O câncer de tireoide pode derivar de células foliculares ou células C parafoliculares. A maioria dos cânceres de tireoide se apresenta como nódulo assintomático. O diagnóstico costuma ser feito por biópsia aspirativa por agulha fina, mas pode envolver outros exames. O tratamento é remoção cirúrgica, algumas vezes seguido de ablação do tecido tireoidiano residual com iodo radioativo.
(Ver também Visão geral da função tireoidiana.)
O câncer de tireoide pode derivar de
Células epiteliais foliculares: câncer de tireoide papilar, folicular, oncocítico, de alto grau, pouco diferenciado e anaplásico
Células C parafoliculares: câncer medular de tireoide
A maior parte dos cânceres de tireoide são carcinomas papilares (~ 84%) ou foliculares (~ 4%) (1). Os carcinomas papilífero e folicular juntos são denominados câncer de tireoide diferenciado por causa da sua semelhança histológica com o tecido tireoidiano normal e preservação de função diferenciada (p. ex., secreção de tireoglobulina). Por outro lado, carcinomas tireoidianos de alto grau, pouco diferenciados e anaplásicos são agressivos e secretam menos tireoglobulina.
Neoplasia folicular não invasiva da tireoide com características nucleares semelhantes ao tipo papilífera (anteriormente conhecida como variante folicular encapsulada não invasiva do carcinoma papilífero da tireoide sem invasão capsular ou vascular) agora é considerada uma lesão benigna (1, 2).
A maioria dos cânceres de tireoide se manifesta como nódulos assintomáticos encontrados acidentalmente durante exames de imagem ou no exame físico. É raro que os sinais iniciais de um câncer de tireoide sejam metástases em linfonodos, pulmões ou ossos.
O diagnóstico geralmente é feito por biópsia aspirativa por agulha fina, mas pode envolver outros testes com a amostra da biópsia, incluindo imunocoloração para tireoglobulina ou proteína BRAF V600E e testes moleculares.
O tratamento dos cânceres de tireoide bem diferenciados é a remoção cirúrgica das lesões > 1,5 cm, com ou sem ablação do tecido residual com iodo radioativo. Lesões menores são tratadas com cirurgia ou monitoramento ativo.
Cânceres papilares e foliculares de tireoide geralmente apresentam crescimento lento, com uma excelente sobrevida global em 5 anos de 98,5% (3). Entretanto, a mortalidade é alta no caso de cânceres de tireoide de alto grau, pouco diferenciados e anaplásicos. Pacientes com carcinoma medular metastático podem viver por muitos anos, mas geralmente morrem de câncer.
Referências gerais
1. Fagin JA, Wells SA Jr. Biologic and Clinical Perspectives on Thyroid Cancer. N Engl J Med 2016;375(11):1054-1067. doi:10.1056/NEJMra1501993
2. Nikiforov YE, Seethala RR, Tallini G, et al: Nomenclature revision for encapsulated follicular variant of papillary thyroid carcinoma: A paradigm shift to reduce overtreatment of indolent tumors. JAMA Oncol 2(8):1023–1029, 2016. doi:10.1001/jamaoncol.2016.0386
3. SEER*Explorer: An interactive website for SEER cancer statistics [Internet]. Surveillance Research Program, National Cancer Institute; 2023 Apr 19. [atualizado: 2023, 16 de novembro; citado 2024 Jan 19]. Disponível em: https://seer.cancer.gov/statistics-network/explorer/. Fonte(s) dos dados: SEER Incidence Data, November 2022 Submission (1975-2020), SEER 22 registros.
Carcinoma papilífero da tireoide
O carcinoma papilífero é responsável por 80 a 90% de todos os cânceres de tireoide. A proporção mulher:homem é 3:1. Pode ser familiar em 3-9% dos pacientes. A maioria dos pacientes tem de 30 a 60 anos. Em geral, o tumor é mais agressivo em pacientes idosos (1)
A mutação genética mais comum que dá origem a esses tumores é a mutação BRAF V600E.
A incidência de carcinoma papilífero da tireoide aumentou nas últimas décadas, principalmente devido à descoberta incidental de pequenos cânceres em pacientes submetidos a ultrassonografia do pescoço, ressonância magnética ou tomografia computadorizada que incluíam o pescoço no campo da imagem e PET scans.
O câncer papilífero da tireoide pode se disseminar por via linfática em um terço dos pacientes e podem ocorrer metástases pulmonares. Os pacientes com < 55 anos com tumores pequenos confinados à tireoide têm excelente prognóstico.
