Paracentese é a remoção do líquido peritoneal (ascite ou líquido ascítico) do abdome com aspiração percutânea por agulha.
Pode-se realizar a paracentese para o diagnóstico, para analisar o líquido ascítico (em que pequenas quantidades são removidas) ou para o tratamento, tipicamente em pacientes com ascite tensa crônica (em que grandes quantidades de líquido são removidas).
(Ver também Paracentese.)
Indicações para paracentese
Paracentese diagnóstica
Em pacientes que têm líquido peritoneal com etiologia nova ou incerta
Nos pacientes com ascite e sintomas como febre ou aumento da dor que sugerem possível infecção do líquido ascítico (p. ex., peritonite bacteriana espontânea)
Paracentese terapêutica
Para aliviar os sintomas, geralmente dispneia ou dor causada pela ascite de grande volume
Muitas causas de peritonite são emergências cirúrgicas e não exigem paracentese.
A seleção dos exames laboratoriais tipicamente realizados no líquido ascítico é discutida em Diagnóstico da ascite.
Contraindicações à paracentese
Contraindicações absolutas
Distúrbios da coagulação graves e não corrigidos
Obstrução intestinal com distensão intestinal (a menos que tenha sido identificada por exames de imagem uma área do líquido peritoneal que possa ser acessada com segurança)
Parede abdominal infectada
Contraindicações relativas
Falta de cooperação do paciente
Cicatrizes cirúrgicas no local de punção: a paracentese deve ser feita longe de qualquer área de cicatriz. Cicatrizes cirúrgicas podem causar aderência do intestino à parede abdominal, aumentando o risco de perfuração intestinal durante a paracentese.
Grande massa intra-abdominal, ou gestação no segundo ou terceiro trimestre: nesses pacientes, deve-se fazer a paracentese com orientação ultrassonográfica.
Hipertensão portal grave com circulação colateral abdominal: essa doença aumenta o risco de lesão por agulha nas veias dilatadas da parede abdominal.
Complicações da paracentese
Hemorragia decorrente de lesão por agulha em uma artéria ou veia: o sangramento intra-abdominal pode ser difícil de controlar e pode ser fatal.
Extravasamento prolongado de líquido ascítico pelo local da punção com agulha
Infecção (p. ex., decorrente de contaminação pela agulha ou flora cutânea)
Perfuração intestinal, resultando em extravasamento do conteúdo intestinal para o peritônio e infecção do líquido ascítico
Na paracentese de grande volume, hipotensão e possivelmente hiponatremia transitória e aumento da creatinina
Equipamento para paracentese
Termo de consentimento assinado
Anestésico local (p. ex., 10 mL de lidocaína a 1%), agulhas de calibre 25 e 20 a 22, e seringa de 10 mL
Solução antisséptica com aplicadores, campos estéreis e luvas
Esponjas de gaze estéril
Agulha de paracentese, como uma agulha de calibre 18 a 22 (1,5 ou 3,5 polegadas, conforme necessário) para a paracentese diagnóstica, uma agulha de calibre 18 a 14 (1,5 ou 3,5 polegadas, conforme necessário) ou uma agulha de Caldwell de calibre 15 (3,25 polegadas) com catéter metálico sobrejacente para a paracentese terapêutica
Bisturi com lâmina nº 11 (pode ser necessária para aumentar o local de entrada, sobretudo para paracentese de grande volume e agulhas maiores)
Válvula de controle de 3 vias
Seringa de 30 a 50 mL
Curativos para ferimentos (p. ex., bandagens adesivas)
Recipientes apropriados (p. ex., tubos com tampas vermelha e roxa, frascos de hemocultura) para coleta de líquidos para exames laboratoriais
Para remoção de grandes volumes, frascos a vácuo ou bolsas de coleta
Se a orientação por ultrassom é utilizada, equipamento ultrassonográfico
Considerações adicionais sobre a paracentese
Às vezes, recomenda-se a reposição de coloides, como a infusão concomitante de albumina IV (6 a 8 g/L de líquido ascítico removido ou 50 g) ou dextrano-70 (que não tem risco de infecção) durante a paracentese de grande volume (p. ex., remoção > 5 L) para ajudar a evitar uma alteração significativa no volume intravascular e a hipotensão pós-procedimento.
