Distrofia muscular de Duchenne e distrofia muscular de Becker

(Distrofia muscular de Duchenne; distrofia muscular de Becker)

PorMichael Rubin, MDCM, New York Presbyterian Hospital-Cornell Medical Center
Revisado/Corrigido: jan. 2024
Visão Educação para o paciente

São distrofias de transmissão recessiva ligada ao X, caracterizadas por fraqueza progressiva dos músculos proximais, causadas por degeneração das fibras musculares. A distrofia de Becker tem início mais tardio e ocasiona sintomas mais leves. O diagnóstico é sugerido clinicamente e confirmado por testes genéticos ou análise do produto proteico (distrofina) do gene mutado. O tratamento é voltado à manutenção da função por meio de fisioterapia e uso de talas e órteses. Pacientes com distrofia de Duchenne devem receber prednisona ou deflazacorte e, às vezes, terapias genéticas.

Distrofias musculares são distúrbios musculares progressivos hereditários resultantes de defeitos em um ou mais genes necessários para a função e estrutura muscular normal; alterações distróficas (p. ex., necrose e regeneração das fibras musculares) são vistas nas amostras de biópsia.

As distrofias de Duchenne e de Becker são as distrofias musculares mais prevalentes. São causadas por mutações do gene da distrofina, o maior gene humano conhecido, no locus Xp21.2. Até 70% dos casos de distrofia de Duchenne são causados por deleção de um ou mais éxons, aproximadamente 10% por duplicação e 20% por mutação pontual. Na distrofia de Becker, aproximadamente 70% dos pacientes têm uma deleção, 20% têm uma duplicação e até 10% são mutações pontuais (1).

Na distrofia de Duchenne, essa mutação acarreta ausência grave (< 5%) da distrofina, uma proteína na membrana da célula muscular. Na distrofia de Becker, as mutações resultam na produção anormal de distrofina ou insuficiência de distrofina.

Distrofia de Duchenne e distrofia de Becker juntas afetam cerca de 1/5.000 a 1/6.000 nascidos vivos do sexo masculino (1); a maioria tem distrofia de Duchenne. Mulheres portadoras podem ter níveis elevados assintomáticos de creatinoquinase (CK) e possibilidade de hipertrofia da panturrilha.

Referência geral

  1. 1. Duan D, Goemans N, Takeda S, et al: Duchenne muscular dystrophy. Nat Rev Dis Primers 7(1):13, 2021. doi: 10.1038/s41572-021-00248-3

Sinais e sintomas

Distrofia de Duchenne

Esse distúrbio afeta cerca de 20/100.000 nascimentos vivos do sexo masculino e tipicamente se manifesta entre 2 e 3 anos de idade (1). A fraqueza afeta os músculos proximais, e no início, geralmente, os membros inferiores. Crianças frequentemente andam nas pontas dos pés e têm marcha anserina e hiperlordose lombar. Elas têm dificuldade de correr, saltar, subir escadas e levantar do chão. As crianças caem com frequência, muitas vezes causando fraturas nos membros superiores ou inferiores (em cerca de 20% dos pacientes) (2). A progressão da fraqueza é constante, desenvolvendo-se contratura em flexão dos membros e escoliose em praticamente todas as crianças. Surge firme pseudo-hipertrofia (grandes grupos musculares são substituídos por gordura e tecido fibroso, principalmente panturrilhas). A maioria das crianças precisa usar cadeira de rodas aos 12 anos e, se não for apoiada por ventilação mecânica, a maioria morre de complicações respiratórias por volta dos 20 anos de idade. Crianças em ventilação mecânica podem viver por mais 10 a 20 anos.

As consequências do envolvimento do miocárdio incluem cardiomiopatia dilatada, anormalidades de condução e arritmias. Essas complicações ocorrem em cerca de um terço dos pacientes com 14 anos de idade e em todos os pacientes com mais de 18 anos de idade; entretanto, como esses pacientes não são capazes de fazer exercícios, o envolvimento cardíaco é geralmente assintomático até o final da doença. Cerca de um terço manifesta leve inteligência deficiente, porém progressiva, o que afeta mais a habilidade verbal do que o desempenho de atuação.

Distrofia de Becker

Em comparação com a distrofia de Duchenne, a distrofia de Becker afeta < 8/100.000 nascidos vivos do sexo masculino, tipicamente torna-se sintomática muito mais tarde e é mais leve (3). A deambulação é geralmente preservada até pelo menos os 15 anos, e muitos assim permanecem até a vida adulta. A maioria dos afetados sobrevive até os 30 ou 40 anos.

