Existem mais de 170 espécies reconhecidas de micobactérias, majoritariamente ambientais. A exposição ambiental a muitos desses organismos é comum, mas a maioria das exposições não causa infecção e muitas infecções não causam doença. Em geral, a doença requer um defeito nas defesas locais ou sistêmicas do hospedeiro. Pessoas com doença pulmonar crônica (especialmente fibrose cística), idosos frágeis e pessoas imunocomprometidas têm maior risco, mas outras com defeitos menos óbvios podem ter doença progressiva. Novas espécies e infecções são identificadas regularmente. (A tuberculose por infecção micobacteriana é discutida em outras partes.)
Micobactérias, exceto Mycobacterium tuberculosis, podem ser patógenos humanos e a incidência da infecção parece estar aumentando. Esses organismos costumam estar presentes no solo e na água e são menos virulentos em seres humanos do que M. tuberculosis. As infecções causadas por esses organismos foram chamadas infecções por micobactérias atípicas, ambientais e não tuberculosas (MNT). Esses organismos também causam uma variedade mais ampla de manifestações da doença entre pessoas com infecção pelo HIV ou imunocomprometidas por outros motivos, mas essas manifestações não são discutidas aqui.
Em geral, as infecções por MNTs não são doenças transmissíveis (isto é, são frequentemente adquiridas do ambiente e não a partir de pessoas infectadas), de modo que não são doenças de saúde pública notificáveis e é difícil determinar com precisão sua incidência. Além disso, o isolamento de um organismo NTM não significa necessariamente que seja a causa da doença. Entretanto, a quantidade de pacientes que apresenta infecção por NMT que requer tratamento parece estar aumentando. Não está claro quanto desse aumento aparente é decorrente da maior conscientização e da melhora nos testes diagnósticos e quanto é um aumento real na incidência da infecção. A sobrevida mais longa dos pacientes com fibrose cística e pacientes com outras doenças pulmonares predisponentes podem ser um fator. Como os organismos MNT são bastante resistentes aos níveis rotineiros de cloro na água encanada (1), a maior exposição a fontes de água aerossolizadas a partir de duchas diárias, nebulizadores de água e fontes decorativas pode estar influenciando. As mudanças climáticas ambientais também podem influenciar porque um clima mais quente e úmido amplia as áreas em que organismos MNT podem habitar. Em todo o mundo, há uma diversidade geográfica considerável quanto à prevalência de organismos MNT em amostras clínicas e fontes ambientais. Nos Estados Unidos, o clima mais quente e úmido do sul geralmente favorece mais a presença de isolados de MNT do que o clima mais frio e seco do norte.
O complexo Mycobacterium avium (MAC) — as espécies estreitamente relacionadas de M. avium e M. intracellulare — é responsável pela maioria das infecções por MNT, mas M. abscessus é cada vez mais comum. Outras espécies causadoras são M. kansasii, M. xenopi, M. marinum, M. ulcerans, M. fortuitum e M. chelonae (M. fortuitum e M. chelonae estão relacionados com M. abscessus). Embora não se acredite que haja transmissão de uma pessoa para outra na maioria das infecções por MNT, a M. abscessus pode ser transmitida entre pacientes com fibrose cística.
Os pulmões são o local mais comum de infecção; a maioria dessas infecções pulmonares é causada por MAC, mas também pode ser causada por M. kansasii, M. xenopi ou M. abscessus. Ocasionalmente, há casos envolvendo linfonodos, ossos e articulações, pele e ferimentos. Porém, a doença por MAC disseminada está aumentando nos pacientes infectados pelo HIV e a resistência a fármacos antituberculose é uma regra (exceto para M. kansasii e M. xenopi).
O diagnóstico das infecções micobacterianas não tuberculosas é normalmente feito por meio de coloração álcool-ácido resistente e cultura das amostras. Embora existam testes de amplificação de ácidos nucleicos (NAATs) para os organismos NTM mais comuns, nos Estados Unidos a especiação é cada vez mais realizada em laboratórios estaduais de saúde pública utilizando métodos moleculares e outros métodos.
