Varíola é uma doença altamente contagiosa causada pelo vírus da varíola, um ortopoxvírus. A taxa de casos fatais é de cerca de 30%. A infecção natural foi erradicada. A preocupação principal quanto a epidemias é o bioterrorismo. Sintomas constitucionais intensos e exantema com pústulas características se desenvolvem. O tratamento costuma ser de suporte e potencialmente com antivirais. A prevenção envolve a vacinação que, por causa de seus riscos, é realizada de forma seletiva.
Nenhum caso de varíola ocorreu no mundo desde 1977, em razão da vacinação mundial. Em 1980, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou a descontinuação da vacinação rotineira contra varíola. A vacinação rotineira nos Estados Unidos terminou em 1972. Como seres humanos são os únicos hospedeiros naturais do vírus de varíola e este não pode sobreviver > 2 dias no meio ambiente, a OMS declarou erradicada a infecção natural.
Preocupações com o uso bioterrorista do vírus da varíola armazenado para pesquisa ou mesmo de vírus criados sinteticamente levantam a possibilidade de recorrência (ver Agentes biológicos com armas e Centers for Disease Control and Prevention [CDC]: Smallpox/Bioterrorism).
Fisiopatologia da varíola
Há pelo menos 2 cepas do vírus da varíola:
Variola major (varíola clássica), é a cepa mais virulenta
Varíola minor (alastrim), é a cepa menos virulenta
A varíola é transmitida de uma pessoa para outra por inalação de gotículas respiratórias ou, de forma menos eficiente, por contato direto. Vestuários ou roupas de cama contaminados também podem transmitir a infecção. A infecção é muito contagiosa durante os primeiros 7 a 10 dias após o aparecimento do exantema. Assim que se formam crostas nas lesões de pele, a contagiosidade declina.
A taxa de ataque é tão alta quanto 85% em pessoas não vacinadas e casos secundários podem atingir de 4 a 10 pessoas para cada caso primário. Entretanto, a infecção tende a se disseminar de forma lenta e, principalmente, entre contatos íntimos.
O vírus invade a mucosa orofaríngea ou respiratória e multiplica-se nos linfonodos regionais, causando subsequente viremia. Por fim, acaba se alonjando em pequenos vasos sanguíneos da derme e na mucosa orofaríngea. Outros órgãos estão envolvidos clinicamente, porém, de forma rara, exceto ocasionalmente o sistema nervoso central, com encefalite. Podem ocorrer infecções secundárias da pele, pulmões e ossos.
Sinais e sintomas da varíola
Varíola maior
A varíola maior apresenta um período de 10 a 12 dias de incubação (varia de 7 a 17 dias), seguido por 2 a 3 dias de pródromo, com febre, cefaleia, dor lombar e intenso mal-estar. Algumas vezes, dor abdominal acentuada e vômitos ocorrem. Seguindo o pródromo, lesões maculopapulares se desenvolvem na mucosa orofaríngea, na face e nos membros superiores, disseminando-se logo depois para o tronco e os membros inferiores. As lesões orofaríngeas ulceram-se rapidamente. Após 1 ou 2 dias, as lesões cutâneas tornam-se vesiculares e, em seguida, pustulares. As pústulas são mais densas na face e nas extremidades do que no tronco e podem aparecer nas palmas. São redondas, tensas e parecem estar aderidas profundamente. As lesões de pele da varíola, ao contrário daquelas da varicela, ficam todas na mesma fase de desenvolvimento em uma determinada parte do corpo. Após 8 ou 9 dias, as pústulas transformam-se em crostas. Cicatriz residual acentuada é típica.
A taxa de casos fatais é de cerca de 30%. Mortes são resultado de resposta inflamatória maciça, que causa choque e falência de múltiplos órgãos, geralmente na 2ª semana da doença.
Cerca de 5 a 10% das pessoas com varíola major desenvolvem tanto uma variante hemorrágica como uma maligna (plana).
A forma hemorrágica é mais rara e tem pródromo mais curto e mais intenso, seguido por eritema generalizado e hemorragia cutâneo-mucosa. Ela é sistematicamente fatal em 5 ou 6 dias.