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Kariyawasam D, D'Silva A, Mowat D, et al: Incidence of Duchenne muscular dystrophy in the modern era; an Australian study. Eur J Hum Genet 30(12):1398-1404, 2022. doi: 10.1038/s41431-022-01138-2

  2. 2. McDonald DG, Kinali M, Gallagher AC, et al: Fracture prevalence in Duchenne muscular dystrophy. Dev Med Child Neurol 44(10):695-698, 2002. doi: 10.1017/s0012162201002778

  3. 3. Duan D, Goemans N, Takeda S, et al: Duchenne muscular dystrophy. Nat Rev Dis Primers 7(1):13, 2021. doi: 10.1038/s41572-021-00248-3

Diagnóstico

  • Análise das mutações do DNA

  • Às vezes, biópsia do músculo com análise da distrofina por imunocoloração

A suspeita diagnóstica baseia-se em quadro clínico, idade do acometimento e história familiar sugestiva de herança recessiva ligada ao X. A eletromiografia mostra alterações miopáticas (potenciais de unidades motoras rapidamente recrutados, de curta duração e de baixa amplitude). Quando feita, a biópsia muscular mostra necrose e variação acentuado no tamanho da fibra muscular não segregada pela unidade motora. Níveis de creatinina quinase (CK) estão elevados em até 100 vezes o normal.

A análise de mutação do DNA de leucócitos no sangue periférico utilizando amplificação multiplex de sondas dependente de ligação (MLPA) é o teste confirmatório primário; pode identificar anormalidades no gene dystrophin. Se uma anormalidade não é detectada pela MLPA, mas se ainda há a suspeita de distrofia de Duchenne ou de Becker, pode-se realizar sequenciamento completo do gene dystrophin para detectar pequenas alterações genéticas, como mutações pontuais.

Se o teste genético não confirma o diagnóstico, deve-se fazer análise da distrofina por imunocoloração das amostras da biópsia muscular. A distrofina é indetectável em pacientes com distrofia de Duchenne. Em pacientes com distrofia de Becker, a distrofina costuma ser anormal (peso molecular mais baixo) ou está presente em baixa concentração.

Os pacientes com distrofia de Duchenne devem ser submetidos à avaliação básica da função cardíaca com ECG e ecocardiografia no momento do diagnóstico ou aos 6 anos de idade.

A averiguação de portadores e o diagnóstico pré-natal são possíveis utilizando-se estudos convencionais (p. ex., genealogia, avaliações da creatinina quinase (CK), determinação do sexo fetal) combinados à análise do DNA recombinante e distrofina do tecido muscular.

Tratamento

  • Medidas de suporte

  • Às vezes, correção cirúrgica

  • Algumas vezes, para cardiomiopatia, um inibidor da enzima conversora da angiotensina (ECA) e/ou betabloqueador

  • Para distrofia de Duchenne, prednisona ou deflazacorte e, às vezes, terapia genética

O tratamento implica em uma abordagem multidisciplinar que envolve tanto medidas não farmacológicas quanto farmacológicas, as quais incluem terapias genéticas. Incentiva-se exercício ativo leve (isto é, submáximo) pelo maior tempo possível para evitar atrofia por desuso ou complicações decorrentes da inatividade. Os exercícios passivos podem alongar o período de ambulação. O objetivo das intervenções ortopédicas deve ser manter a função e prevenir contraturas. A ortose tornozelo-pé utilizada durante o sono pode ajudar a prevenir contraturas por flexão. Aparelhos nas pernas podem ajudar temporariamente a preservar a ambulação ou a permanência de pé. Às vezes, é necessária a cirurgia corretiva, particularmente para escoliose. Obesidade deve ser evitada; as necessidades calóricas são provavelmente menores do que o normal por causa da atividade física reduzida.

A insuficiência respiratória pode ser tratada com suporte ventilatório não invasivo (p. ex., máscara nasal) e, às vezes, com ventilação mecânica. A traqueostomia eletiva tem ganhado aceitação, permitindo à criança com distrofia de Duchenne viver até os 40 anos e além.

Para crianças com cardiomiopatia dilatada, um inibidor da enzima conversora de angiotensina (ECA) e/ou um betabloqueador pode ajudar a prevenir ou desacelerar a progressão (1).

As terapias investigativas para distrofia de Duchenne e distrofia de Becker são a terapia gênica, creatina, inativação da miostatina, progenitores do músculo esquelético e o antioxidante idebenona (2).