As infecções micobacterianas não tuberculosas são mais bem tratadas por um especialista com conhecimento específico nessa área. Para informações diagnósticas e terapêuticas atualizadas sobre o diagnóstico e o tratamento dessas infecções desafiadoras, ver as diretrizes práticas de 2020 sobre o tratamento da doença pulmonar micobacteriana não tuberculosa da American Thoracic Society, European Respiratory Society, European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases e Infectious Diseases Society of America.
Referência geral
1. Norton GJ, Williams M, Falkinham JO 3rd, Honda JR: Physical measures to reduce exposure to tap water-associated nontuberculous mycobacteria. Front Public Health 8:190, 2020. doi: 10.3389/fpubh.2020.00190
Doença pulmonar
Pacientes típicos são mulheres de meia-idade ou idosas com bronquiectasia, silicose, pectus excavatum, ou prolapso da valva mitral sem anormalidades pulmonares de base. Mycobacterium avium complex (MAC) também causa doença pulmonar em homens brancos de meia-idade ou idosos com problemas pulmonares prévios como bronquite crônica, enfisema, tuberculose curada, bronquiectasia ou silicose. Nem sempre está claro se MAC causa bronquiectasias ou se bronquiectasias levam a MAC em qualquer paciente; ambos os fenômenos ocorrem. Em idosos, mulheres magras com tosse seca crônica, essa síndrome é muitas vezes chamada síndrome de Lady Windermere; sua frequência parece estar aumentando por razões desconhecidas.
Outra população importante sujeita a infecções e doenças por NMR são os pacientes com fibrose cística. Com a melhora no manejo da FC, os pacientes vivem mais tempo e, portanto, têm maior probabilidade de desenvolver complicações como a doença por MNT.
Tosse e expectoração são comuns, costumam ser associadas a fadiga, perda ponderal e febre baixa. O curso pode ser lento, progressivo e estável ao longo do tempo. Insuficiência respiratória e hemoptise persistentes podem se desenvolver. As infiltrações fibronodulares nas radiografias de tórax lembram os da tuberculose pulmonar, mas a cavitação tende a ser de parede fina e o derrame pleural é raro. As chamadas infiltrações em árvore-e-brotamento, vistas na TC do tórax, também são características de doença por MAC.
Fazem-se exame e cultura de escarro para diagnosticar o MAC e distinguir entre infecção por MAC e tuberculose.
A determinação de sensibilidade para combinação de fármacos é útil para determinadas associações de microrganismos/fármacos, mas pode ser obtida somente em laboratórios altamente especializados. Para MAC, a susceptibilidade à claritromicina é um indicador de resposta terapêutica.
Para doença sintomática moderada por MAC, com esfregaço e cultura de escarro positivos, claritromicina, 500 mg por via oral 2 vezes ao dia ou azitromicina, 600 mg por via oral uma vez ao dia, rifampicina (RIF), 600 mg por via oral uma vez ao dia, e etambutol (EMB), 15 a 25 mg/kg, por via oral uma vez ao dia, devem ser utilizados durante 12 a 18 meses ou até que a cultura seja negativa por 12 meses.
Em casos progressivos sem resposta a fármacos-padrão, associações de 4 a 6 fármacos, que incluem claritromicina, 500 mg por via oral 2 vezes ao dia ou azitromicina, 600 mg por via oral uma vez ao dia, rifabutina, 300 mg por via oral uma vez ao dia, ciprofloxacino, 250 a 500 mg por via oral ou IV 2 vezes ao dia, clofazimina, 100 a 200 mg por via oral uma vez ao dia, e amicacina, 10 a 15 mg/kg, IV uma vez ao dia, podem ser tentados.
Ressecção cirúrgica é recomendada em casos excepcionais envolvendo doença bem localizada em pacientes jovens, sem doença de base.
