A absorção do fármaco é determinada pelas propriedades físico-químicas, pela formulação e pela via de administração do fármaco. As formas de dosagem (p. ex., comprimidos, cápsulas ou soluções), constituídas pelo fármaco e por outros ingredientes, são formuladas para serem administradas mediante várias vias (p. ex., oral, bucal, sublingual, retal, parenteral, tópica e por inalação). Independentemente da via de administração, os fármacos devem estar em solução para serem absorvidos. Assim, as formas sólidas (p. ex., comprimidos) devem ser capazes de se desintegrarem e se desagregarem.
A não ser que se administre por via intravenosa, o fármaco deve ultrapassar várias membranas celulares semipermeáveis antes de alcançar a circulação sistêmica. As membranas celulares são barreiras biológicas que inibem, de modo seletivo, a passagem de moléculas de fármacos. As membranas são compostas, principalmente, de uma matriz lipídica bimolecular, que determina as características de permeabilidade da membrana. Fármacos podem atravessar as membranas celulares por
Difusão passiva
Difusão passiva facilitada
Transporte ativo
Pinocitose
Às vezes, várias proteínas globulares embebidas na matriz funcionam como receptores e auxiliam o transporte de moléculas através de membranas.
(Ver também Visão geral da farmacocinética.)
Difusão passiva
Os fármacos se difundem através da membrana celular de uma região de alta concentração (p. ex., líquidos gastrointestinais) para outra de baixa concentração (p. ex., sangue). O índice de difusão é diretamente proporcional ao gradiente, mas também depende de solubilidade lipídica, tamanho e grau de ionização da molécula e da área da superfície de absorção. Como a membrana celular é lipoide, os fármacos solúveis em lipídios difundem-se de modo mais rápido. As moléculas menores tendem a penetrar pelas membranas mais rapidamente que as maiores.
A maior parte dos fármacos é um ácido ou uma base orgânica, ocorrendo sob formas ionizadas ou não ionizadas em um ambiente aquoso. A forma não ionizada é habitualmente solúvel em lipídio (lipofílica) e difunde-se imediatamente através de membranas celulares. A forma ionizada tem baixa lipossolubilidade (mas alta solubilidade aquosa — isto é, hidrofílica) e alta resistência elétrica e, por isso, não pode penetrar facilmente na membrana celular.
A proporção de forma não ionizada existente (e, dessa maneira, a capacidade do fármaco de cruzar a membrana) é determinada pelo pH do ambiente e pKa (constante de dissociação ácida) do fármaco. O pKa é o pH em que as concentrações das formas ionizadas e não ionizadas são iguais. Quando o pH é mais baixo que o pKa, predomina a forma não ionizada de um ácido fraco; porém, no caso de uma base fraca, é a forma ionizada que predomina. Assim, no plasma (pH 7,4), a razão das formas não ionizadas para as ionizadas de um ácido fraco (p. ex., com pKa de 4,4) é 1:1.000; no suco gástrico (pH 1,4), a razão é inversa (1.000:1). Portanto, quando se administra um ácido fraco por via oral, a maior parte do fármaco no estômago está na forma não ionizada, favorecendo a difusão através da mucosa gástrica. Para uma base fraca com pKa de 4,4, o resultado é o inverso, ou seja, no estômago, a maior parte do fármaco está na forma ionizada.
Teoricamente, fármacos que são ácidos fracos (p. ex., ácido acetilsalicílico) são mais rapidamente absorvidos de um meio ácido (estômago) que fármacos que são bases fracas (p. ex., quinidina). Contudo, independentemente de o fármaco ser ácido ou básico, a maior parte da absorção ocorre no intestino delgado, uma vez que a área de superfície é mais ampla e as membranas são mais permeáveis (ver Administração oral).
