Reanimação volêmica intravenosa

PorLevi D. Procter, MD, Virginia Commonwealth University School of Medicine
Revisado/Corrigido: mai. 2024
Visão Educação para o paciente

Quase todos os estados de choque circulatórios exigem reposição IV de líquidos em grande volume, igualmente ao esgotamento de volume intravascular grave (p. ex., devido à diarreia ou intermação). Deficiência de volume intravascular é agudamente compensada por vasoconstrição, seguida ao longo de várias horas por migração de líquido do compartimento extravascular para o intravascular, mantendo o volume circulante à custa da água corporal total. Todavia, essa compensação é suplantada por grandes perdas.

Ver em Metabolismo hídrico a discussão sobre a necessidade de manutenção volume e ver em Desidratação e hidratação venosa em crianças a discussão sobre a desidratação leve.

Líquidos para reanimação volêmica IV

A escolha do líquido para reanimação depende da causa do deficit.

Hemorragia

A perda de eritrócitos diminui a capacidade de transporte de oxigênio. Entretanto, o corpo aumenta o débito cardíaco para manter o fornecimento de oxigênio (EDO2) e aumenta a extração de oxigênio. Esses fatores proporcionam uma margem de segurança de aproximadamente 9 vezes a necessidade de oxigênio em repouso. Assim, líquidos que não transportam oxigênio (p. ex., soluções de cristaloides ou coloides) podem ser utilizados para restaurar o volume intravascular na perda de sangue leve a moderada. Entretanto, no estado de choque hemorrágico grave são necessários hemoderivados.

A administração precoce de plasma e plaquetas provavelmente ajuda a minimizar a coagulopatia por diluição e consumo que acompanha hemorragia de grande porte. Recomenda-se uma proporção de 1 unidade de plasma para cada 1 unidade de sangue e 1 unidade de plaqueta (1). Quando o paciente está estável, se a hemoglobina é < 7 g/dL (70 g/L), na ausência de doença vascular cardíaca ou cerebral, a capacidade de transporte de oxigênio deve ser restaurada por infusão de sangue adicional (ou, no futuro, por substitutos do sangue). Pacientes com doença vascular coronariana ou cerebral ativa, ou hemorragia contínua, requerem sangue quando hemoglobina < 10 g/dL (100 g/L).

Soluções de cristaloides para reposição de volume intravascular são tipicamente isotônicas (p. ex., soro fisiológico a 0,9% ou lactato de Ringer). Agua transita livremente para fora dos vasos; por isso, apenas 10% do líquido isotônico permanecem no espaço intravascular. No caso de líquido hipotônico (p. ex., soro fisiológico a 0,45%), ainda menos permanece nos vasos e, portanto, ele não é utilizado para reanimação. Tanto a soro fisiológico a 0,9% como o Ringer lactato são igualmente eficazes; o Ringer lactato pode ser preferido no choque hemorrágico porque minimiza um pouco a acidose e não causará hipercloremia. Para pacientes com lesão encefálica aguda, umo soro fisiológico a 0,9% é preferida. Soro fisiológico hipertônico não é recomendado para a reanimação, porque evidências sugerem que não há diferença nos resultados em comparação com líquidos isotônicos.

Soluções de coloides (p. ex., amido hidroxietílico, albumina, dextranos) também são eficazes para reposição de volume durante grande hemorragia. Entretanto, soluções de coloides não oferecem nenhuma grande vantagem em comparação com o soro fisiológico, amido hidroxietílico aumenta o risco de lesão renal e albumina foi associada a resultados piores em pacientes com lesão encefálica traumática. Tanto dextranos quanto amido hidroxietílico podem afetar adversamente a coagulação quando > 1,5 L é administrado (2).

Sangue é geralmente administrado como um concentrado de eritrócitos, devendo ter a compatibilidade imunitária correta, mas, em uma situação de urgência, 1 a 2 unidades de sangue de tipo O Rh negativo é uma alternativa aceitável. Quando > 1 a 2 unidades são transfundidas (p. ex., em grande trauma), o sangue é aquecido até 37 °C. Pacientes que recebem > 6 unidades podem precisar de reposição dos fatores de coagulação com infusão de plasma fresco congelado ou crioprecipitado e transfusão de plaquetas (ver também Hemoderivados).

