Aproximadamente 60% dos indivíduos com amputação têm dor pós-amputação no membro residual, o que pode limitar gravemente a função, prejudicar a qualidade de vida e impedir significativamente a reabilitação (1). Deve-se avaliar e tratar agressivamente a dor no membro residual porque algumas causas podem ser danosas.
A sensação de membro fantasma é uma anormalidade sensorial positiva e indolor que pode melhorar a propriocepção e é distinta da dor de membro fantasma.
A dor residual persistente do membro é uma condição crônica que difere da dor do membro fantasma e sensação de membro fantasma.
Referência geral
1. List EB, Krijgh DD, Martin E, Coert JH: Prevalence of residual limb pain and symptomatic neuromas after lower extremity amputation: a systematic review and meta-analysis. Pain 162(7):1906-1913, 2021. doi:10.1097/j.pain.0000000000002202
Causas da dor no membro residual
Causas da dor no membro residual incluem
Dor cirúrgica pós-operatória
Infecção de tecido profundo (p. ex., osteomielite, infecção do enxerto vascular)
Pontos de pressão com ou sem ruptura da pele
Neuroma
Neuropatia
Esporões ósseos
Isquemia do membro
Em geral, a dor da lesão cirúrgica pós-operatória desaparece à medida que os tecidos cicatrizam, geralmente ao longo de 3 a 6 semanas. A dor que continua além desse período tem inúmeras causas, incluindo infecção, deiscência da ferida, insuficiência arterial, hematoma, preenchimento muscular insuficiente ao longo das extremidades ósseas e uma prótese preparatória mal ajustada.
A dor neuropática é comum em pacientes e geralmente é descrita como uma dor lancinante ou de queimação e costuma se desenvolver 7 dias após a amputação. Pode desaparecer por si só, mas geralmente se torna crônica. Pode ser contínua e grave, ou intermitente. Muitas vezes, é decorrente de danos nos nervos causados pela lesão ou secção de nervos durante a amputação.
O neuroma doloroso pode ocorrer em qualquer nervo seccionado (por cirurgia ou trauma) e pode resultar em uma área focal ou ampliada da dor que pode ser temporariamente bloqueada (como uma manobra diagnóstica) por injeção local de anestésicos.
Os amputados também podem sentir dor em outros membros, articulações, costas e pescoço em razão dos movimentos compensatórios do corpo feitos para suprir a função perdida da parte amputada.
Dor no membro fantasma
A maioria dos pacientes sente dor de membro fantasma em algum momento. O aspecto fantasma não se refere à dor, que é real, mas à localização da dor — o membro que foi amputado. Acredita-se que o mecanismo envolva fatores periféricos e centrais. O início e a duração geralmente ocorrem alguns dias após a amputação, mas podem tardar meses ou anos. Os termos utilizados para descrever a dor de membro fantasma incluem formigamento, laceração, pontada, latejamento, queimação, ardência, beliscão, fisgada e compressão semelhante a torno.
A dor de membro fantasma costuma ser mais intensa logo após a amputação, e então diminui com o tempo. Há terapias dessensibilizantes pós-cirúrgicas disponíveis e são recomendadas para diminuir a dor durante o período inicial de suporte do peso na prótese. Para muitos pacientes, a dor de membro fantasma é mais comum quando a prótese não está colocada, por exemplo, à noite. O risco de sentir essa dor é reduzido se for utilizada anestesia geral durante a cirurgia.
Outras terapias não farmacológicas podem ser tentadas para aliviar a dor, incluindo estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS, na sigla em inglês), acupuntura e estimulação da medula espinal.
Sensação de membro fantasma
Muitos pacientes têm a sensação de membro fantasma, a qual é a sensação de que a parte amputada continua presente. A sensação de membro fantasma não deve ser mal interpretada como dor no membro fantasma. A sensação de membro fantasma pode ser um problema particular em pacientes com amputações de membros inferiores durante idas ao banheiro durante a noite. O paciente sente que o membro continua lá e dá um passo, caindo ou ferindo o membro residual.