Imagem cedida por cortesia de the Public Health Image Library of the Centers for Disease Control and Prevention.
A forma maligna tem um pródromo grave semelhante, seguido pelo desenvolvimento lesões cutâneas confluentes, planas e não pustulosas. Os sobreviventes costumam apresentar descamação da epiderme.
Varíola menor
A varíola menor resulta em sintomas semelhantes, porém, menos graves, com exantema menos extenso.
A taxa de casos fatais é < 1%.
Diagnóstico da varíola
Reação em cadeia da polimerase (PCR [polymerase chain reaction])
Microscopia eletrônica
A menos que haja exposição laboratorial documentada ou suspeita de surto (decorrente de bioterrorismo), apenas os pacientes que correspondem à definição de clínica de caso de varíola devem ser testados devido ao risco dos resultados dos exames serem falso-positivo. Um algoritmo para avaliar o risco de varíola nos pacientes com febre e exantema está disponível no website do CDC (CDC Algorithm Poster for Evaluation of Suspected Smallpox).
Confirma-se o diagnóstico da varíola pela comprovação da presença de DNA da varíola por testes de PCR com amostras de vesículas ou pústulas. Ou o vírus pode ser identificado por microscopia eletrônica ou cultura viral de material raspado de lesões de pele e depois confirmado por PCR. A suspeita de varíola deve ser notificada imediatamente às agências de saúde pública locais; nos Estados Unidos, aos CDCs em 770-488-7100. Essas agências organizam testes em um laboratório com nível adequado de segurança (nível 4 de biossegurança).
Ensaios de detecção de antígenos no ponto de atendimento estão sendo desenvolvidos.
Tratamento da varíola
Cuidados de suporte
Isolamento
Possivelmente tecovirimat, considerar cidofovir ou brincidofovir (CMX 001)
O tratamento da varíola geralmente é de suporte, com antibióticos para tratar infecções bacterianas secundárias. O antiviral tecovirimat foi aprovado pela US Food and Drug Administration (FDA) em 2018 (1) e, em junho de 2021, a FDA aprovou o brincidofovir (CMX 001) para tratamento da varíola. Ambas as aprovações basearam-se em estudos experimentais e, embora sua eficácia contra a varíola em seres humanos seja desconhecida, em testes laboratoriais, ambas interromperam o crescimento do vírus que causa a varíola e foram eficazes no tratamento de animais com doenças semelhantes à varíola. Além disso, o cidofovir, que não é aprovado pela FDA para o tratamento da varíola, pode ser utilizado durante um surto sob um mecanismo regulador apropriado (como um novo protocolo de investigação farmacológica ou Emergency Use Authorization). Tecovirimat e cidofovir são atualmente parte do Strategic National Stockpile (2, 3). (Ver também CDC: Smallpox Prevention and Treatment.)
O isolamento das pessoas com varíola é essencial. Em epidemias limitadas, os pacientes podem ser isolados em hospitais com precauções quanto à transmissão aerotransportada, em um ambiente de isolamento contra esse tipo de infecção. Em epidemias, pode ser necessário o isolamento domiciliar. Contatos devem ser colocados sob vigilância, tipicamente com medida diária de temperatura; caso a temperatura seja > 38° C ou exista outro sinal de doença, eles devem ser isolados em casa.
Referências sobre tratamento
1. Grosenbach DW, Honeychurch K, Rose EA, et al: Oral tecovirimat for the treatment of smallpox. N Engl J Med 5;379(1):44-53, 2018. doi: 10.1056/NEJMoa1705688
2. Chittick G, Morrison M, Brundage T, et al: Short-term clinical safety profile of brincidofovir: A favorable benefit-risk proposition in the treatment of smallpox. Antiviral Res 143:269–277, 2017. doi: 10.1016/j.antiviral.2017.01.009
3. Chan-Tack K, Harrington P, Bensman T, et al: Benefit-risk assessment for brincidofovir for the treatment of smallpox: U.S. Food and Drug Administration's Evaluation. Antiviral Res 195:105182, 2021. doi: 10.1016/j.antiviral.2021.105182. Epub 2021 Sep 25. PMID: 34582915.