Substitutos do sangue são líquidos transportadores de oxigênio que podem ter base de hemoglobina ou ser perfluorocarbonetos. Os líquidos com base de hemoglobina podem conter hemoglobina livre encapsulada em lipossomos ou modificada (p. ex., por modificação da superfície ou ligação cruzada com outras moléculas) para limitar a excreção renal e a toxicidade. Devido à membrana portadora de antígenos dos eritrócitos não estar presente, essas substâncias não exigem compatibilidade imunitária. Elas também podem ser armazenadas durante > 1 ano, proporcionando uma fonte mais estável do que o sangue de bancos. Os perfluorocarbonetos são emulsões IV de carbono e flúor que transportam grandes quantidades de oxigênio. Entretanto, até agora nenhum substituto do sangue provou aumentar a sobrevida e alguns têm efeitos adversos significativos (p. ex., hipotensão). Atualmente, não há substitutos sanguíneos comercialmente disponíveis para uso. Há pesquisas em andamento sobre outros substitutos do sangue.

Hipovolemia não hemorrágica

Soluções isotônicas de cristaloides são tipicamente administradas para repleção intravascular durante choque e hipovolemia. Em geral, soluções de coloides não são utilizadas. Pacientes com desidratação e normovolemia tipicamente apresentam deficit de água livre e utiliza-se soluções hipotônicas (p. ex., soro glicosado a 5% com soro fisiológico a 0,45%).

Referências sobre líquidos

  1. 1. Holcomb JB, Tilley BC, Baraniuk S, et al: Transfusion of plasma, platelets, and red blood cells in a 1:1:1 vs a 1:1:2 ratio and mortality in patients with severe trauma: The PROPPR randomized clinical trial. JAMA 313(5):471-482, 2015. doi:10.1001/jama.2015.12

  2. 2. Myburgh JA, Finfer S, Bellomo R, et al: Hydroxyethyl starch or saline for fluid resuscitation in intensive care. N Engl J Med 367(20): 1901-1911, 2012. doi: 10.1056/NEJMoa1209759

Via e taxa de administração de líquidos

Catéteres IV periféricos calibrosos padrão (p. ex., calibres 14 a 16) são adequados para a maioria das reanimações volêmica. Com uma bomba de infusão, eles tipicamente permitem a perfusão de 1 L de cristaloide em 10 a 15 minutos e 1 unidade de eritrócitos em 20 minutos. Para pacientes com risco de exsanguinação, um acesso venoso central calibroso (p. ex., 8,5F) proporciona taxas de infusão mais rápidas; um dispositivo de infusão por pressão pode infundir 1 unidade de eritrócitos em < 5 minutos.

Pacientes em choque tipicamente necessitam e toleram infusão à taxa máxima. Adultos recebem 1 L de cristaloide (20 mL/kg em crianças) ou, em choque hemorrágico, 5 a 10 mL/kg de coloide ou eritrócitos, e o paciente é reavaliado. Uma exceção é um paciente em choque cardiogênico que, tipicamente, não requer infusão de grande volume.

Pacientes com esgotamento de volume intravascular sem choque podem receber infusão a uma taxa controlada, tipicamente 500 mL/hora. Deve-se calcular o deficit de líquidos em crianças e deve-se administrar a reposição ao longo de 24 horas (metade nas primeiras 8 horas).

Meta e monitoramento da reanimação com líquidos

A meta real da terapia com líquidos no choque é otimizar a perfusão tecidual. Todavia, esse parâmetro não é mensurado de maneira direta. As metas substitutivas incluem indicadores clínicos de perfusão de órgãos alvos e mensurações de pré-carga.

A perfusão adequada de órgãos alvos é mais bem indicada por excreção de urina > 0,5 a 1 mL/kg/hora. Frequência cardíaca, estado mental e preenchimento capilar podem ser afetados pelo processo de doença subjacente e são marcadores menos confiáveis. Devido à vasoconstrição compensatória, a PAM é apenas uma diretriz aproximada; hipoperfusão de órgãos pode estar presente a despeito de valores aparentemente normais. Nível elevado de lactato no sangue arterial reflete hipoperfusão e/ou estímulo simpático contínuo pela produção de catecolamina endógena; contudo, os níveis de lactato não declinam por várias horas após o sucesso da reanimação. A tendência do deficit de base pode ajudar a indicar se a reanimação é adequada. Outros métodos de avaliação, como medição do dióxido de carbono tecidual sublingual ou espectroscopia de infravermelho próximo para medir a oxigenação tecidual pela pele, também podem ser considerados.

