Glomerulosclerose segmentar focal é a esclerose mesangial dispersa (segmentar) que começa em alguns, mas não em todos, os glomérulos e com o tempo envolve todos os glomérulos. Em geral, é idiopática, mas pode ser secundária à utilização de heroína, infecção pelo HIV obesidade, anemia falciforme, doença aterosclerótica, ou perda de néfrons (p. ex., em nefropatia de refluxo, nefrectomia subtotal ou disgenesia renal). As manifestações surgem principalmente na adolescência, mas também em adultos jovens e de meia-idade. Os pacientes sofrem início insidioso de proteinúria, hematúria leve, hipertensão e uremia. O diagnóstico é confirmado por biópsia renal. O tratamento é feito com inibidores de angiotensina e, para doença idiopática, corticoides e, eventualmente, outros agentes imunossupressores.
A glomerulosclerose segmentar focal (GESF) é atualmente a causa mais comum de síndrome nefrótica idiopática (ou primária) entre adultos nos Estados Unidos. É especialmente comum em homens negros. Apesar de habitualmente ser idiopática, a glomerulonefrite segmentar focal pode ocorrer associada a outros fatores (glomerulonefrite segmentar focal secundária), como uso de medicamentos e drogas ilícitas (p. ex., heroína, lítio, interferona alfa, pamidronato, ciclosporina ou anti-inflamatórios não esteroides [causando nefropatia por analgésicos]), doença ateroembólica afetando os rins, obesidade, infecção pelo HIV (ver Nefropatia associada ao HIV), e doenças que causam perda de néfron (p. ex., nefropatia de refluxo, nefrectomia subtotal, disgenesia renal [p. ex., oligomeganefronia: hipoplasia renal com número diminuído de néfrons]). Existem casos familiares.
Na glomerulonefrite segmentar focal, as barreiras de filtração glomerular quanto ao tamanho e à carga molecular são defeituosas e a proteinúria é tipicamente não seletiva, afetando proteínas de alto peso molecular (p. ex., imunoglobulinas), bem como albumina. Os rins tendem a ser pequenos.
Sinais e sintomas da glomerulosclerose segmentar focal
Os pacientes com glomerulosclerose segmentar focal comumente se apresentam com proteinúria maciça, hipertensão e disfunção renal, edema, ou uma combinação. Às vezes, o único sinal é proteinúria assintomática que não está no intervalo nefrótico. Ocasionalmente, encontra-se hematúria microscópica.
Diagnóstico da glomerulosclerose segmentar focal
Biópsia renal, quando possível, com coloração imunitária e microscopia eletrônica
Suspeita-se de glomerulosclerose segmentar focal (GESF) em pacientes com síndrome nefrótica, proteinúria ou disfunção renal sem causa óbvia, particularmente em pacientes com doenças ou uso de medicamentos ou de drogas ilícitas associados à GESF.
Realiza-se urinálise e medem-se os níveis de nitrogênio da ureia sanguínea (BUN), creatinina e proteinúria de 24 hora ou medição pontual da relação proteína urinária:creatinina.
O diagnóstico é confirmado por biópsia renal, que mostra hialinização focal e segmentar dos glomérulos, a imunocoloração geralmente mostra IgM e depósitos de complemento (C3) em um padrão nodular disperso. A microscopia eletrônica revela apagamento dos processos podais dos podócitos em casos idiopáticos, mas mostram apagamento irregular nos casos secundários. Pode ser visível a esclerose global, juntamente com glomérulos atróficos secundários. A biópsia pode ser falsamente negativa caso não haja amostras das áreas de alterações focais.
A imagem superior mostra o lado direito do glomérulo. O glomérulo com esclerose segmentar é formado pela luz dos capilares obliterados e aumento da quantidade de matriz mesangial. O restante do glomérulo é normal (coloração prata de Jones, × 400). Na imagem inferior, a matriz da cartilagem hialina, definida como material liso e de aparência vítrea, resulta da insudação (o oposto da exsudação) das proteínas plasmáticas. Ocorre com frequência e não é diagnóstica (coloração prata de Jones, × 400).
Image provided by Agnes Fogo, MD, and the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (see www.ajkd.org).
A imunofluorescência anti-IgM revela a existência de IgM no mesângio ou nas áreas da hialinose (coloração globular homogênea à direita). Acredita-se que a IgM fique presa nas áreas de expansão e esclerose do mesângio (× 200).
Image provided by Agnes Fogo, MD, and the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (see www.ajkd.org).
Pode-se observar extenso embotamento e apagamento dos pedicelos à microscopia eletrônica (× 3.000).
Image provided by Agnes Fogo, MD, and the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (see www.ajkd.org).
O glomérulo central nessa amostra de biópsia revela esclerose global. O achado é inespecífico e pode ocorrer em resposta a lesões ou ao envelhecimento (coloração prata de Jones, × 100).
Image provided by Agnes Fogo, MD, and the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (see www.ajkd.org).
A lesão da ponta é a esclerose segmentar localizada no polo glomerular onde o túbulo se origina. Pode ser um marcador de melhor prognóstico (coloração prata de Jones, × 200).
Image provided by Agnes Fogo, MD, and the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (see www.ajkd.org).