Prevenção da varíola
As vacinas licenciadas contra a varíola nos Estados Unidos consistem na ACAM2000, um vírus vaccinia vivo e competente para replicação, e da JYNNEOS, uma vacina MVA (Ankara vaccinia modificada) viva atenuada (deficiente em replicação). (1). O vírus atenuado (enfraquecido) desta vacina não se reproduz na pessoa que a recebe. (Ver também CDC: Smallpox Vaccine Basics.)
O vírus vaccinia está relacionado com a varíola e fornece imunidade cruzada. A vacina ACAM2000 é administrada com uma agulha bifurcada imersa em vacina reconstituída. A agulha perfura rapidamente a pele 15 vezes em uma área de aproximadamente 5 mm de diâmetro, com força suficiente para puxar um rastro de sangue. O local da vacina é coberto com um curativo para prevenir disseminação do vírus para outros locais do corpo ou contatos próximos. Febre, mal-estar e mialgias são comuns na semana seguinte à vacinação. O sucesso da vacinação é indicado pelo desenvolvimento de uma pústula no 7º dia, aproximadamente. Pessoas sem esses sinais devem receber outra dose da vacina.
A vacinação com a ACAM2000 é perigosa e não recomendada para algumas pessoas, especialmente aquelas com os fatores de risco a seguir:
Sistema imune enfraquecido (como aqueles com aids ou que utilizam medicamentos que suprimem o sistema imunitário)
Transtornos de pele (sobretudo dermatite atópica [eczema])
Inflamação ocular
Cardiopatia
Menos de 1 ano de idade
Gestação
Administra-se JYNNEOS com 2 injeções subcutâneas com um intervalo de 4 semanas. Está licenciada pela FDA para pessoas com 18 anos de idade ou mais. A vacina JYNNEOS pode desempenhar um papel específico na vacinação de pessoas para as quais a ACAM2000 pode ser contraindicada, como aqueles com estados imunocomprometidos ou dermatite atópica (ver lista acima). Contudo, as pessoas com sistema imunitário enfraquecido podem apresentar uma resposta diminuída à vacina JYNNEOS.
Outra vacina experimental de vírus vivo contra a varíola, feita pela Aventis Pasteur (APSV), também está disponível a partir do Strategic National Stockpile no caso de uma emergência.
Depois de uma única dose da vacina, a imunidade começa a diminuir após 5 anos e provavelmente torna-se insignificante após 20 anos. Se as pessoas foram revacinadas com sucesso uma ou mais vezes, parte da imunidade residual pode persistir por ≥ 30 anos.
[Até que uma epidemia ocorra na população, ainda recomenda-se vacinação de pré-exposição somente para pessoas com alto risco de exposição ao vírus (p. ex., técnicos de laboratório [2]).
Vaccinia progressiva é uma lesão vesicular não cicatrizante que se desenvolve após a vacinação contra a varíola e se espalha amplamente pela pele que não do local de vacinação e profundamente para envolver os ossos e vísceras. Ela ocorre quase exclusivamente em indivíduos vacinados com um defeito subjacente na imunidade mediada por células.
Imagem cedida por cortesia de Dr. Allen W. Mathies of the Immunization Branch of the California Emergency Preparedness Office (Calif/EPO) via Public Health Image Library of the Centers for Disease Control and Prevention.
Vaccinia progressiva é uma lesão vesicular não cicatrizante que se desenvolve após a vacinação contra a varíola e se espalha amplamente pela pele que não do local de vacinação e profundamente para envolver os ossos e vísceras. Ela ocorre quase exclusivamente em indivíduos vacinados com um defeito subjacente na imunidade mediada por células.
Imagem cedida por cortesia de Dr. Allen W. Mathies of the Immunization Branch of the California Emergency Preparedness Office (Calif/EPO) via Public Health Image Library of the Centers for Disease Control and Prevention.
Eczema vaccinatum é vaccinia que se dissemina nos pacientes com pele eczematosa. O eczema ativo pode não ser clinicamente aparente nos locais comprometidos. Pacientes podem desenvolver eczema vaccinatum depois de receber a vacina ou de contato físico com alguém que recebeu a vacina contra a varíola.
Imagem cedida por cortesia de Arthur E. Kaye via the Public Health Image Library of the Centers for Disease Control and Prevention.