A conduta expectante à procura de aumento no tamanho ou aparência das metástases em linfonodos cervicais via ultrassonografia pode ser uma alternativa à cirurgia em pacientes adequadamente selecionados com carcinomas papilares < 1,5 cm, uma vez que apenas 15% aumentam 3 mm em 10 anos e apenas 3,4% desenvolvem metástases nos linfonodos cervicais em 10 anos (2).
No caso de tumores pequenos (entre 1,5 e 4 cm), a hemitireoidectomia é uma opção de tratamento apropriada e quase sempre curativa. Tumores > 4 cm ou multifocais requerem tireoidectomia total ou quase total.
O sistema de estratificação de risco da American Thyroid Association divide os pacientes em 3 grupos e é usado para estimar o risco de recorrência e mortalidade (3):
Baixo risco: doença intratireoidiana, unifocal ou multifocal, e envolvimento de < 5 linfonodos
Risco intermediário: linfadenopatia mais extensa, extensão extratireoidiana e características histológicas agressivas ou invasão vascular
Alto risco: linfadenopatia volumosa (> 3 cm), extensão extratireoidiana macroscópica, invasão vascular em carcinomas foliculares da tireoide e metástases à distância
A radioiodoterapia pós-operatória é utilizada para a ablação do tecido residual da tireoide por uma ou mais das seguintes razões:
Para possibilitar a interpretação dos níveis de tireoglobulina durante a vigilância
Como tratamento adjuvante em caso de suspeita de câncer de tireoide residual ou se o risco de recorrência for intermediário ou alto
Para auxiliar no estadiamento do câncer em pacientes com câncer de tireoide de alto risco, se houver suspeita de doença metastática distante
A radioiodoterapia pós-operatória não demonstrou diminuir a recorrência em pacientes com câncer de tireoide de baixo risco e, portanto, não é recomendada (4).
Em pacientes com câncer de tireoide de risco intermediário ou alto, depois do tratamento inicial, administram-se doses de levotiroxina suficientes para suprimir os níveis de tireotropina a fim de reprimir o crescimento do câncer de tireoide. Utilizam-se os níveis séricos de tireoglobulina e anticorpos antitireoglobulina e a ultrassonografia do pescoço para detectar doença persistente ou recorrente. Aproximadamente 20 a 30% dos pacientes com câncer de tireoide intermediário e de alto risco têm doença recorrente ou persistente. Quando metástases estruturalmente progressivas refratárias à radioiodoterapia são documentadas, esses pacientes necessitam de cirurgia adicional ou tratamento com inibidores da tirosina quinase.
Em geral, recomenda-se a transição para um programa de sobrevivência ao câncer ou o acompanhamento por um médico generalista depois dos 5 anos de vigilância em pacientes sem evidências de doença, uma vez que o risco de recorrência cai para menos de 1%. Uma ultrassonografia da tireoide e um painel de tireoglobulina e anticorpos anti tireoglobulina a cada 5 anos podem detectar recidivas posteriores, que são raras.
Referências sobre carcinoma papilífero da tireoide
1. Boucai L, Zafereo M, Cabanillas ME: Thyroid Cancer: A Review. JAMA 331(5):425–435, 2024. doi:10.1001/jama.2023.26348
2. Saravana-Bawan B, Amandeep Bajwa A, Paterson J, et al: Active surveillance of low-risk papillary thyroid cancer: A meta-analysis. Surgery 167:46–55, 2020. doi: 10.1016/j.surg.2019.03.040
3. Haugen BR, Alexander EK, Bible KC, et al: 2015 American Thyroid Association Management Guidelines for Adult Patients with Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer: The American Thyroid Association Guidelines Task Force on Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer. Thyroid 26(1):1–133, 2016. doi: 10.1089/thy.2015.0020
4. Leboulleux S, Bournaud C, Chougnet CN, et al: Thyroidectomy without Radioiodine in Patients with Low-Risk Thyroid Cancer. N Engl J Med 386(10):923–932, 2022. doi:10.1056/NEJMoa2111953
Carcinoma folicular da tireoide
O carcinoma folicular é responsável por aproximadamente 4% dos cânceres de tireoide. É mais comum em pacientes idosos e em regiões com deficiência de iodo. É mais agressivo do que carcinoma papilar uma vez que se dissemina hematogenicamente e tem maior risco de metástases a distância. A mutação genética mais comum que dá origem a esses tumores é uma mutação RAS.
O tratamento requer tireoidectomia quase total e terapia pós-operatória com iodo radioativo. As metástases são mais responsivas a doses repetidas de radioiodoterapia do que as do carcinoma papilar. Administram-se doses para supressão do hormônio tireoestimulante e de levotiroxina após o tratamento. Deve-se medir os níveis de tireoglobulina sérica e fazer ultrassonografia cervical periódica para detectar doença reincidente ou persistente.
