Marburg e Ebola são filovírus que causam hemorragia, falência de múltiplos órgãos e altas taxas de mortalidade. O diagnóstico é realizado por ensaio imunoenzimático, PCR (polymerase chain reaction), ou microscopia eletrônica. O tratamento é de suporte. Isolamento rigoroso e medidas de quarentena são necessários para controlar epidemias.
Os vírus de Marburg e Ebola são filoviruses filamentosos distintos entre si, mas que causam doenças clinicamente semelhantes caracterizadas por febres hemorrágicas e extravasamento capilar. A infecção pelo vírus Ebola é um pouco mais virulenta do que a infecção pelo vírus Marburg.
Vírus Ebola isolados foram diferenciados em 5 espécies:
Vírus Ebola do Zaire
Vírus Ebola do Sudão
Vírus Ebola da floresta Tai [anteriormente, vírus Ebola da Costa do Marfim (a floresta Tai situa-se na Costa do Marfim])
Vírus Ebola Bundibugio
Vírus Ebola de Reston (que está presente na Ásia, mas não causa doenças em seres humanos)
A maioria das epidemias das infecções por vírus de Marburg e Ebola se originou na África Subsaariana Central e Ocidental. Epidemias eram raras e esporádicas; elas foram parcialmente contidas porque ocorreram em áreas isoladas. Quando ocorre a disseminação para outras áreas, geralmente resulta de viajantes da África. Mas, em 1967, uma pequena epidemia de febre hemorrágica de Marburg ocorreu na Alemanha e na Iugoslávia entre trabalhadores de laboratório que foram expostos a tecidos de macacos verdes importados.
Em dezembro de 2013, uma grande epidemia do vírus Ebola Zaire começou na Guiné rural (África Ocidental), então se espalhou para áreas urbanas densamente povoadas na Guiné e para a vizinha Libéria e Serra Leoa. Ele foi reconhecido pela primeira vez em março de 2014. Infectou milhares de pessoas e tem uma mortalidade de aproximadamente 59%. Viajantes infectados disseminaram o vírus Ebola para a Nigeria, Europa e América do Norte. Casos do Ebola continuaram a ocorrer nos primeiros meses de 2016; Serra Leoa foi por fim declarada livre do Ebola em março de 2016, Guiné em maio de 2016 e a Libéria em junho de 2016.
Em 2017, um pequeno surto devido ao vírus Zaire Ebola foi notificado em uma região remota da República Democrática do Congo; a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o fim desse surto em 2 de julho de 2017 (1). Em maio de 2018, outro surto ocorreu na República Democrática do Congo (2). O controle foi complicado pela distribuição generalizada dos casos em 3 províncias e pela presença de dezenas de grupos insurgentes armados hostis. A identificação dos casos e o rastreamento de contatos foram difíceis. Centros de tratamento foram estabelecidos e equipados com profissionais de saúde locais e internacionais. No final de 2019, tanto os Estados Unidos como a União Europeia aprovaram a vacina Ebola Zaire [rVSV-ZEBOV] que ajudou a encerrar a epidemia em junho de 2020. Uma segunda vacina, a vacina de duas doses, conhecida como Ad26.ZEBOV/MVA-BN-Filo, foi aprovada e colocada em uso mais tarde. Em junho de 2020, outro surto de Ebola ocorreu na província de Équateur, na RDC, e terminou em março de 2021 (3). Em outubro de 2021, houve um surto na província da RDC no norte do Kivu que terminou em dezembro de 2021 com 11 casos confirmados e 9 mortes (4). Em abril de 2022, houve outro pequeno surto na província de Équateur, na RDC, com 4 casos confirmados e 1 provável, todos os quais morreram. O surto foi declarado novamente em julho de 2022 (5). Em agosto de 2022, houve um surto no Kivu do Norte com apenas um caso confirmado; o surto foi declarado em setembro de 2022 (6).
Em setembro de 2022, Uganda relatou um caso de doença por Ebola causada pelo Ebolavírus do Sudão, o primeiro de uma década. Esse surto foi declarado em janeiro de 2023, após 142 casos confirmados e 77 mortes (7).
Houve um pequeno surto a partir de fevereiro de 2021 na Guiné que se especula que tenha começado com a esposa de um homem que havia se recuperado de uma infecção pelo vírus Ebola 5 anos antes e que se acredita ter transmitido o vírus para a esposa. Essa infecção persistente e a transmissão tardia foi sugerida pelo fato de que o vírus sequenciado geneticamente era notavelmente semelhante ao do surto da África Ocidental 5 a 7 anos antes.