Dor persistente no membro residual
Alguns pacientes com prótese de soquete de encaixe (PSE) experimentam dor residual crônica recorrente no membro causada devido à irritação crônica da pele por sudorese e úlceras de pressão/atrito. Isso resulta em menor controle da prótese, perda da função, diminuição da independência e diminuição da qualidade de vida. A dor persistente pode afetar o sono, aumentar os níveis de estresse e aumentar os problemas de saúde mental (p. ex., ansiedade, depressão, transtornos por uso de substâncias). Dor persistente é mais comum em pacientes com curtas estruturas esqueléticas remanescentes e/ou deformidades de tecidos moles do membro residual.
Avaliação da dor no membro residual
A anamnese e o exame físico muitas vezes são adequados para avaliar a dor no membro residual, mas algumas vezes são necessários exames complementares.
A dor acompanhada de alterações na pele (p. ex., eritema, ulceração) sugere irritação ou infecção cutânea. A infecção e ruptura da pele são evidentes e visíveis e devem ser tratadas. Eritema com dor e sensibilidade crescentes sugere celulite. Em pacientes com doença vascular conhecida, a ulceração também pode ser causada por isquemia recorrente.
A dor constante sem alterações na pele sugere neuropatia, síndrome da dor regional complexa, infecção tecidual profunda e, em pacientes com doença vascular conhecida, isquemia recorrente. Se a dor piora à compressão e/ou há manifestações sistêmicas (p. ex., mal-estar, febre, taquicardia), pode haver infecção profunda.
A infecção profunda pode ser mais difícil de diagnosticar porque o edema e o eritema locais podem não ser aparentes até que o aparecimento da dor já há algum tempo; as manifestações sistêmicas como febre ou taquicardia pode aparecer antes e não devem ser ignoradas.
Dor intermitente sem alterações cutâneas que ocorre com o uso da prótese e desaparece com a remoção sugere problemas de ajuste, neuroma ou esporão ósseo. Disestesia e/ou características de dor neuropática sugerem neuroma. Dor intermitente não relacionada com o uso da prótese e sem alterações cutâneas sugere várias possibilidades subjacentes incluindo neuroma, atrofia dos músculos por desuso com alterações tróficas nos vasos, suprimento sanguíneo reduzido e dor óssea profunda decorrente de medula óssea aberta.
Sugere-se que o diagnóstico de neuroma seja feito por anamnese e exame físico. A dor decorrente do neuroma pode ter características neurogênicas como sensação de choque, queimação, formigamento, picada, pontada ou agulhadas. Em geral, a dor é sentida no membro residual. Outros sintomas que sugerem neuroma incluem disestesia (sensações incomuns e desagradáveis) que ocorre sem estimulação, sob contração dos músculos dos membros residuais ou com leve palpação da pele. Dores neurogênicas que ocorrem durante o uso da prótese e desaparecem rápida ou lentamente após a remoção dela também sugerem neuroma. Quanto mais tempo o neuroma é irritado, seja mecanicamente pela prótese ou pela contração muscular, mais tempo a disestesia demora para se dissipar. Pode-se utilizar ressonância magnética e/ou o ultrassom para confirmar o diagnóstico de neuroma.
Os pacientes cuja amputação foi necessária em razão de uma doença arterial periférica têm maior risco de isquemia, que pode ser difícil de diagnosticar, mas pode ser sugerida por baixa tensão transcutânea de oxigênio (< 20 mmHg) na parte distal do membro.
Tratamento da dor no membro residual
Modificação da prótese e/ou interrupção do uso da prótese até a cicatrização
Terapia farmacológica
Neurectomia cirúrgica
Alongamento e exercícios de fortalecimento
Osseointegração transcutânea
Os tratamentos da dor pós-operatória da ferida cirúrgica são direcionados à causa e também podem incluir modificação da prótese, interrupção do uso da prótese até a cicatrização e analgésicos.
O tratamento da dor neuropática é multimodal (p. ex., tratamentos psicológicos, uso de modalidades físicas, uso de medicamentos antidepressivos ou anticonvulsivantes).
Em pacientes com neuroma que causa dor intensa, pode-se aconselhar a neurectomia cirúrgica.
