Caracteriza-se por busca incansável por magreza, medo mórbido da obesidade, imagem distorcida do corpo, e restrição da ingestão relativa à necessidade, levando a peso corporal significativamente baixo. O diagnóstico é clínico. A maior parte do tratamento consiste em alguma forma de psicoterapia e terapia comportamental. O engajamento da família é crucial para o tratamento de pacientes mais jovens. Olanzapina pode ajudar com o ganho de peso.
(Ver também Introdução aos transtornos alimentares.)
A anorexia nervosa ocorre predominantemente em meninas e mulheres jovens. O início geralmente ocorre na adolescência e raramente depois dos 40 anos.
São reconhecidos dois tipos de anorexia nervosa:
Tipo restritivo: os pacientes restringem o consumo de alimentos, mas não se envolvem regularmente em episódios de compulsão alimentar ou em comportamentos purgativos; alguns pacientes se exercitam excessivamente.
Tipo compulsão alimentar/purgativo: pacientes têm regularmente episódios de compulsão alimentar e/o então induzem vômitos e/ou abusam de laxantes, diuréticos ou enemas.
Episódios de compulsão alimentar são definidos como o consumo de quantidade de alimentos muito maior do que a maioria das pessoas comeria em período de tempo semelhante sob circunstâncias similares com perda de controle, isto é, com a percepção de incapacidade de resistir ou parar de comer.
Etiologia da anorexia nervosa
A etiologia da anorexia nervosa é desconhecida.
Além do gênero feminino, poucos fatores de risco foram identificados. Em algumas culturas, a obesidade é considerada não atraente, não saudável e o desejo de ser magro é disseminado mesmo entre crianças. Mais de 50% das meninas pré-púberes nos Estados Unidos fazem dieta ou tomam outras medidas para controlar o peso. A preocupação excessiva com o peso ou o histórico de fazer dieta parecem indicar um risco aumentado; há uma predisposição genética, e estudos genômicos amplos começaram a identificar loci específicos que estão associados a maior risco.
Fatores sociais e familiares provavelmente desempenham um papel. Muitos pacientes pertencem às classes socioeconômicas médias ou superiores, são meticulosos, compulsivos têm inteligência média e padrões muito altos de realização e sucesso.
Fisiopatologia da anorexia nervosa
Alteraões endócrinas são comuns na anorexia nervosa; como
Níveis baixos de hormônios gonadais
Níveis moderadamente reduzidos de tiroxina (T4) e tri-iodotironina (T3)
Aumento da secreção de cortisol
A menstruação normalmente cessa, mas a cessação da menstruação não é mais um critério para o diagnóstico. A densidade óssea declina. Em pacientes gravemente desnutridos, virtualmente todos os sistemas de órgãos principais podem ser afetados. Mas a suscetibilidade a infecções tipicamente não aumenta.
Pode haver desidratação e alcalose metabólica e o potássio e/ou sódio sérico pode estar baixo; tudo isso é agravado por vômitos induzidos e uso de laxantes ou diuréticos.
Massa muscular cardíaca, tamanho das câmaras e débito cardíaco diminuem; prolapso de valva mitral é detectado comumente. Alguns pacientes apresentam prolongamento do intervalo QT (mesmo quando corrigido para a frequência cardíaca), o que, com os riscos impostos pelos distúrbios eletrolíticos, pode predispor a taquiarritimias. Morte súbita, mais provavelmente secundária às taquiarritimias ventriculares, pode ocorrer.
Sinais e sintomas da anorexia nervosa
A anorexia nervosa pode ser leve e transitória ou grave e persistente.
Embora abaixo do peso, a maioria dos pacientes esteja preocupada com sobrepeso ou quais áreas específicas do corpo (p. ex., coxas, região glútea) estão muito gordas. Seus esforços para perder peso são persistentes apesar das garantias e avisos de amigos e membros da família de que são magros ou mesmo significativamente abaixo do peso, e eles veem qualquer ganho de peso como uma falha inaceitável de autocontrole. A preocupação com a ansiedade em relação ao peso aumenta, mesmo quando ocorre emagrecimento.
O termo anorexia é um termo errôneo, pois o apetite continua até que os pacientes tornam-se significativamente caquéticos. Os pacientes se preocupam com alimentos:
Podem estudar dietas e calorias.
Podem armazenar, esconder e desperdiçar alimentos.
Podem colecionar receitas.