Indica-se aconselhamento genético.

Corticoides para a distrofia de Duchenne

Na distrofia de Duchenne, corticoides (prednisona ou deflazacorte) diários são a base da terapia para pacientes > 4 anos de idade que não estão mais adquirindo ou têm habilidades motoras em declínio (3). Os corticoides começam a funcionar tão logo quanto 10 dias após o início da terapia; a eficácia atinge o pico em 3 meses e persiste por 6 meses. O uso a longo prazo melhora a força, atrasa a idade em que perde-se a deambulação em 1,4 a 2,5 anos, melhora os testes funcionais cronometrados (mensuração da rapidez com que a criança completa uma tarefa funcional, como caminhar ou levantar-se do chão), melhora a função pulmonar, reduz complicações ortopédicas (p. ex., a necessidade de cirurgia para escoliose), estabiliza a função cardíaca (p. ex atrasa o início da cardiomiopatia até aos 18 anos de idade) e aumenta a sobrevida em 5 a 15 anos (3). Prednisona em dias alternados não é eficaz. Ganho de peso e fácies cushingoides são efeitos adversos comuns após 6 a 18 meses. O risco de fraturas vertebrais por compressão e fraturas de ossos longos também é maior.

Deflazacorte pode estar associado a maior risco de catarata do que a prednisona.

O uso de prednisona ou deflazacorte para a distrofia de Becker ainda não foi estudado de maneira adequada.

Opções de terapia genética para distrofia de Duchenne

Terapias genéticas que aumentam os níveis de distrofina estão disponíveis em alguns países, mas são caras e seu benefício é incerto (4). O uso dessas terapias requer cuidadosa consideração e tomada de decisão compartilhada.

Medicamentos de omissão de éxons (eteplirsen IV, golodirsen, viltolenos e casimersen) utilizam oligonucleotídeos antisense que funcionam como remendos moleculares para o gene distrofina anormal no qual um ou mais éxons estão ausentes (os éxons ausentes impedem que a proteína completa seja montada, causando sintomas graves). Esses medicamentos mascaram um éxon de tal modo que ele é omitido e ignorado durante a produção de proteínas, permitindo a produção de uma proteína distrofina que, embora não normal, é funcional e, teoricamente, diminui os sintomas fazendo com que os pacientes pareçam mais com pacientes com distrofia muscular de Becker, que é menos grave.

  • Eteplirsen omite o éxon 51. Dados limitados sugerem que o eteplirsen provoca aumento da distrofina nos músculos e aumento do desempenho em testes de caminhada cronometrados em 13% dos pacientes com distrofia de Duchenne que têm a mutação do gene distrofina que é passível de omissão do éxon 51. A aprovação do fármaco foi criticada porque se baseou em um pequeno estudo que considerava um desfecho alternativo (distrofina na biópsia muscular) (5), e cujo benefício clínico ainda não foi comprovado.

  • Golodirsen e viltolarsen omitem o éxon 53. Pode-se utilizá-la em 8% dos pacientes com distrofia de Duchenne que têm uma mutação no gene distrofina passível de omissão do éxon 53. O benefício clínico ainda não foi comprovado.

  • O casimersen omite o éxon 45. Pode ser utilizado em 8% dos pacientes com distrofia de Duchenne com mutação confirmada passível de omissão do éxon 45. Aumenta a produção de distrofina, mas o benefício clínico não foi demonstrado.

Interromper fármacos de leitura de códons (p. ex., o atalureno oral [PTC124]) evita os códons de parada prematura, possibilitando a produção de uma proteína funcional. Os códons de parada são mutações sem sentido que interrompem a produção de uma proteína funcional muito cedo, resultando em uma proteína truncada e não funcional.

  • O atalureno promove a leitura ribossômica de códons de terminação prematuros, mas não os normais, e visa produzir uma proteína distrofina funcional. É uma opção para pacientes com distrofia de Duchenne que têm 2 anos de idade ou mais, que deambulam e cuja doença é causada por mutações sem sentido. O atalureno está disponível na União Europeia e no Reino Unido. O benefício clínico não foi comprovado (6).

Transferência de genes via vetores virais (p. ex., delandistrogene moxeparvovec) utilizam vetores virais para transferir material genético corretivo a músculos afetados.