Carcinoma oncocítico da tireoide (previamente chamado de carcinoma de células de Hurthle)
Os carcinomas oncocíticos da tireoide (também conhecidos como carcinomas de células oxifílicas) são historicamente considerados um subgrupo de carcinomas foliculares da tireoide, mas dados genômicos confirmam que esses tumores são uma entidade distinta. A perda da heterozigose da maioria dos cromossomos e as duplicações cromossômicas dos cromossomos 5 e 7, bem como as mutações do DNA mitocondrial, conferem a esses tumores um citoplasma rico em mitocôndrias e sua designação "oncocítico".
Esses tumores podem ser encapsulados ou amplamente invasivos. Carcinomas oncocíticos amplamente invasivos não respondem tão bem à radioiodoterapia, apresentam alta captação de FDG nos exames de PET, e tendem a produzir metástases por via hematogênica para fora do pescoço (1, 2).
Referências sobre carcinoma oncótico da tireoide
1. Ganly I, Makarov V, Deraje S, et al. Integrated Genomic Analysis of Hurthle Cell Cancer Reveals Oncogenic Drivers, Recurrent Mitochondrial Mutations, and Unique Chromosomal Landscapes. Cancer Cell 2018;34(2):256-270.e5. doi:10.1016/j.ccell.2018.07.002
2. Gopal RK, Kubler K, Calvo SE, et al. Widespread Chromosomal Losses and Mitochondrial DNA Alterations as Genetic Drivers in Hurthle Cell Carcinoma. Cancer Cell 2018;34(2):242-255.e5. doi:10.1016/j.ccell.2018.06.013
Carcinoma anaplásico da tireoide
O carcinoma anaplásico é um câncer indiferenciado que responde por aproximadamente 1% dos cânceres de tireoide e contribui para 20% da mortalidade anual relacionada ao câncer de tireoide (1). Ocorre principalmente em idosos, sendo pouco mais frequente em mulheres. O tumor caracteriza-se por crescimento rápido e doloroso. O súbito aumento da tireoide também sugere linfoma da tireoide, particularmente quando encontrado em associação com a tireoidite de Hashimoto.
Aproximadamente 45% dos tumores anaplásicos abrigam uma mutação BRAF V600E. Em um estudo, os pacientes que, antes da cirurgia, receberam terapia alvo com dabrafenibe mais trametinibe e, na maioria dos casos, um inibidor do checkpoint imune, tiveram uma taxa de sobrevida em 1 ano de 93%. Aqueles submetidos à cirurgia antes de receberem terapia alvo tiveram uma taxa de sobrevida em 1 ano de 74%; aqueles que receberam terapia alvo, mas não cirurgia, tiveram uma taxa de sobrevida em 1 ano de 38% (2, 3).
Referências sobre carcinoma anaplásico da tireoide
1. Lim H, Devesa SS, Sosa JA, Check D, Kitahara CM: Trends in Thyroid Cancer Incidence and Mortality in the United States, 1974-2013. JAMA 2017;317(13):1338–1348. doi:10.1001/jama.2017.2719
3. Bible KC, Kebebew E, Brierley J, et al: 2021 American Thyroid Association Guidelines for Management of Patients with Anaplastic Thyroid Cancer. Thyroid 31(3):337–386, 2021. doi: 10.1089/thy.2020.0944
3. Zhao X, Wang JR, Dadu R, et al: Surgery After BRAF-Directed Therapy Is Associated with Improved Survival in BRAFV600E Mutant Anaplastic Thyroid Cancer: A Single-Center Retrospective Cohort Study. Thyroid 33(4):484–491, 2023. doi:10.1089/thy.2022.0504
Carcinoma medular de tireoide
O carcinoma medular constitui aproximadamente 4% dos cânceres de tireoide e surge de células C parafoliculares que produzem calcitonina. Pode ser esporádica (75%, geralmente unilateral); entretanto, 25% dos casos são familiares, causados por uma mutação do RET proto-oncogene. A forma hereditária pode ocorrer isoladamente (carcinoma medular da tireoide familiar) ou como um componente de uma neoplasia endócrina múltipla (NEM) tipo 2A (carcinoma medular da tireoide, hiperparatireoidismo primário e feocromocitoma) ou NEM 2B (carcinoma medular da tireoide, feocromocitoma e ganglioneuromas gastrintestinais). Embora a calcitonina possa reduzir as concentrações séricas de cálcio e fosfato, o cálcio sérico está normal porque as altas concentrações de calcitonina fazem a modulação negativa de seus receptores. Também há depósitos de amiloide característicos que apresentam coloração de vermelho do Congo no tumor.
