Infecção por Taenia solium (tênia da carne de porco) e cisticercose

PorChelsea Marie, PhD, University of Virginia;
William A. Petri, Jr, MD, PhD, University of Virginia School of Medicine
Revisado/Corrigido: nov. 2023
Visão Educação para o paciente

A infecção por Taenia solium (teníase) é uma infecção intestinal por tênias adultas provenientes da ingestão de carne de porco contaminada. Vermes adultos podem produzir sintomas gastrointestinais leves ou passagem de segmentos móveis nas fezes. Cisticercose é a infecção causada pelas larvas de T. solium, que se desenvolve depois da ingestão de ovos excretados nas fezes humanas. Na cisticercose, os sintomas geralmente estão ausentes, exceto se larvas invadirem o sistema nervoso central, resultando em neurocisticercose, a qual pode causar convulsões e vários outros sinais neurológicos. A neurocisticercose pode ser reconhecida em exames de imagem do cérebro. Pouco menos da metade dos pacientes com neurocisticercose apresenta T. solium adulta nos seus intestinos e, portanto, ovos ou proglotes nas fezes. Vermes adultos podem ser erradicados com praziquantel ou niclosamida. O tratamento sintomático da neurocisticercose é complicado; é feito com corticoides, anticonvulsivantes e, em algumas situações, albendazol ou praziquantel. Cirurgia pode ser necessária.

Apresentação, diagnóstico e tratamento da infecção intestinal por tênias adultas T. solium são semelhantes àqueles da infecção por T. saginata (tênia da carne bovina).

Contudo, os humanos também podem atuar como hospedeiros intermediários de larvas T. solium se eles ingerirem ovos T. solium de excrementos humanos (ver figura Ciclo de vida da Taenia solium). Alguns especialistas postulam que se uma tênia adulta estiver presente no intestino, proglotes prenhes (segmentos de tênias) podem passar de forma retrógrada do intestino para o estômago, no qual oncosferas (forma imatura do parasita inserida em um invólucro embrionário) podem eclodir e migrar para tecidos subcutâneos, músculos, vísceras e sistema nervoso central.

As tênias adultas podem residir no intestino delgado durante anos. Ele chegam a ter 2 a 8 m de comprimento e produzem até 1.000 proglotes; cada um dos quais contém aproximadamente 50.000 ovos.

Ciclo de vida do Taenia solium

Os seres humanos desenvolvem infecção intestinal com tênias adultas após a ingestão de carne de porco contaminada, ou podem desenvolver cisticercose após a ingestão de ovos (tornando os seres humanos hospedeiros intermediários).

  1. 1. Os seres humanos ingerem carne de porco crua ou malcozida contendo cisticercos (larvas).

  2. 2. Após a ingestão, cistos evertem, ligam-se ao intestino delgado pelo seu escólex e tornam-se tênias adultas em cerca de 2 meses.

  3. 3. As tênias adultas produzem proglotes, que se tornam prenhes; estas desprendem-se da tênia e migram para o ânus.

  4. 4. Proglotes soltas e/ou ovos são passados para o hospedeiro definitivo (ser humano) pelas fezes.

  5. 5. Porcos ou seres humanos tornam-se infectados pela ingestão de ovos embrionados ou proglotes prenhes (p. ex., na comida contaminada por fezes). Pode ocorrer autoinfecção nos seres humanos se proglotes passarem do intestino para o estômago via peristaltismo reverso.

  6. 6. Depois que os ovos são ingeridos, eclodem no intestino e liberam oncosferas, as quais penetram na parede intestinal.

  7. 7. As oncosferas, através da rede sanguínea, vão para músculos estriados e para o cérebro, o fígado e outros órgãos, nos quais se desenvolvem até cisticercos. Pode resultar em cisticercose.

A teníase e a cisticercose ocorrem em todo o mundo. A cisticercose é prevalente, e a neurocisticercose é a maior causa de epilepsia na América Latina. A cisticercose é rara em países com baixo consumo de carne de porco. A infecção nos Estados Unidos ou no Canadá é rara naqueles que não viajaram para o exterior, mas pode ocorrer pela ingestão de ovos por pessoas que visitaram países endêmicos e hospedam T. solium. adultos.

Raramente, Taenia spp além de T. solium causam neurocisticercose.

Sinais e sintomas

Infecção intestinal

Seres humanos infectados com vermes adultos de T. solium são assintomáticos ou apresentam queixas gastrointestinais leves. Eles podem ver proglotes nas suas fezes.

Cisticercose

Na maioria dos órgãos, os cisticercos viáveis (forma larval) causam reação mínima ou nenhuma reação no tecido, mas a morte dos cistos no sistema nervoso central, olhos ou medula espinal pode liberar antígenos que provocam uma resposta tecidual intensa. Dessa forma, com frequência os sintomas não aparecem durante anos depois da infecção.

A infecção cerebral (neurocisticercose) pode provocar sintomas graves, decorrentes do efeito de massa e da inflamação induzidos pela degeneração dos cisticercos e liberação de antígenos.

Dependendo da locação e do número de cisticercos, os pacientes com neurocisticercose podem apresentar convulsões, sinais de hipertensão intracraniana, hidrocefalia, sinais neurológicos focais, estado mental alterado, ou meningite asséptica.