Se a paracentese guiada por ultrassom for feita, uma vez marcado o local, o procedimento deve ser feito com orientação em tempo real ou o paciente deve ser mantido imóvel e a paracentese feita o mais rápido possível para evitar desvio do líquido ou dos órgãos intra-abdominais.
Durante o segundo ou terceiro trimestre de gestação, deve-se utilizar orientação ultrassonográfica sempre que preferido pelo operador quando há uma massa intra-abdominal grande ou quando há cicatriz. Se há cicatriz, pode-se fazer a paracentese às cegas em um local longe da cicatriz.
Posicionamento para paracentese
Colocar o paciente sentado no leito com a cabeça elevada em 45 a 90°. Se escolher inserir a agulha no quadrante inferior esquerdo, girar parcialmente o paciente sobre o lado esquerdo para que o líquido se acumule na área.
Alternativamente, posicionar o paciente em decúbito lateral. Nessa posição, as alças intestinais cheias de ar flutuam para cima.
Anatomia relevante para paracentese
A linha alba é a banda fibrosa localizada na linha média que se estende verticalmente do processo xifoide à sínfise púbica. Essa banda fibrosa não contém vasos sanguíneos ou nervos importantes.
Descrição passo a passo da paracentese
Explicar o procedimento ao paciente e obter consentimento informado por escrito.
Pedir que paciente esvazie a bexiga por meio de micção ou cateterismo.
Colocar o paciente no leito com a cabeça elevada em 45 a 90°. Em pacientes com grande quantidade de ascite evidente, localiza-se um local de inserção na linha média entre o umbigo e o osso púbico, cerca de 2 cm abaixo do umbigo. Encontrar um local alternativo no quadrante inferior esquerdo, p. ex., cerca de 3 a 5 cm superior e medial à espinha ilíaca anterossuperior. Se optar pelo quadrante inferior esquerdo, virar o paciente parcialmente para o lado esquerdo para permitir que o líquido se acumule na área. O local de inserção deve ser lateral o suficiente para evitar a bainha do reto, que contém a artéria epigástrica inferior.
Alternativamente, posicionar o paciente em decúbito lateral. Nessa posição, as alças do intestino cheias de ar flutuam para cima, migrando para longe do ponto de entrada, que deve estar abaixo na região cheia de líquido. A posição de decúbito lateral esquerdo com inserção da agulha no quadrante inferior esquerdo é preferida por alguns médicos porque o ceco pode estar distendido com gás no quadrante inferior direito. Se necessário, pode-se utilizar o decúbito lateral direito.
Para escolher o local de inserção da agulha, percutir com cuidado porque a macicez à percussão confirma a presença de líquido.
Se necessário, utilizar ultrassom para identificar um local, confirmando a presença de líquido ascítico e a ausência de intestino sobrejacente.
Ao selecionar um local de inserção, evitar cicatrizes cirúrgicas e veias visíveis.
Se disponível, marcar o local de inserção com uma caneta marcadora de pele.
Preparar a área com um agente de limpeza de pele como clorexidina ou povidona-iodo e colocar um campo estéril utilizando luvas estéreis.
Utilizando uma agulha de calibre 25, aplicar o anestésico local, criando uma pápula, sobre o ponto de inserção. Alternar para uma agulha maior (calibre 20 ou 22) e injetar o anestésico de modo cada vez mais profundo até alcançar o peritônio, que também deve receber infiltração porque é sensível. Quando a agulha é avançada, manter uma pressão negativa constante para assegurar que a lidocaína não é injetada em um vaso sanguíneo.