Transmissão dos vírus Marburg e Ebola
A maioria dos casos envolve exposição a primatas não humanos na África subsaariana. O vetor e o reservatório são precisamente conhecidos, embora o vírus de Marburg tenha sido identificado em morcegos e tenha ocorrido em pessoas expostas a morcegos (p. ex., em minas ou cavernas). Epidemias do vírus Ebola foram associadas ao consumo de carne de animais selvagens nas áreas afetadas (carne de caça) ou sopa feita com morcegos. Infecções pelos vírus Ebola e Marburg também ocorreram depois da manipulação de tecidos de animais infectados.
Filovírus são altamente contagiosos. A transmissão entre pessoas ocorre por meio do contato da pele e mucosa com fluídos corpóreos (saliva, sangue, vômito, urina, fezes, suor, leite materno, sêmen) de uma pessoa sintomática infectada ou raramente de um primata não humano. Os seres humanos só são infectantes depois que desenvolvem os sintomas. Os sinais e sintomas persistem em pacientes sobreviventes durante o período de tempo que demora para desenvolver uma resposta imunitária eficaz. Tipicamente, os pacientes sobreviventes eliminam o vírus completamente e não mais transmitem o vírus; mas o vírus Ebola pode persistir em certos locais privilegiados em termos imunitários (olho, cérebro, testículos). O vírus pode voltar a aparecer a partir desses locais e causar sequelas tardias ou recorrência, e suspeita-se da transmissão sexual entre os sobreviventes e indivíduos suscetíveis.
A transmissão do vírus Marburg por sêmen infectado foi comprovada até 7 semanas após a recuperação clínica (8). O material genético do vírus Ebola persistiu por um ano ou mais no sêmen de 63% dos homens que se recuperaram do Ebola. Entretanto, os testes PCR não podem determinar se o vírus Ebola presente está vivo e pode disseminar a doença. Contudo, um homem transmitiu o vírus para sua parceira > 500 dias depois de apresentar os sintomas iniciais da infecção, indicando que pode haver persistência e transmissão do vírus infeccioso. É possível que o Ebola seja transmitido por contato sexual ou outro tipo de contato com o sêmen (9).
Suspeita-se de transmissão por aerossol em alguns casos; entretanto, se ocorrer, provavelmente é rara.
Durante uma epidemia a transmissão é principalmente interpessoal, resultante do contato próximo com sangue, secreções, outros líquidos fisiológicos ou órgãos das pessoas infectadas. Cerimonias fúnebres em que o corpo é lavado e os enlutados têm contato físico com o falecido desempenharam um papel importante na transmissão da infecção.
Referências gerais
1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Ebola: 2017 Democratic Republic of the Congo, Bas Uélé District. 2017.
2. World Health Organization (WHO): New Ebola outbreak declared in Democratic Republic of the Congo, May 2018.
3. CDC: Ebola: 2020 Democratic Republic of the Congo, Equateur Province.
4. WHO: Ebola virus disease – Democratic Republic of the Congo, December 2021
5. WHO: Ebola outbreak 2022 - Équateur Province, DRC
6. WHO: Ebola Virus Disease –Democratic Republic of the Congo, September 2022
7. WHO: Ebola disease caused by Sudan ebolavirus – Uganda
8. WHO: Fact Sheet: Marburg virus disease. February 15, 2018.
9. Bausch DG, Crozier I: The Liberia Men's Health Screening Program for Ebola virus: Win-win-win for survivor, scientist, and public health. Lancet Glob Health 4 (10):e672–673, 2016. doi: 10.1016/S2214-109X(16)30207-8. Epub 2016 Aug 30.
Sinais e sintomas de infecções pelo vírus de Marburg e pelo vírus Ebola
Os sintomas da infecção pelos vírus de Marburg e Ebola são muito semelhantes.
Após um período de incubação de 2 a 20 dias, ocorrem febre, mialgia e cefaleia, frequentemente com dor abdominal, náuseas e sintomas respiratórios superiores (tosse, dor torácica, faringite). Fotofobia, congestão conjuntival, icterícia e linfadenopatia também ocorrem. Vômitos e diarreia pode se manifestar rapidamente. Delirium, estupor e coma podem ocorrer, indicando envolvimento do sistema nervoso central.