Vaccinia generalizada consiste em lesões difusamente distribuídas causadas por disseminação hematogênica do vírus vaccinia após a vacinação. Apesar de uma aparência possivelmente grave, a vaccinia generalizada é geralmente benigna.
Imagem cedida por cortesia de Dr. Allen W. Mathies of the Immunization Branch of the California Emergency Preparedness Office (Calif/EPO) via Public Health Image Library of the Centers for Disease Control and Prevention.
Complicações da vacina contendo vírus vaccinia vivo
Os fatores de risco para complicações da vacina contra vírus competente para replicação (ACAM2000) são doenças cutâneas extensas (em particular, eczema), doenças ou terapias imunossupressoras, inflamação ocular, gestação, cardiopatias e idade inferior a 1 ano. A vacinação disseminada não é recomendada por causa dos riscos.
Complicações graves ocorrem em cerca de 1/10.000 pacientes após a primeira vacinação (primária), e incluem
Encefalite pós-vacínia
Vaccinia progressiva
Eczema vacinal
Vaccinia generalizada
Miocardite e/ou pericardite
Ceratite pelo vírus vaccinia
Exantemas não infecciosos
Encefalite pós-vacina ocorre em aproximadamente 1 entre 300.000 imunizados da vacinação primária, tipicamente 8 a 15 dias mais tarde.
A vaccinia progressiva (vaccinia necrosum) resulta em lesão de pele não cicatrizada (vesicular), que se dissemina para a pele adjacente e finalmente para outras áreas da pele, aos ossos e às vísceras. A vaccinia progressiva pode ocorrer tanto com a vacinação primária quanto com a revacinação, mas quase exclusivamente em pacientes com um defeito subjacente na imunidade celular; pode ser fatal.
Eczema de vacínia resulta em lesões de pele vacinais, que aparecem nas áreas de eczema ativo ou até mesmo curado.
Vaccinia generalizada resulta de disseminação hematogênica do vírus da vaccinia e produz lesões em locais múltiplos do corpo; geralmente, é benigna.
Ceratite pelo vírus vaccinia raramente ocorre quando o vírus da vaccinia é inadvertidamente implantado no olho.
Algumas complicações graves de vacina são tratadas com imunoglobulina para vaccinia (VIG); foi relatado um caso de eczema vacinal aparentemente tratado com sucesso com VIG, cidofovir e tecovirimat. No passado, pacientes de alto risco que necessitavam de vacinação por causa de exposição viral recebiam simultaneamente VIg, para tentar prevenir complicações. A eficácia dessa prática é desconhecida e não é recomendada pelos CDC. VIg somente está disponível nos CDC.
Profilaxia pós-exposição
A vacinação pós-exposição com uma vacina de replicação competente pode prevenir ou limitar significativamente a gravidade da doença e é indicada para familiares e contatos pessoais íntimos de pacientes com varíola. A administração precoce é muito eficaz, mas algum benefício é percebido até 7 dias depois da exposição.
Referências sobre prevenção
1. Pittman PR, Hahn M, Lee HS, et al: Phase 3 efficacy trial of modified vaccinia ankara as a vaccine against smallpox. N Engl J Med 381(20):1897-1908, 2019. doi: 10.1056/NEJMoa1817307
2. Petersen BW, Harms TJ, Reynolds MG, et al: Use of vaccinia virus smallpox vaccine in laboratory and health care personnel at risk for occupational exposure to orthopoxviruses: Recommendations of the Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP), 2015. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 65 (10):257–262, 2016. doi: 10.15585/mmwr.mm6510a2
Pontos-chave
Nenhum caso de varíola ocorreu no mundo desde 1977, mas ainda há preocupações quanto ao uso por bioterroristas.
O diagnóstico é feito por PCR.
O tratamento é principalmente de suporte, mas tecovirimat e brincidofovir foram aprovados para uso; também pode-se considerar o uso do cidofovir.
A vacinação é altamente protetora, mas as raras complicações da vacina com vírus de replicação competente (cerca de 1:10.000) podem ser graves.
A imunidade desaparece ao longo de décadas.
Informações adicionais
Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.
Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Smallpox Vaccination: Information for Health Care Providers