A síndrome do choque tóxico (toxic shock syndrome) é causada por exotoxinas estafilocócicas ou estreptocócicas. As manifestações incluem febre alta, hipotensão, exantema eritematoso difuso e envolvimento de múltiplos órgãos, podendo progredir rapidamente para choque grave e intratável. O diagnóstico é feito clinicamente e por isolamento do microrganismo. Tratamento é feito com antibiótico, suporte intensivo e imunoglobulina IV.
A síndrome do choque tóxico (SCT) é causada por cocos produtores de exotoxina. Cepas de Staphylococcus aureus do fagogrupo 1 produzem a toxina 1 da SCT (TSST-1), ou exotoxinas relacionadas, e certas cepas de Streptococcus pyogenes produzem, pelo menos, 2 exotoxinas.
Choque tóxico estafilocócico
Pessoas em maior risco de SCT estafilocócica são
Mulheres com vagina pré-colonizada por estafilococos e que deixam tampões ou outros dispositivos (p. ex., copos menstruais, capuzes cervicais, dispositivos intrauterinos, contraceptivos, diafragmas, pessários) na vagina
Fatores mecânicos ou químicos relacionados com o uso de tampões desencadeiam a produção maior de exotoxina ou facilitam sua entrada na corrente sanguínea por meio de quebra de mucosa ou pelo útero. Estimativas sugerem cerca de 3 casos/100.000 mulheres menstruadas, sendo relatadas ainda ocorrências em mulheres que não utilizam tampões e mulheres que tiveram infecções depois do parto, aborto ou cirurgia. Cerca de 15% dos casos ocorrem no pós-parto ou como complicações de infecções estafilocócicas em feridas pós-operatórias que parecem insignificantes.
A SCT estafilocócica também foi relatada em homens e mulheres com qualquer tipo de infecção por S. aureus.
Recorrências são comuns em mulheres que continuam a utilizar tampões e outros dispositivos durante os primeiros 4 meses após um episódio (1).
A mortalidade resultante da SCT estafilocócica é < 3%.
Choque tóxico estreptocócico
A SCT estreptocócica é similar àquela causada por Staphylococcus aureus, mas taxa de mortalidade é mais alta (20 a 60%) apesar de terapia agressiva. Além disso, cerca de 50% dos casos apresentam bacteremia por Streptococcus pyogenes e 50%, fasciite necrosante (nenhum deles é comum na SCT estafilocócica). Em geral, os pacientes são crianças e adultos sadios.
Infecções primárias na pele e nos tecidos moles são mais comuns que em outros locais. Em contraste com a SCT estafilocócica, é mais provável que a SCT estreptocócica provoque síndrome da angústia respiratória do que reação cutânea típica.
A SCT por S. pyogenes é definida como qualquer infecção por estreptococo beta-hemolítico do grupo A em combinação com choque e disfunção orgânica.
Os fatores de risco de SCT por SBHGA incluem
Pequeno trauma
Procedimentos cirúrgicos
Infecção viral (p. ex., varicela)
Uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)
Diabetes
Transtorno por uso de álcool
Referência
1. Schlievert PM, Davis CC: Device-associated menstrual toxic shock syndrome. Clin Microbiol Rev 33(3):e00032-19, 2020. doi: 10.1128/CMR.00032-19
Sinais e sintomas da síndrome do choque tóxico
O início da síndrome do choque tóxico é súbito, com
Febre (39 a 40,5° C, que permanece elevada)
Hipotensão (que pode ser refratária)
Eritrodermia macular difusa
Envolvimento de pelo menos 2 outros sistemas de órgãos
A SCT estafilocócica tende a provocar vômitos e diarreia, mialgia e elevação de creatinoquinase (CK), mucosite, lesão hepática, trombocitopenia e confusão. O exantema da SCT estafilocócica é mais descamativo, particularmente em palmas e plantas, entre o 3º e o 7 dia após o início.
Normalmente, a SCT estreptocócica causa síndrome de desconforto respiratório aguda (em cerca de 55% dos pacientes), coagulopatia e lesão hepática, além de poder causar febre alta, mal-estar, taquicardia, taquipneia e, no local da infecção de tecidos moles, dor intensa.
A insuficiência renal é frequente e comum em ambos os tipos de SCT.
A SCT pode progredir em 48 horas para síncope, necrose tecidual, choque, coagulação disseminada, insuficiência de múltiplos órgãos e morte. Casos menos graves de SCT estafilocócica são comuns.
Diagnóstico da síndrome do choque tóxico
Avaliação clínica
Culturas
O diagnóstico da síndrome de choque tóxico (SCT) é feito clinicamente e isolando o microrganismo de hemoculturas (para Streptococcus) ou da área local.