Podem preparar refeições elaboradas para outras pessoas.
Os pacientes frequentemente exageram a ingestão alimentar e escondem comportamentos como a indução de vômito. A ingestão compulsiva de alimentos/purgação ocorre em 30 a 50% dos pacientes. Os outros simplesmente restringem a quantidade de alimento que ingerem.
Muitos pacientes com anorexia nervosa também se exercitam excessivamente para controlar o peso. Mesmo pacientes caquéticos tendem a permanecer muito ativos (inclusive seguindo programas de exercícios vigorosos).
Os relatos de distensão e desconforto abdominal e obstipação são comuns. A maioria das mulheres com anorexia nervosa para de menstruar. Os pacientes geralmente perdem o interesse por sexo. Depressão ocorre com frequência.
Os achados físicos comuns incluem bradicardia, pressão arterial baixa, hipotermia, lanugem (cabelo macio e fino geralmente encontrado somente em neonatos) ou hirsutismo leve e edema. A gordura corporal é significativamenete reduzida. Pacientes que vomitam com frequência podem apresentar erosão do esmalte dentário, aumento não doloroso das glândulas salivares e/ou esôfago inflamado.
Diagnóstico da anorexia nervosa
Critérios clínicos
Não reconhecer a gravidade do baixo peso corporal e ingestão restritiva são características proeminentes da anorexia nervosa. Pacientes que resistem à avaliação e ao tratamento; em geral, são levados ao médico por membros da família ou por causa de enfermidade intercorrente.
Critérios clínicos para o diagnóstico da anorexia nervosa (1) incluem:
Restrição da ingestão de alimentos resultando em peso corporal significativamente baixo
Medo de ganho excessivo de peso ou obesidade (indicado especificamente pelo paciente ou manifestado como um comportamento que interfere no ganho de peso)
Distúrbio da imagem corporal (percepção equivocada do peso e/ou aparência corporal) ou negação da gravidade da doença
Em adultos, define-se peso corporal baixo pelo índice de massa corporal (IMC). IMC < 17 kg/m2 é considerado significativamente baixo; IMC 17 a < 18,5 kg/m2 pode ser significativamente baixo dependendo do ponto de partida do paciente.
Para crianças e adolescentes, utiliza-se o percentil de IMC para a idade; o 5º percentil geralmente é dado como o ponto de corte. Mas também pode-se considerar crianças acima do 5º percentil que não mantiveram sua trajetória de crescimento projetada como atendendo o critério para baixo peso corporal; o percentil de IMC para faixas etárias e tabelas de crescimento padrão estão disponíveis do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) (ver CDC Growth Charts). Calculadoras de IMC distintas estão disponíveis para crianças e adolescentes.
Os pacientes podem parecer bem e ter poucas alterações, se tiverem alguma, nos exames de sangue. O segredo do diagnóstico é identificar esforços ativos persistentes para evitar ganho de peso e medo intenso de obesidade que não diminui com a perda ponderal.
Diagnóstico diferencial
Outros doenças psiquiátricas, como esquizofrenia ou depressão primária, podem causar perda ponderal e relutância em comer, mas os pacientes com esses transtornos não têm imagem distorcida do corpo.
Raramente, um distúrbio físico grave não reconhecido pode causar perda ponderal substancial. As enfermidades a serem consideradas incluem síndromes de má absorção (p. ex., provocadas por doença inflamatória intestinal ou doença celíaca), diabetes tipo 1 de instalação recente, insuficiência suprarrenal e câncer. O abuso de anfetaminas pode produzir sintomas parecidos.
Referência sobre diagnóstico
1. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition Text Revision, DSM-5-TRTM, Feeding and eating disorders.
Prognóstico para anorexia nervosa
As taxas de mortalidade são elevadas, aproximando-se de 10% por década entre as pessoas afetadas que se apresentam para atenção clínica; é provável que doença leve não reconhecida raramente leve à morte. Com tratamento, o prognóstico é como a seguir:
Metade dos pacientes recupera a maior parte ou todo o peso perdido, revertendo qualquer outra complicação endócrina ou de outro tipo.
Cerca de um quarto tem desfechos intermediários e pode recair.
A quarta parte restante tem resultado ruim, incluindo recidivas e complicações físicas e mentais persistentes
O resultado do tratamento da anorexia nervosa em crianças e adolescentes é melhor do que em adultos.