Infecções por M. kansasii e M. xenopi respondem a isoniazida, rifabutina e EMB, com ou sem estreptomicina ou claritromicina, administradas durante 18 a 24 meses. M. abscessus é um organismo multirresistente. Os isolados de MNT têm resistência in vitro à maioria dos antibióticos orais, mas geralmente são suscetíveis a uma porção limitada de antibióticos parenterais, como tigeciclina, imipenem, cefoxitina e amicacina; recomenda-se o tratamento com pelo menos 3 fármacos ativos (ver diretrizes práticas de 2020 sobre o tratamento da doença pulmonar micobacteriana não tuberculosa).
Todas as micobactérias não tuberculosas são resistentes à pirazinamida.
Linfadenite
Em crianças de 1 a 5 anos de idade, a linfadenite crônica, submaxilar, cervical e submandibular é geralmente decorrente de MAC ou Mycobacterium scrofulaceum. É presumivelmente adquirida por ingestão oral de microrganismos do solo.
O diagnóstico geralmente é realizado por biópsia excisional.
Em geral, excisão é o tratamento adequado, quimioterapia não é necessária.
Doença cutânea
Granuloma da piscina é uma doença ulcerativa granulomatosa, superficial, insidiosa e autolimitada, com frequência causada por Mycobacterium marinum contraída em piscinas contaminadas ou na limpeza de aquários em domicílio. M. ulcerans e M. kansasii estão ocasionalmente envolvidos. Lesões edemaciadas e vermelhas, que aumentam de tamanho e se tornam arroxeadas, com frequência acometem os membros superiores ou os joelhos.
A cura pode ocorrer de forma espontânea, mas minociclina ou doxiciclina, 100 a 200 mg por via oral uma vez ao dia, claritromicina, 500 mg por via oral 2 vezes ao dia ou RIF mais EMB, durante 3 a 6 meses, são eficazes contra M. marinum.
Úlcera de Buruli, causada por M. ulcerans, ocorre em áreas rurais de > 30 países tropicais e subtropicais; a maioria dos casos ocorre na África Ocidental e Central. Começa como um nódulo subcutâneo indolor, uma grande área de induração indolor ou um edema difuso indolor nos membros inferiores, nos membros superiores ou na face. A infecção progride e causa destruição extensa de pele e tecidos moles; grandes úlceras podem se formar nos membros inferiores ou nos membros superiores. A cura pode resultar em contratura, formação de cicatrizes e deformidade grave.
Para o diagnóstico, deve-se utilizar a reação em cadeia da polimerase.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda uma terapia combinada de 8 semanas com rifampicina 10 mg/kg oral mais estreptomicina 15 mg/kg IM, claritromicina 7,5 mg/kg via oral (preferível durante a gestação) ou moxifloxacina 400 mg via oral. Entretanto, a estreptomicina é problemática porque sua vida de administração é parenteral e tóxica. A OMS afirma que um estudo recente sugere que a combinação de rifampicina (10 mg/kg uma vez/dia) e claritromicina (7,5 mg/kg 2 vezes ao dia) é agora o tratamento recomendável (1).
Referência sobre infecções cutâneas
1. World Health Organization (WHO): Buruli ulcer (Mycobacterium ulcerans infection). Acessado em 26/4/2022.
Ferimentos e infecções por corpo estranho
Micobactérias não tuberculosas formam biofilmes; elas podem sobreviver nos sistemas de água em instalações residenciais, comerciais e de saúde. Elas são difíceis de erradicar com práticas comuns de descontaminação (p. ex., uso de cloreto, organomercuriais ou glutaraldeído alcalino).
Micobactérias não tuberculosas em crescimento rápido (complexo Mycobacterium fortuitum, M. chelonae, complexo M. abscessus) podem causar surtos nosocomiais de infecções, geralmente decorrentes de injeção com soluções contaminadas, contaminação de feridas com água não estéril, uso de instrumentos contaminados ou implantação de dispositivos contaminados. Essas infecções também podem se desenvolver após procedimentos estéticos, acupuntura ou tatuagem. O complexo M. fortuitum causou infecção grave em ferimentos profundos dos olhos e da pele (especialmente pés), em tatuagens e em pacientes que recebem materiais contaminados (p. ex., valvas cardíacas porcinas, implantes mamários, cera para osso).
