorpos são sensíveis e podem ser úteis. O tratamento é com nifurtimox ou benznidazol; contudo, os antiparasitários não revertem o curso da doença cardíaca ou intestinal que se desenvolveu.
A causa da doença de Chagas é Trypanosoma cruzi. A infecção é transmitida aos seres humanos quando picados por percevejos Triatominae (reduviídeos) nas Américas do Sul e Central, no México e muito raramente nos Estados Unidos. Menos comumente, T. cruzi é transmitido por ingestão de suco de cana de açúcar ou alimentos contaminados por percevejos Triatominae ou suas fezes, por via transplacentária da mãe infectada para o feto ou por transfusão de sangue ou transplante de órgão de um doador infectado.
Reservatórios não humanos são cães domésticos, gambás, tatus, ratos, guaxinins e muitos outros animais.
Em todo o mundo, estima-se que 8 milhões de pessoas estejam infectadas pelo T. cruzi. A maioria reside na América Latina, mas cerca de 300.000 das pessoas infectadas na América Latina agora moram nos Estados Unidos; outros moram na Europa ou em outros lugares (ver Centers for Disease Control and Prevention: Epidemiology & Risk Factors). A incidência da infecção por T. cruzi diminuiu na América Latina por causa das melhoras das condições de moradia, da triagem dos doadores de sangue e de órgãos, e por outras medidas de controle.
Estima-se que haja 40.000 mulheres infectadas por T. cruzi em idade fértil nos Estados Unidos. Estima-se que 1 a 5% dos seus filhos nascem com infecção congênita.
Fisiopatologia da doença de Chagas
A doença de Chagas é mais comumente transmitida quando o barbeiro (Triatoma infestans) pica uma pessoa ou animal infectado, e então pica outra pessoa. Enquanto picam, os insetos infectados depositam na pele as fezes contendo tripomastigotas metacíclicos. Essas formas infecciosas entram pela lesão da picada ou penetram na conjuntiva ou nas mucosas.
Os parasitas invadem macrófagos no local de entrada, transformam-se em amastigotas que se multiplicam por divisão binária e são liberados como tripomastigotas no sangue e em espaços teciduais, de onde infectam outras células. Células do sistema reticuloendotelial, do miocárdio, dos músculos e dos sistema nervoso geralmente estão envolvidas.
Image from the Centers for Disease Control and Prevention, Global Health, Division of Parasitic Diseases and Malaria.
Sinais e sintomas da doença de Chagas
A infecção por T. cruzi tem 3 estágios:
Aguda
Crônica indeterminada
Crônica
A infecção aguda é seguida por um período latente (crônico indeterminado), que pode permanecer assintomático ou progredir para doença crônica. A imunossupressão pode reativar a infecção, provocando alta parasitemia e, em algumas pessoas, lesões cutâneas ou encefálicas.
Aguda
A infecção aguda por T. cruzi em áreas endêmicas normalmente ocorre na infância e pode ser assintomática. Quando apresenta sintomas, estes se iniciam 1 a 2 semanas após a exposição. Uma lesão de pele endurecida e eritematosa (um chagoma) aparece no local de entrada do parasita. Quando o local de inoculação é a conjuntiva, edema periocular unilateral e palpebral com conjuntivite e linfadenopatia pré-auricular são chamados coletivamente de sinal de Romaña.
CDC image courtesy of the WHO/TDR Image Library.
A doença de Chagas aguda é fatal em uma porcentagem pequena de pacientes, em decorrência de miocardite aguda com insuficiência cardíaca ou meningoencefalite aguda. No restante, os sintomas cedem sem tratamento.
A doença de Chagas aguda primária em pacientes imunocomprometidos, como aqueles com aids, pode ser grave e atípica, com lesões cutâneas e, raramente, lesões encefálicas com realce anelar.
As infecções congênitas são em sua maioria assintomáticas, mas em 10 a 40% dos casos ocorrem manifestações inespecíficas, incluindo prematuridade, baixo peso ao nascer, febre, hepatosplenomegalia, anemia e trombocitopenia. Raramente, a doença fulminante pode resultar em morte. Os sinais de infecção aguda desaparecem mesmo sem tratamento na maioria das infecções congênitas.
Crônica indeterminada
Pacientes com infecção crônica indeterminada têm evidências parasitológicas e/ou sorológicas de infecção por T. cruzi, mas não têm sintomas, achados físicos anormais nem evidências de envolvimento cardíaco ou gastrointestinal como avaliado por ECG, ultrassonografia cardíaca, radiografias ou outros exames.
A identificação de muitos pacientes infectados é por ELISA e ensaio de radioimunoprecipitação (RIPA) confirmatório ao doarem sangue.