Para paracentese diagnóstica, selecionar uma agulha de calibre 18 a 22 (1,5 ou 3,5 polegadas conforme necessário). Para a paracentese terapêutica, selecionar uma agulha de calibre 18 a 14 (1,5 ou 3,5 polegadas, conforme necessário) ou uma agulha de Caldwell (calibre 15, 3,25 polegadas). Agulhas de menor calibre diminuem o risco de complicações, como extravasamento de líquido ascítico, mas aumentam o tempo necessário para concluir a paracentese terapêutica.
Inserir a agulha perpendicularmente à pele no local marcado. Alternativamente, inserir a agulha utilizando o método Z-track, que pode ser feito de várias maneiras. Uma opção: puxar a pele, inserir a agulha perpendicularmente e manter essa tração de pele até que a agulha entre na cavidade peritoneal. Outra opção: puncionar apenas a pele, puxá-la para baixo e então avançar até a cavidade peritoneal. Uma terceira opção: inserir a agulha angulada (geralmente um ângulo 45°) em relação à pele e avançá-la. O método em Z (Z-track) preferido porque possibilita que a pressão intra-abdominal ajude a vedar o trato após a remoção da agulha e diminui o risco de extravasamento de líquido peritoneal.
Inserir a agulha lentamente para ajudar a evitar perfuração do intestino e utilizar sucção intermitente para evitar adentrar um vaso sanguíneo. Evitar a sucção contínua porque isso pode fazer com que o tecido (p. ex., intestino, omento) oclua a ponta da agulha.
Inserir a agulha através do peritônio (geralmente acompanhado de uma sensação de estalido) e aspirar delicadamente o líquido.
Para a paracentese diagnóstica, coletar líquido suficiente (p. ex., 30 mL a 50 mL) com uma seringa e colocar o líquido em tubos e frascos apropriados para teste, incluindo frascos para hemocultura.
Para a paracentese terapêutica, se for utilizada uma agulha de Caldwell, avançar o catéter de metal externo sobre a agulha, então remover a agulha de dentro do catéter. Conectar o catéter a uma bolsa coletora ou frasco a vácuo utilizando tubo.
Para paracentese terapêutica, remove-se um grande volume de líquido. Em geral, a remoção de 5 a 6 L de líquido é bem tolerada. Em alguns pacientes, pode-se remover até 8 L. Às vezes, recomenda-se a reposição de coloides, como a infusão concomitante de albumina IV durante a paracentese de grande volume (p. ex., remoção > 5 L) para ajudar a evitar uma alteração significativa no volume intravascular e a hipotensão pós-procedimento.
Pode-se utilizar uma cânula de 3 vias para controlar o fluxo de líquido ao trocar frascos de coleta ou se uma amostra diagnóstica é necessária.
Remover a agulha e aplicar pressão ao local.
Aplicar um curativo adesivo estéril ao local de inserção.
Cuidados posteriores para paracentese
Se há extravasamento significativo de líquido ascítico, aplicar bandagem de pressão.
Depois da paracentese de grande volume, monitorar a pressão arterial por 2 a 4 horas depois do procedimento.
Alertas e erros comuns para paracentese
Antes da inserção da agulha, deve haver macicez à percussão para confirmar a presença de líquido e a ausência de intestino sobrejacente. Na dúvida, utilizar ultrassom para identificar um local, confirmando a presença de líquido ascítico e a ausência de intestino sobrejacente.
Recomendações e sugestões de paracentese
Se o fluxo de líquido ascítico é interrompido durante a paracentese, girar delicadamente a agulha ou o catéter e avançar em incrementos de 1 a 2 mm. Se o fluxo não retomar, liberar brevemente a sucção do vácuo (em geral, utilizando a cânula de 3 vias) e então retomar a sucção. É possível, alternativamente, remover lentamente o catéter em incrementos de 1 a 2 mm, mas, uma vez fora do peritônio, o catéter não pode ser reinserido, de modo que isso deve ser feito com cautela.
Alguns pacientes exigem paracentese repetida. Utilizar essa experiência prévia como um guia para encontrar o local de inserção e estimar a quantidade de líquido que pode ser removida com segurança.