Tratamento da anorexia nervosa
Suplementação da nutrição
Psicoterapia (p. ex., terapia cognitivo-comportamental)
Para crianças e adolescentes, tratamento familiar
Às vezes, antipsicóticos de 2ª geração
O tratamento da anorexia nervosa pode exigir intervenção a curto prazo que salva a vida e restauração do peso corporal. Quando a perda ponderal for grave, rápida ou quando o peso cair abaixo de cerca de 75% do peso recomendado, a restauração imediata do peso torna-se crucial e a internação deve ser considerada. Se qualquer dúvida existir, o paciente deve ser hospitalizado.
Tratamentos ambulatoriais podem incluir diferentes graus de apoio e supervisão e geralmente envolvem uma equipe de profissionais.
Suplementação nutricional é frequentemente utilizada com terapia comportamental que tem objetivos claros de restauração do peso. A suplementação nutricional começa fornecendo cerca de 30 a 40 kcal/kg/dia; pode produzir ganhos de peso de até 1,5 kg/semana durante a internação e 0,5 kg/semana ao longo do tratamento ambulatorial. Ingestão oral de alimentos sólidos é melhor; muitos programas de restauração de peso também utilizam suplementos líquidos. Às vezes, pacientes desnutridos muito resistentes exigem alimentação nasogástrica.
Cálcio elementar, 1.200 a 1.500 mg/dia e vitamina D, 600 a 800 UI/dia, são comumente prescritos para perda óssea.
Uma vez que os estados nutricional, hídrico e eletrolítico do paciente estejam estabilizados, deve-se iniciar tratamento de longa duração. A psicoterapia ambulatorial é o cerne do tratamento. Os tratamentos devem enfatizar os resultados comportamentais como alimentação e peso normalizados. O tratamento deve continuar por todo um ano depois de o peso ser restaurado. Os resultados são melhores em adolescentes que apresentam o transtorno < 6 meses.
Terapia familiar, particularmente utilizando o modelo de Maudsley (também chamado tratamento familiar), é útil para adolescentes. Esse modelo tem 3 fases:
Os familiares são ensinados a realimentar o adolescente (p. ex., por meio de refeição familiar supervisionada) e, assim, restaurar o peso do adolescente (em comparação a abordagens anteriores, esse modelo não responsabiliza a família ou o adolescente pelo desenvolvimento do transtorno).
O controle sobre a alimentação é gradualmente repassado ao adolescente.
Depois que o adolescente for capaz de manter o peso restabelecido, a terapia foca em engendrar identidade adolescente saudável.
O tratamento da anorexia nervosa é complicado pela aversão ao ganho de peso e negação da enfermidade pelo paciente. O médico deve tentar proporcionar um relacionamento estável, interessado e calmo e, ao mesmo tempo, encorajar firmemente um consumo calórico razoável.
O tratamento também envolve acompanhamento regular e muitas vezes uma equipe de profissionais de saúde, incluindo nutricionista, que pode fornecer planos específicos de refeição ou informações sobre as calorias necessárias para restaurar o peso a um nível normal.
Embora a psicoterapia seja primária, fármacos são algumas vezes úteis. Olanzapina até 10 mg por via oral uma vez ao dia pode ajudar a ganhar peso.
Pontos-chave
Pacientes com anorexia nervosa têm um medo intenso de ganhar peso ou tornarem-se obesos que persiste apesar de todas as evidências em contrário.
No tipo restritivo da anorexia nervosa, os pacientes restringem o consumo de alimentos e às vezes se exercitam excessivamente, mas não se envolvem regularmente em episódios de compulsão alimentar ou purgativa.
No tipo de compulsão alimentar/purgativo, os pacientes têm episódios de compulsão regularmente e/ou induzem vômitos e/ou abusam de laxantes, diuréticos ou enemas em uma tentativa de purgar os alimentos.
Em adultos, o IMC é significativamente baixo (em geral, IMC < 17 kg/m2) e, em adolescentes, o percentil de IMC é baixo (geralmente < 5º percentil) ou não aumenta como o esperado para o crescimento normal.
Podem ocorrer anormalidades endócrinas ou eletrolíticas ou arritmias cardíacas, e pode ocorrer morte.
Tratar com suplementação nutricional, psicoterapia (p. ex., terapia comportamental cognitiva) e, para adolescentes, terapia familiar; olanzapina podem ser úteis.