As metástases se disseminam pelo sistema linfático para os nódulos cervicais e mediastinais e, às vezes, para o fígado, pulmões e ossos.
Os pacientes tipicamente apresentam um nódulo tireoidiano assintomático, embora muitos casos sejam agora diagnosticados antes de um tumor palpável se desenvolver durante o rastreamento de rotina dos membros afetados com NEM 2A ou NEM 2B.
O carcinoma medular tem apresentação bioquímica drástica quando associado à produção ectópica de outros hormônios ou peptídeos [p. ex., hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), peptídeo intestinal vasoativo, prostaglandinas, calicreína, serotonina].
O melhor exame é medição da calcitonina sérica, que é muito elevada. Estímulo com cálcio (15 mg/kg, IV, em 4 horas) causa secreção excessiva de calcitonina.
Radiografias ou ultrassonografia podem mostrar calcificação densa, homogênea e conglomerada dentro do tumor primário.
Todos os pacientes com carcinoma tireoidiano medular devem realizar teste genético para mutações do proto-oncogene RET; os parentes daqueles com mutações devem realizar teste genético e medição dos níveis basais e estimulados de calcitonina. Nas formas hereditárias, as mutações germinativas do proto-oncogene RET, que ocorrem em 98% dos casos, correlacionam-se com o fenótipo; isto é, mutações específicas em certos códons do gene RET estão associadas a síndromes distintas ou a doenças mais agressivas.
Tireoidectomia total e dissecção de linfonodo bilateral do compartimento central são indicadas mesmo se o envolvimento bilateral não for óbvio (1). Se houver hiperparatireoidismo, a remoção das paratireoides hiperplásicas ou adenomatosas é necessária.
Feocromocitoma, se presente, normalmente é bilateral. Feocromocitomas devem ser descartados medindo as metanefrinas plasmáticas e, se identificadas, removidas antes da tireoidectomia por causa do risco de provocar crise hipertensiva durante a cirurgia.
A sobrevida a longo prazo é comum em pacientes com carcinoma medular esporádico e síndromes de NEM tipo IIA; mais de dois terços dos pacientes afetados estão vivos após 10 anos. O carcinoma medular como parte da NEM 2B tem um prognóstico pior.
Parentes com níveis elevados de calcitonina sem anormalidades tireoidianas palpáveis devem ser submetidos à tireoidectomia porque há maior probabilidade de cura nesse estágio. Alguns especialistas recomendam cirurgia para parentes que possuem níveis normais de calcitonina sérica basal e estimulada, mas apresentam mutação de alto risco no códon do proto-oncogene RET.
Referência sobre carcinoma medular de tireoide
1. Wells Jr SA, Asa SL, Henning D, et al: Revised American Thyroid Association Guidelines for the Management of Medullary Thyroid Carcinoma prepared by the American Thyroid Association Guidelines Task Force on Medullary Thyroid Carcinoma. Thyroid 25(6): 567–610, 2015. doi: 10.1089/thy.2014.0335
Câncer de tireoide induzido por radiação
Tumores da tireoide se desenvolvem em pessoas cuja tireoide está exposta a grandes quantidades de radiação ambiental, como ocorre como resultado de exposição a armas nucleares, acidentes com reatores nucleares ou irradiação acidental da tireoide devido à radioterapia de feixe externo para neoplasias adjacentes. Os tumores podem ser detectados 10 anos após a exposição, mas o risco permanece aumentado por 30 a 40 anos. Esses tumores habitualmente são benignos, mas cerca de 10% são carcinomas papilíferos de tireoide. Esses cânceres de tireoide frequentemente são multicêntricos ou difusos; as mutações genéticas mais comuns nos tumores induzidos por radiação são as fusões gênicas.
Pacientes que tiveram irradiação da tireoide devem ser submetidos anualmente à palpação tireoidiana e, se o exame físico revelar algum nódulo, devem ser fazer uma ultrassonografia. O mapeamento da tireoide nem sempre reflete as áreas de envolvimento.
Caso a ultrassonografia revele um nódulo, deve-se realizar biópsia aspirativa por agulha fina.
A cirurgia é necessária se a biópsia aspirativa com agulha fina sugerir câncer. Tireoidectomia quase total ou total é o tratamento de escolha com ou sem ablação com radioiodo, dependendo do risco de recorrência (1).
Referência sobre câncer de tireoide induzido por radiação
1. Haugen BR, Alexander EK, Bible KC, et al: 2015 American Thyroid Association Management Guidelines for Adult Patients with Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer: The American Thyroid Association Guidelines Task Force on Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer. Thyroid 26(1):1–133, 2016. doi: 10.1089/thy.2015.0020