Tratamento da glomerulosclerose segmentar focal
Inibição da angiotensina
Corticoides e, às vezes, outros agentes imunossupressores para glomerulonefrite segmentar focal idiopática
Transplante de rim para pacientes com doença renal em estágio terminal
Em geral, o tratamento não é eficaz. Pacientes com glomerulonefrite segmentar focal devem ser tratados com inibidores da angiotensina (com inibidores da enzima conversora da angiotensina [ECA], ou bloqueador de receptor da angiotensina II [BRA]), a menos que contraindicados por angioedema ou hiperpotassemia. Os pacientes com síndrome nefrótica devem ser tratados com uma estatina.
Na glomerulonefrite segmentar focal idiopática, indica-se um curso de terapia imunossupressora se a proteinúria alcançar o intervalo nefrótico ou se a função renal piorar, especialmente se a biópsia renal relevar uma lesão da ponta. Em comparação, pacientes com glomerulonefrite segmentar focal secundária, glomerulonefrite segmentar focal colapsante, ou fibrose tubulointersticial avançada na biópsia renal não são geralmente tratados com imunossupressão porque tendem a não responder; em vez disso, a doença primária é tratada.
Terapia imunossupressora
Altas doses de corticoides (p. ex., prednisona, 1 mg/kg, por via oral, uma vez ao dia, ou 2 mg/kg em dias alternados) são recomendados por pelo menos 2 meses, apesar de alguns especialistas recomendarem por até 9 meses. Relataram-se taxas de resposta de 30 a 50% com tratamento prolongado e variam de acordo com a classificação da glomerulonefrite segmentar focal. Após remissão da proteinúria por 2 semanas, o corticoide é lentamente reduzido em ≥ 2 meses. Casos secundários ou familiares, glomerulonefrite segmentar focal colapsante e fibrose tubulointersticial avançada apresentam maior probabilidade de serem resistentes aos corticoides.
Se ocorrer apenas uma leve melhora ou recidiva com corticoide, a remissão pode ser induzida com um inibidor de calcineurina (p. ex., ciclosporina ou tacrolimo) por pelo menos 6 meses. Embora os inibidores de calcineurina tenham sido mais estudados do que o tacrolimo para glomerulonefrite segmentar focal, alguns médicos preferem o tacrolimo porque este é comumente utilizado para outras doenças glomerulares e há menor risco de efeitos colaterais cosméticos (p. ex., hirsutismo, hiperplasia gengival). Em casos selecionados, micofenolato de mofetila pode ser utilizado como alternativa.
Em pacientes resistentes a altas doses de corticoides (p. ex., diabetes, osteoporose), pode-se administrar inibidores da calcineurina associados a uma dose menor de corticoides (p. ex., prednisona, 0,15 mg/kg, por via oral, uma vez ao dia).
Uma alternativa é troca plasmática em combinação com imunossupressão.
Prognóstico para glomerulosclerose segmentar focal
O prognóstico é reservado. A remissão espontânea ocorre em < 10% dos pacientes. A falência renal ocorre em > 50% dos pacientes em 10 anos; em 20%, ocorre doença renal em estágio terminal em 2 anos, apesar do tratamento e é mais provável se os pacientes têm fibrose tubulointersticial significativa. A doença tem progresso mais rápido em adultos do que em crianças.
A presença de esclerose segmentar focal persistente no polo glomerular em que se origina o túbulo (lesão da ponta) pode prever uma resposta mais favorável ao tratamento com corticoides. Outra variante, na qual as paredes capilares estão enrugadas ou colapsadas (glomerulosclerose segmentar focal colapsante, que tipicamente está associada ao abuso de drogas intravenosas ou infecção pelo HIV), sugere doença mais grave e de progressão rápida para falência renal. Gestação pode exacerbar a glomerulonefrite segmentar focal.
A glomerulonefrite segmentar focal reincide após transplante de rim: a proteinúria algumas vezes retorna horas após o transplante. Entre os pacientes transplantados em razão de glomerulonefrite segmentar focal, ao redor de 8 a 30% perdem seu enxerto devido à reincidência de glomerulonefrite segmentar focal; o risco é maior em crianças jovens, pacientes que não são negros, pacientes que desenvolvem falência renal em < 3 anos após o início da doença, pacientes com proliferação mesangial e pacientes com transplantes repetidos quando o diagnóstico antes do primeiro transplante era GESF primária. As formas familiares de glomerulonefrite segmentar focal raramente recidivam após o transplante.
Image provided by Agnes Fogo, MD, and the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (see www.ajkd.org).
Pessoas que utilizam heroína e desenvolvem síndrome nefrótica devido à glomerulonefrite segmentar focal podem experimentar remissão completa se cessarem o consumo de heroína no início da doença.
Pontos-chave
Suspeita-se de glomerulosclerose segmentar focal em pacientes com síndrome nefrótica, proteinúria, ou disfunção renal sem causa óbvia, particularmente pacientes com doenças ou uso de medicamentos ou de drogas ilícitas associados à glomerulosclerose segmentar focal.
Quando possível, confirmar glomerulonefrite segmentar focal por biópsia renal com coloração imunitária e microscopia eletrônica.
Considerar o tratamento com corticoides e, possivelmente um inibidor da calcineurina (p. ex., ciclosporina ou tacrolimo) ou, alternativamente, micofenolato mofetil ou ciclosporina ou se a glomerulonefrite segmentar focal é idiopática e a proteinúria alcançar a faixa nefrótica ou se função renal piorar.