Crônica com envolvimento cardíaco ou do trato intestinal
A doença de Chagas crônica se desenvolve em 20 a 30% dos pacientes depois da fase crônica indeterminada, que pode perdurar por anos ou décadas. Os parasitas provavelmente estão presentes na doença crônica; uma reação autoimune também pode contribuir para danos aos órgãos. Os principais efeitos são
Cardíaco
Gastrointestinal
Doença cardíaca geralmente se manifesta com anormalidades na condução, incluindo bloqueio de ramo direito ou bloqueio fascicular anterior esquerdo. Em geral, a cardiomiopatia crônica é seguida por dilatação flácida de todas as câmaras, aneurisma apical e progressão das lesões no sistema de condução. Pacientes podem ter insuficiência cardíaca, síncope, morte súbita resultante de bloqueio cardíaco ou arritmia ventricular e tromboembolia. Eletrocardiograma (ECG) pode mostrar bloqueio completo ou do ramo direito do coração.
Doença gastrointestinal se manifesta com sintomas que lembram acalasia ou doença de Hirschsprung. O megaesôfago de Chagas apresenta-se com disfagia e pode conduzir a infecções pulmonares por aspiração ou por desnutrição grave. Megacólon pode resultar em períodos prolongados de obstipação e vólvulo intestinal.
Diagnóstico da doença de Chagas
Microscopia óptica de esfregaços de sangue (finos ou espessa) ou de tecido (doença de Chagas aguda)
Sorologia confirmada por um segundo teste
Testes baseados na reação em cadeia da polimerase
O número de tripanossomas no sangue periférico é alto durante a fase aguda da doença de Chagas podendo ser prontamente detectado pelo exame das lâminas com amostras de sangue finas ou espessas. Em contraste, poucos parasitas estão presentes no sangue durante infecção latente ou doença crônica. O diganóstico definitivo da doença de Chagas também pode ser feito no estágio agudo pelo exame de tecido de linfonodos ou cardíaco.
Nos pacientes imunocompetentes com doença de Chagas crônica, a sorologia, como coloração de anticorpos por fluorescência indireta (IFA), os imunoensaios enzimáticos (EIA) ou os ensaios de imunoadsorção enzimática (ELISA), costumam ser feitos para detectar os anticorpos contra o T. cruzi. As sorologias são sensíveis, mas podem gerar resultados falso-positivos nos pacientes com leishmaniose ou outras doenças. Assim, um teste positivo inicial é seguido por um ou mais testes diferentes [tipicamente, ensaio de radioimunoprecipitação (RIPA) nos Estados Unidos] ou, às vezes, microscopia óptica das amostras de sangue ou de tecido para confirmar o diagnóstico. As sorologias também são utilizadas para a triagem de T. cruzi nos doadores de sangue nas regiões endêmicas e nos Estados Unidos.
Utilizar PCR (polymerase chain reaction) quando a parasitemia for provavelmente alta, como ocorre na doença de Chagas aguda, na doença de Chagas transplacentária (congênita) ou após a transmissão via transfusão de sangue, transplante ou exposição laboratorial. Nas regiões endêmicas, o xenodiagnóstico tem sido utilizado; é feito pelo examine do conteúdo intestinal de triatomíneos criados em laboratório depois de picarem uma pessoa com doença de Chagas.
Exames adicionais para os pacientes com doença de Chagas crônica
Depois que a doença de Chagas é diagnosticada, deve-se fazer os seguintes exames, dependendo dos achados:
Ausência de sintomas, porém infecção por T. cruzi confirmada: ECG de triagem com traçado do ritmo e radiografia de tórax
Potenciais alterações cardíacas nos exames de triagem ou sinais e/ou sintomas sugestivos de doença cardíaca: ecocardiografia
Disfagia ou outros sintomas ou achados gastrointestinais (GI): exames com contraste e/ou endoscopia
Tratamento da doença de Chagas
Benznidazol ou nifurtimox
Cuidados de suporte
O tratamento da doença de Chagas em estágio agudo com antiparasitários promove:
Redução rápida da parasitemia
Encurtamento da doença clínica
Redução do risco de mortalidade
Diminuição da probabilidade de doença crônica
Indica-se o tratamento antiparasítico para todos os casos de doença de Chagas aguda, congênita ou reativada e para infecção crônica indeterminada em crianças com até 18 anos de idade. Quanto mais jovem for o paciente e mais precoce o início do tratamento, maior a probabilidade do tratamento levar à cura parasitológica.
A eficácia do tratamento diminui à medida que a duração da infecção se prolonga, e os efeitos adversos são mais prováveis em adultos. Indica-se tratamento para crianças de até 18 anos infectadas por T. cruzi. Recomenda-se para aqueles com 18 a 50 anos, a menos que haja evidências de doença cardíaca ou gastrointestinal (GI) avançada. Para os pacientes > 50 anos, o tratamento é individualizado de acordo com os potenciais riscos e benefícios.
Depois da manifestação avançada de sinais gastrointestinal ou cardíacos, não se recomenda antiparasitários.
Medidas de suporte incluem tratamento para insuficiência cardíaca, marca-passos marca-passos para bloqueio cardíaco, medicamentos antiarrítmicos, transplante cardíaco, dilatação esofágica, injeção de toxina botulínica no esfíncter esofágico inferior e cirurgia do trato gastrointestinal para megacólon.