Difusão passiva facilitada
Certas moléculas com baixa lipossolubilidade (p. ex., glicose) penetram pelas membranas mais rapidamente que o esperado. Uma teoria é a difusão passiva facilitada: uma molécula transportadora na membrana combina-se de modo reversível com a molécula substrato fora da membrana celular e o complexo transportador-substrato difunde-se rapidamente através da membrana, liberando o substrato na superfície interior. Nesses casos, a membrana transporta somente substratos com configuração molecular relativamente específica e a disponibilidade dos transportadores limita o processo. O processo não requer gasto energético e não pode ocorrer transporte contra o gradiente de concentração.
Transporte ativo
O transporte ativo é seletivo, requer gasto energético e pode envolver transporte contra gradiente de concentração. O transporte ativo parece limitar-se a fármacos estruturalmente semelhantes a substâncias endógenas (p. ex., íons, vitaminas, açúcares e aminoácidos). Esses fármacos são, geralmente, absorvidos de locais específicos no intestino delgado.
Pinocitose
Na pinocitose, líquidos ou partículas são tragados por uma célula. A membrana celular invagina-se, circunda o líquido ou as partículas e, em seguida, funde-se novamente, formando uma vesícula que se separa e se move para o interior da célula. É necessário gasto energético. A pinocitose provavelmente desempenha um papel pequeno no transporte de fármacos, exceto para os fármacos proteicos.
Administração oral
Para ser absorvido, um fármaco administrado por via oral deve subsistir a ambientes com pH baixo e numerosas secreções gastrointestinais, incluindo enzimas potencialmente degradadoras. Fármacos peptídicos (p. ex., insulina) são particularmente suscetíveis à degradação e não são utilizados por via oral. A absorção de fármacos por via oral envolve o transporte através das membranas das células do trato gastrointestinal. A absorção é influenciada por
Diferenças no pH do lúmen ao longo do trato gastrointestinal
Área de superfície por volume de lúmen
Perfusão sanguínea
Presença de bile e muco
Natureza das membranas epiteliais
A mucosa oral possui epitélio fino e rica vascularização, o que favorece a absorção, mas o contato é, geralmente, muito breve para a absorção substancial. O fármaco colocado entre a gengiva e a bochecha (administração bucal) ou sob a língua (administração sublingual) é retido por mais tempo, exacerbando a absorção.
Em geral, o estômago é o primeiro órgão no qual ocorre contato intenso entre um fármaco administrado por via oral e os líquidos GI [para revisão, ver (1)]. Embora o estômago tenha uma superfície epitelial relativamente grande, sua espessa camada de muco e o tempo curto de trânsito limitam a absorção de fármacos. Essas propriedades do estômago podem influenciar na formulação e no comportamento do fármaco. Como a maior parte da absorção ocorre no intestino delgado, o esvaziamento gástrico é, geralmente, o passo limitante da velocidade. Alimentos, principalmente alimentos gordurosos, diminuem o esvaziamento gástrico (e a taxa de absorção dos fármacos), explicando por que tomar alguns fármacos com o estômago vazio acelera sua absorção. Fármacos que afetam o esvaziamento gástrico (p. ex., fármacos parassimpáticos) afetam a taxa de absorção de outros fármacos. O alimento pode exacerbar o grau de absorção de fármacos pouco solúveis (p. ex., griseofulvina), reduzi-lo para fármacos degradados no estômago (p. ex., penicilina G) ou ter pouco ou nenhum efeito.
O intestino delgado tem a área de superfície mais ampla para a absorção de fármacos no trato gastrointestinal, sendo suas membranas mais permeáveis que as do estômago. Por essas razões, a maioria dos fármacos é absorvida, principalmente, no intestino delgado, e os ácidos, apesar da capacidade de atravessar membranas prontamente por serem fármacos não ionizados, são absorvidos mais rapidamente no intestino do que no estômago [para revisão, ver (1)]. O pH no lúmen é 4 a 5 no duodeno, mas se torna progressivamente mais alcalino, aproximando-se a 8 na porção mais distal do íleo. A flora gastrointestinal pode reduzir a absorção. A diminuição do fluxo sanguíneo (p. ex., no choque) pode reduzir o gradiente de concentração através da mucosa intestinal e reduzir a absorção pela difusão passiva.