Nos Estados Unidos, ocorrem surtos da infecção por M. abscessus na Geórgia (2015) e Califórnia (2016). Esses surtos ocorreram em crianças quando a água contaminada pelo biofilme do M. abscessus foi utilizada para irrigar a câmara pulpar dentária durante procedimento de canal radicular; o resultado foi infecção grave.
O tratamento geralmente requer extenso desbridamento e remoção de material estranho. Exemplos úteis de fármacos incluem
Imipeném 1 g IV a cada 6 horas
Levofloxacino, 500 mg, IV ou por via oral uma vez ao dia
Claritromicina 500 mg por via oral 2 vezes ao dia
Sulfametoxazol/trimetoprima, 1 comprimido de dupla potência por via oral 2 vezes ao dia
Doxiciclina, 100 a 200 mg por via oral uma vez ao dia
2 g de cefoxitina IV a cada 6-8 horas
Amicacina, 10 a 15 mg/kg, IV uma vez ao dia
Recomenda-se uma terapia combinada de pelo menos 2 fármacos que apresentem atividade in vitro. A duração da terapia é, em média, 24 meses e pode ser mais longa se o corpo estranho infectado permanecer no corpo. Geralmente inclui-se amicacina nos primeiros 3 a 6 meses da terapia. Infecções provocadas por M. abscessus e M. chelonae geralmente são resistentes à maioria dos antibióticos e têm-se mostrado extremamente difíceis ou impossíveis de serem controladas, devendo ser encaminhadas para um especialista experiente.
Doença disseminada
Mycobacterium avium complex (MAC) com frequência causa doenças disseminadas em pacientes com aids avançada e ocasionalmente naqueles portadores de outros estados de imunocomprometimento, incluindo transplantes de órgão e leucemia de células pilosas. Na aids disseminada, o MAC geralmente se desenvolve de forma mais tardia (diferentemente da tuberculose, que se desenvolve de maneira precoce), ocorrendo simultaneamente a outras infecções oportunistas.
A doença disseminada provocada por MAC causa febre, anemia, trombocitopenia, diarreia e dor abdominal (características similares às da doença de Whipple).
Pode-se confirmar o diagnóstico da infecção por MAC disseminada por culturas do sangue, da medula óssea ou por biópsia (p. ex., biópsia percutânea com agulha fina do fígado ou linfonodos necrosados). Os organismos podem ser identificados nas fezes e em secreções respiratórias, mas microrganismos destas amostras podem representar mais colonização do que doenças verdadeiras.
A terapia combinada para eliminar bacteremia e aliviar os sintomas geralmente requer 2 ou 3 fármacos; uma combinação é claritromicina, 500 mg, por via oral, 2 vezes ao dia, ou azitromicina, 600 mg, por via oral, uma vez/dia, mais etambutol (EMB), 15 a 25 mg/kg, uma vez/dia. Algumas vezes, a rifabutina, 300 mg por via oral 1 vez/dia, também é utilizada. Após o tratamento bem-sucedido, é necessária uma profilaxia secundária com claritromicina ou azitromicina associada a EMB para prevenir recidivas.
Pacientes infectados pelo HIV que não foram diagnosticados antes de manifestarem MAC disseminada devem receber 2 semanas de tratamento antimicobacteriano antes de iniciar a terapia antirretroviral para diminuir o risco de desenvolver a síndrome inflamatória da reconstituição imunitária (IRIS).
Pacientes com infecção pelo HIV e contagem de CD4 < 100 células/mcL (0,01 × 109/L) requerem profilaxia para MAC disseminada com azitromicina 1,2 g por via oral 1 vez/semana ou claritromicina 500 mg por via oral 2 vezes ao dia.
Informações adicionais
O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.
American Thoracic Society, European Respiratory Society, European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases, and Infectious Diseases Society of America: Treatment of nontuberculous mycobacterial pulmonary disease: An official ATS/ERS/ESCMID/IDSA clinical practice guideline (2020)