Sintomas hemorrágicos começam nos primeiros dias e incluem petéquias, equimoses e franca sangramento ao redor de locais de punção e nas mucosas. Um exantema maculopapular, principalmente no tronco, começa por volta do 5º dia.
Pode haver hipovolemia grave resultante de
Perda extensa de líquidos por causa de diarreia e vômitos
Extravasamento capilar, resultando em hipoalbuminemia e perda de líquido do espaço intravascular
Perda de eletrólitos pode causar hiponatremia, hipopotassemia e hipocalcemia graves. Isso pode levar a arritmias cardíacas.
Durante a 2ª semana de sintomas, ocorre defervescência e os pacientes passam a se recuperar, ou desenvolvem falência fatal de múltiplos órgãos. A recuperação é prolongada e pode ser complicada por hepatite recorrente, mielite transversa e orquite. A letalidade varia de 25 a 90% dos casos.
Lesões oculares (p. ex., catarata grave em crianças) podem ocorrer após a recuperação da infecção pelo vírus Ebola. Um adulto apresentou uveíte unilateral aguda grave durante a fase de convalescença após a infecção.
Um estudo recente de acompanhamento dos pacientes durante a convalescença após infecção pelo vírus Ebola relatou que muitos sobreviventes tinham grandes limitações de cognição, visão e de mobilidade por artralgia (1).
O vírus Ebola pode persistir no sistema nervoso central e causar remissão.
Referência sobre sinais e sintomas
1. Jagadesh S, Sevalie S, Fatoma R, et al: Disability among Ebola survivors and their close contacts in Sierra Leone: A retrospective case-controlled cohort study. Clin Infect Dis 66 (1):131–133, 2018. doi: 10.1093/cid/cix705
Diagnóstico das infecções por vírus de Marburg e Ebola
Avaliação e teste de acordo com as diretrizes dos Centers for Disease Control and Prevention
Imunoensaio enzimático (ELISA) e transcriptase reversa RT-PCR (polymerase chain reaction)
Suspeita-se de infecção por vírus de Marburg ou por Ebola em pacientes com tendência a sangramento, febre e outros sintomas consistentes com infecção precoce por filovírus e que viajaram para áreas endêmicas. O CDC (Centers for Disease Control and Prevention) publicou um algoritmo e diretrizes para avaliar os viajantes que retornam de regiões endêmicas (ver CDC: Interim Guidance on Risk Assessment and Management of Persons with Potential Ebolavirus Exposure). Uma abordagem semelhante pode ser utilizada se houver suspeita do vírus Marburg.
Os casos devem ser discutidos com as autoridades de saúde pública, que podem ajudar em todas as etapas do tratamento, incluindo
Decidir se o diagnóstico deve ser confirmado
Organizar o transporte das amostras para testes
O tratamento, incluindo o transporte para os centros selecionados e, quando indicado, uso de novas terapias
Monitorar contatos
Quando há suspeita, os testes incluem hemograma completo, exames bioquímicos de sangue de rotina, testes de função hepática, testes de coagulação e urinálise. Os testes diagnósticos incluem ELISA e RT-PCR. O padrão-ouro é a detecção de características virais feita em microscopia eletrônica, executada em tecido infectado (especialmente o fígado) ou no sangue.
Tratamento das infecções por vírus de Marburg e Ebola
Cuidados de suporte
Terapia antiviral
O tratamento é de suporte e inclui:
Manutenção do volume sanguíneo e equilíbrio de eletrólitos
Substituição dos fatores de coagulação depletados
Minimização dos procedimentos invasivos
Tratamento dos sintomas, incluindo o uso de analgésicos
Dois tratamentos com anticorpos monoclonais estão atualmente disponíveis para tratar a infecção pelo vírus Ebola causada pelo vírus Ebola do Zaire. São REGN-EB3 e mAb114. O REGN-EB3 foi aprovado pela US Food and Drug Administration (FDA) em outubro de 2020 e é uma combinação de três anticorpos monoclonais (atoltivimabe/maftivimabe/odesivimabe). O segundo medicamento, mAb114, é um único anticorpo monoclonal (ansuvimabe) que foi aprovado em dezembro de 2020. Esses dois tratamentos foram comprovadamente eficazes durante o surto de Ebola de 2018 a 2020 na RDC, demonstrando taxas de cura de cerca de 90% em pacientes com baixas cargas virais (o que sugere que o tratamento foi iniciado nos primeiros dias após a infecção). Isso é comparado com uma taxa de mortalidade que se acredita ser de mais de 70% nos pacientes não tratados e não vacinados e é uma melhora significativa em relação aos medicamentos experimentais utilizados previamente contra o Ebola (ZMapp, remdesivir).