Se não há doença clínica que causa dor, massagem e percussão combinadas com elevação do membro residual pode aliviá-la. Se isso for ineficaz, analgésicos como anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) ou paracetamol podem ser utilizados. Se a dor persistir, o encaminhamento a um especialista em tratamento da dor pode ser útil.
Para dor em outros membros, articulações, costas e pescoço devido a movimentos corporais compensatórios, o protético deve avaliar regularmente a eficiência estática e cinemática da prótese e fazer os ajustes necessários. Além disso, exercícios regulares de alongamento e fortalecimento muscular ajudam a equilibrar o corpo e aliviar a dor. O fisioterapeuta pode desenvolver um programa seguro de exercícios.
Osseointegração transcutânea
A osseointegração transcutânea é uma alternativa para pacientes que tiveram problemas de prótese de soquete de encaixe, incluindo dor residual no membro (1). Esse procedimento cirúrgico reconstrutivo envolve a inserção de um implante biocompatível diretamente no osso residual, o que modifica a interface entre o membro residual e o soquete tradicional. Vários apêndices protéticos podem ser ligados diretamente ao implante, eliminando o problema de pressão nos tecidos não morfologicamente projetados para suportar peso. Os benefícios incluem propriocepção melhorada, equilíbrio e mobilidade; eliminação de problemas de pele por atrito e pressão entre o membro residual e um soquete; e redução da dor neural. Uma abertura na pele na extremidade do membro residual (estoma) permite que o implante se estenda para fora do membro e se prenda a elementos componentes (p. ex., articulações, apêndices, dispositivos de atenuação de choque e cisalhamento, e sistema endosquelético alinhado).
Os locais mais comuns de amputação mais adequados para a osseointegração são
Transfemoral
Transtibial
Transumeral
Transradial
Transfalangeana
A osseointegração deve ser considerada em pacientes com
Complicações da prótese de soquete de encaixe (p. ex., dor residual persistente no membro, infecções cutâneas recorrentes, ulcerações)
Um membro residual curto que impede a fixação adequada do alvéolo
Flutuação do volume de tecidos moles dos membros residuais impedindo a fixação adequada do alvéolo
Deslizamento do soquete devido à transpiração excessiva
O membro residual também deve ter comprimento e volume ósseos adequados e maturidade esquelética.
As contraindicações à osseointegração incluem
Anatomia esquelética do membro residual anormal que impede a integração do implante
Doença óssea que compromete a integridade esquelética do membro residual (p. ex., osteoporose, osteomielite)
Prótese de soquete de encaixe adequada (p. ex., funcional para as atividades necessárias e sem problemas de dor residual crônica)
Questões médicas ativas que contribuiriam para a má cicatrização (p. ex., doença arterial periférica grave, diabetes descontrolado)
Tabagismo e incapacidade de parar de fumar durante o período de tempo prescrito (resultando em má cicatrização óssea)
Probabilidade de não adesão às exigências de tratamento e acompanhamento
A osseointegração bem-sucedida requer uma equipe multidisciplinar, incluindo cirurgião, protético e fisioterapeuta. Os candidatos seguem um procedimento de triagem abrangente. O protético avalia as capacidades físicas e funcionais do paciente e as atividades diárias que determinarão os componentes específicos da prótese. Após o procedimento, os protocolos de reabilitação e as diretrizes de cuidados devem ser seguidos para assegurar que os pacientes continuem a receber o suporte clínico e o acompanhamento de longo prazo necessários para um resultado bem-sucedido.
O risco de complicações da osseointegração transcutânea é baixo, mas inclui infecção e fratura do osso no membro residual, bem como afrouxamento do implante após a integração. Para minimizar o dano potencial, um mecanismo é inserido entre o implante e a prótese, que se libera automaticamente durante uma queda grave. Isso protege o implante e reduz a possibilidade de fratura óssea.
Referência sobre o tratamento
1. Hebert JS, Rehani M, Stiegelmar R: Osseointegration for Lower-Limb Amputation: A Systematic Review of Clinical Outcomes. JBJS Rev 5(10):e10, 2017. doi:10.2106/JBJS.RVW.17.00037