Pressão venosa central

Devido à excreção de urina não fornecer uma indicação minuto a minuto, mensurações da pré-carga podem ser úteis para orientar a reanimação volêmica em pacientes criticamente enfermos. A pressão venosa central (PVC) é a pressão média na veia cava superior, refletindo a pressão diastólica final do ventrículo direito ou pré-carga. A PVC normal varia de 2 a 7 mmHg (3 a 9 cm água). Presume-se que um paciente com náuseas ou ferido, com PVC < 3 mmHg, tenha esgotamento de volume e possa receber líquidos com relativa segurança. Quando a PVC está dentro da faixa normal, esgotamento de volume não pode ser excluído, e a resposta a bolos líquidos de 100 a 200 mL deve ser avaliada; um modesto aumento da PVC em resposta a líquido geralmente indica hipovolemia. Um aumento > 3 a 5 mmHg em resposta a um bolus líquido de 100 mL sugere reserva cardíaca limitada. Uma PVC > 12 a 15 mmHg lança dúvida sobre ser a hipovolemia a causa única da hipoperfusão, e a administração de líquidos cria o risco de sobrecarga líquida.

Como a PVC pode não ser confiável para avaliação de estado de volume ou função ventricular esquerda, cateterização da artéria pulmonar pode ser considerada para diagnóstico ou para titulação mais precisa da terapia com líquidos, se não houver melhora cardiovascular após a terapia inicial. É preciso tomar cuidado ao interpretar as pressões de preenchimento em pacientes sob ventilação mecânica, particularmente quando estão sendo utilizados níveis de pressão expiratória final positiva (PEFP) acima de 10 cm água ou durante angústia respiratória, quando as pressões pleurais flutuam amplamente. As mensurações são feitas no fim da expiração; o transdutor é referenciado a níveis zero atriais (parte central do tórax) e cuidadosamente calibrado.

Ultrassonografia da veia cava inferior e do ventrículo direito pode fornecer informações sobre a situação do volume circulante e da função cardíaca geral. Entretanto, a interpretação das imagens é altamente dependente do examinador e pode ser complicada pela presença de disfunção valvular e uso de ventilação com pressão positiva. O uso disseminado da ultrassonografia para orientar a reanimação volêmica requer mais estudos.

Choque hemorrágico traumático

Pacientes com choque hemorrágico traumático podem exigir uma abordagem um pouco diferente. Evidências experimentais e clínicas indicam que hemorragia interna (p. ex., por laceração ou esmagamento visceral ou vascular) pode ser piorada por reanimação até PAM normal ou supranormal. Portanto, alguns médicos preconiza uma pressão arterial sistólica de 80 a 90 mmHg como meta de reanimação para estes pacientes aguardando o controle cirúrgico do sangramento, a menos que seja necessário aumentar a pressão para assegurar uma perfusão cerebral adequada.

Após a perda de sangue ser controlada, hemoglobina é utilizada para orientar a necessidade de transfusão adicional. Sugere-se uma hemoglobina alvo de 9 g/dL (90 g/L) para minimizar o uso de hemoderivados. Pacientes que possam ter dificuldade para tolerar anemia moderada (p. ex., aqueles com doença arterial coronariana ou cerebral) são mantidos com hematócrito acima de 30%. Um hematócrito mais elevado não melhora o resultado e, por causar maior viscosidade do sangue, pode dificultar a perfusão de leitos capilares.

Complicações da reanimação com líquidos IV

Infusão excessivamente rápida de qualquer tipo de líquido pode precipitar edema pulmonar, síndrome de desconforto respiratório agudo ou até mesmo uma síndrome compartimental (p. ex., síndrome compartimental abdominal, síndrome compartimental de membros).

A hemodiluição resultante de infusão de cristaloides não é, em si, lesiva, embora o hematócrito precise ser monitorado para observar se os valores limiares para a transfusão são atingidos.

A transfusão de eritrócitos tem baixo risco de transmitir diretamente infecção, mas, em pacientes criticamente enfermos, ela parece causar uma taxa um pouco mais elevada de infecção hospitalar. Esse risco pode ser minimizado utilizando-se sangue coletado há < 12 dias; tais eritrócitos são mais plásticos e têm menor probabilidade de causar lodosidade na microvascularização. Outras complicações da transfusão maciça são discutidas em outras partes.

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