Até que os dois anticorpos monoclonais ou outros agentes demonstrem neutralizar o vírus de Marburg, ainda não existe tratamento eficaz para a infecção por esse vírus.
Prevenção das infecções por vírus de Marburg e Ebola
Várias vacinas contra o Ebola estão em fase de ensaios clínicos. O rVSV-ZEBOV foi utilizado com sucesso em uma escala limitada no final do surto de Ebola de 2016 na África Ocidental e em uma escala maior no surto de 2018 na RDC, sendo aprovado pela FDA em dezembro de 2019 para a prevenção da doença causada pelo vírus Ebola do Zaire em pessoas com 18 anos ou mais. Em 2020, a European Medicines Agency concedeu autorização de comercialização para uma segunda nova vacina administrada em duas doses, uma de Ad26.ZEBOV e outra de MVA-BN-Filo, para a prevenção da doença causada pelo vírus Ebola (espécies do vírus Ebola do Zaire) em indivíduos com 1 ano de idade ou mais. As vacinas contra o Ebola do Zaire não fornecem proteção cruzada contra a doença do vírus Ebola do Sudão. Para o Ebolavírus do Sudão, foram recomendadas 3 candidaturas para o ensaio durante o surto de Uganda por um painel de especialistas da OMS. O surto terminou antes que pudessem ser feitos ensaios de vacinação em anel (vacinação de um grupo de pessoas em torno de cada caso, em vez de vacinar uma população inteira).
Para evitar a propagação, os pacientes sintomáticos com possível infecção pelos vírus Ebola ou Marburg devem ser isolados em unidades com isolamento. Unidades de terapia intensiva (UTIs) padrão em hospitais públicos não são adequadas. Unidades de isolamento especiais oferecem controle total do destino das secreções fisiológicas e produtos respiratórios.
Membros da equipe em contato com os pacientes devem estar completamente protegidos com roupas que contêm contenção interna dos gases respiratórios. Funcionários treinados devem estar disponíveis para ajudar aqueles em contato com os pacientes a remover suas roupas de proteção. Protocolos para colocação e remoção de máscaras, óculos ou viseiras, jaleco e luvas devem ser seguidos (ver Centers for Disease Control and Prevention: Sequence for Donning Personal Protective Equipment).
Esterilização total de equipamentos, fechamento de hospitais e educação da comunidade diminuem a duração de epidemias prévias.
Todos os casos suspeitos e seus cadáveres requerem isolamento rigoroso e manipulação especial.
Como os vírus Marburg e Ebola podem persistir no sêmen e serem transmitidos por via sexual, a OMS recomenda que os pacientes que tiveram a infecção e seus parceiros sexuais se abstenham de todos os tipos de sexo ou usem preservativos de forma correta e sistemática até que ocorra um dos seguintes:
Até que 2 exames para o vírus sejam negativos
Se o exame não estiver disponível, até ≥ 12 meses após o início dos sintomas
Para informações adicionais, ver WHO: Interim recommendations for infection prevention and control, WHO: Marburg virus disease, e WHO: Interim advice on the sexual transmission of the Ebola virus disease.
Pontos-chave
Os vírus Ebola e Marburg, embora distintos, causam febres hemorrágicas semelhantes; os surtos são perpetuados principalmente pela transmissão interpessoal por meio do contato com fluidos corporais infectados, órgãos de pessoas infectadas ou cadáveres.
Suspeitar de infecção pelos vírus de Marburg ou Ebola em pacientes com tendência a sangramento, febre e outros sintomas compatíveis, e que viajaram para áreas endêmicas.
Isolar os pacientes com possível infecção em isolamento e utilizar procedimentos rigorosos para proteger os profissionais que cuidam desses pacientes.
Vacinas contra o Ebola estão sendo desenvolvidas para o vírus do Zaire, e 2 atualmente são utilizadas rotineiramente na RDC. Três vacinas candidatas foram desenvolvidas para o Ebolavírus do Sudão.
Planejar o diagnóstico, tratamento e prevenção da transmissão com as autoridades de saúde pública.
Informações adicionais
Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.
Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Think Ebola: Early recognition: Infographic for health care providers approaching a patient who may have Ebola
CDC: Sequence for Donning and Removing Personal Protective Equipment
World Health Organization (WHO): Outbreaks and Emergencies Bulletin