Amostras para cultura devem ser coletados de qualquer lesão, do nariz (para estafilococos), da garganta (para estreptococos), da vagina (para ambos) e do sangue.
A RM ou a TC de tecidos moles são úteis na localização dos focos de infecção.
O monitoramento contínuo das funções renal, hepática, da medula óssea e cardiopulmonar é necessário.
Diagnóstico diferencial
A SCT assemelha-se à doença de Kawasaki, mas a doença de ocorre geralmente em crianças < 5 anos de idade; não causa choque, azotemia, ou trombocitopenia; e o exantema é maculopapular.
Outros distúrbios a serem considerados são escarlatina, síndrome de Reye, síndrome da pele escaldada, meningococcemia, febre maculosa, leptospirose e doenças exantemáticas virais. Esses distúrbios são excluídos por diferenças clínicas específicas, culturas e estudos sorológicos.
Tratamento da síndrome do choque tóxico
Medidas locais (p. ex., assepsia, desbridamento)
Reanimação volêmica e suporte circulatório
Terapia antibiótica empírica (p. ex., clindamicina ou linezolida mais vancomicina, daptomicina, linezolida, ou ceftarolina) dependendo dos resultados da cultura
Pacientes com suspeita de SCT devem ser hospitalizados imediatamente e tratados de forma intensiva. Tampões, diafragmas e outros corpos estranhos devem ser removidos imediatamente.
Locais primários suspeitos devem ser descontaminados com cuidado. Descontaminação inclue
Reinspeção e irrigação das feridas cirúrgicas, mesmo que pareçam saudáveis
Desbridamento repetido dos tecidos desvitalizados
Irrigação dos potenciais locais naturalmente colonizados (seios paranasais, vagina)
A reposição de líquidos e eletrólitos é feita para prevenir ou tratar hipovolemia, hipotensão, ou choque. O choque pode ser profundo e resistente por causa da perda de líquidos corporais (por causa da síndrome de extravasamento capilar sistêmico e da hipoalbuminemia). Algumas vezes, são necessários reanimação volêmica agressiva de líquidos, suporte circulatório, ventilatório e/ou hemodiálise.
Infecções óbvias devem ser tratadas com antibióticos (para indicações e doses, ver tabela Tratamento com antibióticos de infecções por estafilococos em adultos). Aguardando os resultados da cultura, clindamicina ou linezolida (para suprimir a produção de toxinas) com vancomicina, daptomicina, linezolida ou ceftarolina — as escolhas empíricas que cobrem os agentes etiológicos mais prováveis — devem ser utilizadas. Se um agente patogênico for isolado na cultura, o esquema antibióticos é ajustado conforme necessário:
Para estreptococos do grupo A: clindamicina com um betalactâmico
Para S. aureus sensível à meticilina (MSSA): clindamicina com oxacilina ou nafcilina
Para Staphylococcus aureus resistente à meticilina (SARM): vancomicina ou clindamicina com daptomicina ou linezolida, dependendo da sensibilidade
O uso de antibióticos durante a doença aguda pode também erradicar o patógeno e prevenir recorrências. A imunização passiva contra toxinas da SCT com imunoglobulina intravenosa (2 mg/kg, então 0,4 g/kg diariamente por até 5 dias) é útil em casos graves de ambos os tipos de SCT e age por semanas, mas a doença não pode induzir imunidade ativa, sendo possível ocorrer recorrências.
Se um teste para soroconversão das respostas séricas de anticorpos para TSST-1 em soros pareados nas fases aguda e convalescente for negativo, mulheres que tiveram SCT estafilocócica provavelmente devem evitar utilizar tampões e copos menstruais, capuzes cervicais, esponjas contraceptivas, dispositivos intrauterinos, diafragmas e pessários. Parece prudente aconselhar todas as mulheres, independentemente do resultado do TSST-1, a trocarem os tampões frequentemente ou utilizarem absorventes externos.
Pontos-chave
A síndrome do choque tóxico (SCT) é causada por cepas de Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes produtoras de exotoxina.
Embora classicamente descrita como ocorrendo com o uso de tampões, a síndrome do choque tóxico pode ocorrer depois de muitas infecções de tecidos moles por estreptococos ou estafilococos.
O início dos sintomas é súbito; os sintomas são febre alta, hipotensão (que pode ser refratária), exantema eritematoso difuso e disfunção de múltiplos órgãos.
Fornecer tratamento de suporte agressivo, e descontaminar e/ou debridar o local de origem.
Administrar antibióticos (p. ex., clindamicina ou linezolida mais vancomicina, daptomicina, linezolida ou ceftarolina) de acordo com os testes de cultura e sensibilidade.
Administrar imunoglobulina IV se a síndrome do choque tóxico for grave.