  • Apesar da falta de benefícios clínicos comprovados, o delandistrogene moxeparvovec é o único agente aprovado para a terapia de transferência de genes via vetor viral na qual os transgenes de microdistrofina podem ser entregues aos músculos esqueléticos e cardíaco utilizando um capsídeo de vírus adeno-associado (AAVrh74). O estudo não detectou melhora funcional (7), mas uma análise de subgrupos revelou alguma melhora na faixa etária de 4 a 5 anos (8). Os efeitos adversos incluem náuseas, vômitos, febre, disfunção hepática e trombocitopenia, bem como reações inflamatórias imunológicas potencialmente fatais. São necessários estudos adicionais para determinar o lugar deste agente no arsenal terapêutico contra a distrofia de Duchenne.

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Birnkrant DJ, Bushby K, Bann CM, et al: Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 2: respiratory, cardiac, bone health, and orthopaedic management. Lancet Neurol 17(4):347-361, 2018. doi: 10.1016/S1474-4422(18)30025-5

  2. 2. Ren S, Yao C, Liu Y, et al: Antioxidants for Treatment of Duchenne Muscular Dystrophy: A Systematic Review and Meta-Analysis. Eur Neurol 85(5):377-388, 2022. doi: 10.1159/000525045

  3. 3. Gloss D, Moxley RT 3rd, Ashwal S, Oskoui M: Practice guideline update summary: Corticosteroid treatment of Duchenne muscular dystrophy: Report of the Guideline Development Subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology 86:465–472, 2016. doi: 10.1212/WNL.0000000000002337

  4. 4. Bendicksen L, Zuckerman DM, Avorn J, et al: The Regulatory Repercussions of Approving Muscular Dystrophy Medications on the Basis of Limited Evidence. Ann Intern Med 176(9):1251-1256, 2023. doi: 10.7326/M23-1073

  5. 5. Mendell JR, Goemans N, Lowes LP, et al: Longitudinal effect of eteplirsen versus historical control on ambulation in Duchenne muscular dystrophy. Ann Neurol 79(2):257-271, 2016. doi: 10.1002/ana.24555

  6. 6. McDonald CM, Campbell C, Torricelli RE, et al: Ataluren in patients with nonsense mutation Duchenne muscular dystrophy (ACT DMD): A multicentre, randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet 390:(10101):1489–1498, 2017. doi: 10.1016/S0140-6736(17)31611-2

  7. 7. Mendell JR, Shieh PB, McDonald CM, et al: Expression of SRP-9001 dystrophin and stabilization of motor function up to 2 years post-treatment with delandistrogene moxeparvovec gene therapy in individuals with Duchenne muscular dystrophy. Front Cell Dev Biol 11:1167762, 2023. doi: 10.3389/fcell.2023.1167762

  8. 8. Elevidys. Prescribing information. Sarepta Therapeutics, Inc; 2023. Acessado em 9 de janeiro de 2024.

Pontos-chave

  • As distrofias de Becker e Duchenne são doenças recessivas ligada ao X que causam queda nos níveis de distrofina, uma proteína nas membranas das células musculares.

  • Pacientes têm fraqueza progressiva significativa que causa incapacidade grave, incluindo dificuldade para caminhar, quedas frequentes, cardiomiopatia dilatada e morte prematura devido à insuficiência respiratória.

  • Exercícios ativos e passivos são úteis, juntamente com talas de membro inferior e órteses tornozelo-pé.

  • Na distrofia de Duchenne, prednisona ou deflazacorte diário melhoram a força e massa musculares, melhorar a função pulmonar e ajudar a atrasar o início da cardiomiopatia, embora efeitos adversos sejam comuns.

  • Para pacientes com distrofia de Duchenne com certas mutações, eteplirsen, golodirsen, viltolarsen, casimersen, e ataluren, apesar das evidências limitadas do benefício clínico, também podem ser utilizados.

  • Um inibidor da enzima conversora da angiotensina (ECA) e/ou um betabloqueador pode ajudar a prevenir ou desacelerar a progressão da cardiomiopatia.

  • Suporte ventilatório (não invasivo e, mais tarde, invasivo) pode ajudar a prolongar a vida.

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. Muscular Dystrophy Association: informações sobre pesquisas, tratamentos, tecnologias e suporte para pacientes com distrofia muscular de Duchenne e distrofia muscular de Becker

  2. National Organization for Rare Disorders: informações abrangentes sobre distrofia muscular de Duchenne e distrofia muscular de Becker, incluindo terapias convencionais e experimentais e links para assuntos relacionados

  3. Muscular Dystrophy News Today: um site com notícias e informações sobre a distrofia muscular

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