O tempo de trânsito intestinal pode influenciar na absorção dos fármacos, em particular naqueles que são absorvidos por transporte ativo (p. ex., vitaminas B), que se dissolvem lentamente (p. ex., griseofulvina) ou que são polares (isto é, com baixa solubilidade lipídica, p. ex., muitos antibióticos).
Para otimizar a adesão, os médicos devem prescrever suspensões orais e comprimidos mastigáveis para crianças < 8 anos. Em adolescentes e adultos, administra-se a maioria dos fármacos por via oral na forma de comprimidos ou cápsulas principalmente por conveniência, economia, estabilidade e aceitação do paciente. Como as formas sólidas dos fármacos devem se dissolver antes que possa ocorrer a absorção, o índice de dissolução determina a disponibilidade do fármaco para a absorção. A dissolução, se for mais lenta que a absorção, torna-se o passo limitante da velocidade. A manipulação da formulação (isto é, a forma do fármacos como sal, cristal ou hidrato) pode alterar o índice de dissolução e, assim, controlar a absorção total.
Referência geral
1. Vertzoni M, Augustijns P, Grimm M, et al: Impact of regional differences along the gastrointestinal tract of healthy adults on oral drug absorption: An UNGAP review. Eur J Pharm Sci 134:153-175, 2019. doi:10.1016/j.ejps.2019.04.013
Administração parenteral
Os fármacos administrados por via intravenosa entram diretamente na circulação sistêmica. Entretanto, os fármacos aplicados por via IM ou subcutânea devem atravessar uma ou mais membranas biológicas até alcançar a circulação sistêmica. Se os fármacos proteicos, com massa molecular > 20.000 g/mol, forem injetados por via IM ou subcutânea, o movimento através de membranas capilares é tão lento que a maior parte da absorção acontece pelo sistema linfático. Nesses casos, a liberação do fármaco para a circulação sistêmica é lenta e, com frequência, incompleta, em razão do metabolismo de primeira passagem pelas enzimas proteolíticas no sistema linfático.
A perfusão (fluxo sanguíneo/grama de tecido) influencia amplamente a absorção capilar de moléculas pequenas injetadas por via IM ou SC. Assim, o local da injeção pode influenciar o índice de absorção. A absorção após a injeção IM ou subcutânea pode ser retardada ou errática para sais de bases e ácidos pouco solúveis (p. ex., forma parenteral da fenitoína) e em pacientes com perfusão periférica prejudicada (p. ex., durante hipotensão ou choque).
Formas de liberação controlada
As formas de liberação controlada são projetadas para reduzir a frequência da dose de fármacos com meia-vida curta de eliminação e duração de efeitos. Essas formas também imitam a flutuação da concentração plasmática do fármaco, propiciando um efeito terapêutico mais uniforme e minimizando os efeitos adversos. O índice de absorção é reduzido pelo revestimento de partículas do fármaco com cera ou outro material insolúvel em água, pela incrustação do fármaco em uma matriz que a libere lentamente durante trânsito pelo trato gastrointestinal ou pelo fato de tornar o fármaco mais complexado com resinas de troca iônica. A maior parte da absorção dessas formas acontece no intestino grosso. Esmagar ou fragmentar um comprimido de liberação controlada pode ser perigoso.
As formas de liberação controlada transdérmica são planejadas para liberar o fármaco por períodos extensos, às vezes por vários dias. Os fármacos para liberação transdérmica devem ter características adequadas de penetração dérmica e alta potência, uma vez que o índice de penetração e a área de aplicação são limitados.
Muitas formas parenterais não intravenosas são estruturadas para manter as concentrações plasmáticas do fármaco. A absorção de antimicrobianos pode ser estendida pelo uso da forma do sal relativamente insolúvel (p. ex., penicilina G benzatina) injetada por via IM. Para outros fármacos, suspensões ou soluções em veículos não aquosos (p. ex., suspensões cristalinas de insulina) são projetadas para retardar a absorção.