Os únicos antiparasitários eficazes são
Benznidazol: para adultos e crianças > 12 anos de idade, 2,5 a 3,5 mg/kg por via oral duas vezes ao dia durante 60 dias
Para crianças ≤ 12 anos de idade, 2,5 a 3,75 mg/kg duas vezes ao dia, durante 60 dias
Nifurtimox: para pacientes ≥ 17 anos, 2 a 2,5 mg/kg, por via oral, 4 vezes ao dia, durante 90 dias
Para crianças de 11 a 16 anos de idade, 3 a 3,75 mg/kg, 4 vezes ao dia, durante 90 dias
Para crianças de 1 a 10 anos de idade, 4 a 5 mg/kg, 4 vezes ao dia, durante 90 dias
Em geral, o benznidazol é mais bem tolerado, e a duração do tratamento é mais curta. Tanto o benznidazol como o nifurtimox têm toxicidade substancial, que aumenta com a idade. Contraindicações para o tratamento são a doença hepática ou renal grave. Crianças pequenas costumam tolerar o tratamento melhor do que adultos. Quando as mulheres são diagnosticadas com doença de Chagas durante a gestação, o tratamento costuma ser adiado até o parto, e o lactante é então tratado se infectado.
Os efeitos adversos comuns do benznidazol são dermatite alérgica, anorexia, perda ponderal, neuropatia periférica e insônia.
Os efeitos adversos comuns do nifurtimox são anorexia, náuseas, vômitos, perda ponderal, polineuropatia, cefaleia, tontura e vertigem.
A recomendação é esses medicamentos não sejam administrados para gestantes ou nutrizes.
Prevenção da doença de Chagas
Para controlar insetos Triatominae, devem-se rebocar paredes e substituir telhados colmados, ou borrifar as casas repetidas vezes com inseticidas residuais (de ação prolongada). A infecção em viajantes é rara e pode ser evitada não dormindo em moradias de barro ou, se isso for inevitável, utilizar mosquiteiros.
Outra medida preventiva é evitar suco de cana-de-açúcar fresco ou outros alimentos que possam estar contaminados.
O rastreamento de mulheres em idade fértil em risco e o tratamento antes da gestação reduzem a probabilidade de infecção congênita.
Muitas áreas endêmicas fazem a triagem dos doadores de sangue e órgãos e, desde 2006, os Estados Unidos também, para evitar a doença de Chagas relacionada com a transfusão e o transplante de órgãos contaminados com o tripanossoma.
Pontos-chave
A causa da doença de Chagas é Trypanosoma cruzi, que é transmitido por percevejos Triatominae (reduviídeos).
A infecção é endêmica nas Américas Central e do Sul e no México; estima-se que 8 milhões de pessoas estejam infectadas em todo o mundo, incluindo 300.000 pessoas nos Estados Unidos (principalmente imigrantes).
A infecção aguda é seguida por um período crônico indeterminado, em que pode permanecer assintomática, mas em 20 a 30% dos pacientes, progride para doença crônica, que afeta especialmente o coração e/ou trato gastrointestinal (GI).
O diagnóstico da doença de Chagas aguda é por microscopia óptica de esfregaços de sangue (finos ou espessos) ou testes baseados em PCR.
O diagnóstico da infecção crônica pelo T. cruzi é feito por triagem com ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA) no sangue e ensaio de radioimunoprecipitação (RIPA) confirmatório ou outros ensaios para anticorpos.
Utilizar PCR para avaliar os casos potencialmente transmitidos por via transplacentária ou por hemotransfusão, transplante de órgãos ou exposição laboratorial.
Para detectar a doença de Chagas crônica, fazer ecocardiografia se os pacientes tiverem sintomas sugestivos de doença cardíaca ou potenciais alterações cardíacas por radiografia de tórax ou traçado do ritmo pelo ECG; fazer exames com contraste ou endoscopia gastrointestinal se os pacientes tiverem disfagia ou algum outro sintoma gastrointestinal.
Utilizam-se os antiparasitários benzonidazol ou nifurtimox para tratar a doença de Chagas aguda, congênita ou reativada. Também são utilizados para infecção crônica em crianças de até 18 anos. São fortemente recomendados para adultos de 18 a 50 anos que não têm doença cardíaca avançada ou evidências de doença gastrointestinal. Para pacientes > 50 anos com infecção crônica, o tratamento é individualizado com base no equilíbrio entre os riscos e os benefícios.
Antiparasitários não são eficazes em pacientes com doença de Chagas avançada que afeta o coração e o trato gastrointestinal, mas medidas de suporte (p. ex., tratamento da insuficiência cardíaca, marca-passo para bloqueio cardíaco, fármacos antiarrítmicos, transplante de coração, dilatação esofágica, injeção de toxina botulínica no esfíncter esofágico inferior e cirurgia do trato GI) costumam ser úteis.
Informações adicionais
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