Os cisticercos também podem infectar a medula espinal, os músculos, os tecidos subcutâneos e os olhos.

Imunidade secundária significativa se desenvolve após infecção larval.

Diagnóstico

  • Exame microscópico de fezes para presença de ovos e proglotes

  • CT e/ou MR e teste sorológico em pacientes com sintomas no sistema nervoso central

A infecção intestinal por vermes adultos T. solium geralmente pode ser diagnosticada por exame microscópico das amostras de fezes e identificação dos ovos e/ou proglotes. Mas os ovos são indistinguíveis daqueles de T. saginata e T. asiatica. Ovos de T. solium estão presentes em 50% das amostras de fezes de pacientes com cisticercose.

O diagnóstico da neurocisticercose é normalmente feito quando TC ou RM é realizada para avaliar sintomas neurológicos. Exames cuidadosos podem mostrar nódulos sólidos, cisticercos, cistos, cistos calcificados, lesões com reforço em anel ou hidrocefalia. Os ensaios imunoenzimáticos (utilizando uma amostra de soro ou líquido cefalorraquidiano) do Centers' for Disease Control and Prevention são muito específicos e mais sensíveis do que outros imunoensaios enzimáticos (particularmente quando houver > 2 lesões no sistema nervoso central; a sensibilidade é mais baixa quando houver apenas um único cisto). Observe que exames baseados em anticorpos, como immunoblot, não distinguem entre infecções ativas e inativas.

Ensaios de detecção de antígenos baseados em anticorpos monoclonais estão disponíveis comercialmente na Europa. Os testes de detecção de antígeno parecem ter maior sensibilidade para neurocisticercose subaracnoide e ventricular do que para doença do parênquima. A sensibilidade da detecção do antígeno é melhorada quando se utiliza líquido cefalorraquidiano em vez de soro; entretanto, resultados falso-negativos podem ser comuns na doença do parênquima (1).

Dicas e conselhos

  • Ovos de T. solium estão presentes em 50% das amostras de fezes de pacientes com cisticercose.

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. Pineda-Reyes R, White AC Jr.: Neurocysticercosis: an update on diagnosis, treatment, and prevention. Curr Opin Infect Dis 35(3):246-254, 2022. doi:10.1097/QCO.0000000000000831

Tratamento

  • Para infecção intestinal (sem neurocisticercose): praziquantel ou niclosamida (fora dos Estados Unidos)

  • Para cisticercose: corticoides, anticonvulsivantes e, algumas vezes, albendazole ou praziquantel e/ou cirurgia

Tratamento da infecção intestinal

A infecção intestinal é tratada com praziquantel; alternativamente, niclosamida, fora dos Estados Unidos (ver Diagnosis and Treatment of Neurocysticercosis: 2017 Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America (IDSA) and the American Society of Tropical Medicine and Hygiene).

Deve-se repetir uma amostra de fezes um mês após o término da terapia para verificar a cura.

Deve-se utilizar praziquantel com cautela em pacientes que também apresentam sinais de neurocisticercose (incluindo doença previamente assintomática ou não reconhecida) porque, ao matar os cistos no cérebro, o praziquantel pode desencadear uma resposta inflamatória associada a convulsões ou outros sintomas.

Tratamento da neurocisticercose

O tratamento da neurocisticercose é difícil. Diretrizes detalhadas de prática clínica sobre o diagnóstico e tratamento da neurocisticercose foram publicadas como Diagnosis and Treatment of Neurocysticercosis pela Infectious Diseases Society of America e pela American Society of Tropical Medicine and Hygiene em 2017.

Os objetivos do tratamento inicial para neurocisticercose sintomática são

  • Reduzir a inflamação associada à degeneração dos cisticercos documentada por RM

  • Evitar convulsões, se presente, ou se o risco é alto

  • Aliviar a elevação da pressão intracraniana, se presente

Corticoides (prednisona até 60 mg por via oral uma vez ao dia, ou dexametasona, 12-24 mg por via oral uma vez ao dia) são utilizados para reduzir inflamação e aumento da pressão intracraniana. Os pacientes em tratamento prolongado com corticoides devem avaliados à procura de tuberculose latente e estrongiloidíase concomitantes e receber antibióticos para prevenir pneumonia por pneumocystis (1, 2).

Anticonvulsivantes convencionais são administrados para pacientes que apresentam convulsões. Esses fármacos podem ser utilizados como profilaxia para os pacientes com alto risco de convulsões, particularmente aqueles que têm múltiplas lesões degenerativas associadas com inflamação.

Intervenção neurocirúrgica pode ser necessária para os pacientes com aumento da pressão intracraniana ou cisticercos intraventriculares.

O tratamento anti-helmíntico da neurocisticercose é complicado, e recomenda-se a consulta com um especialista. O início da terapia anti-helmíntica não é urgente, e é fundamental que seja feita depois do controle da inflamação com corticoides. A escolha do tratamento depende do local, número, viabilidade e tamanho dos cisticercos; estágio da doença; e manifestações clínicas. Antes do tratamento com anti-helmínticos, deve-se fazer exame oftalmológico para excluir a presença de cisticerco ocular. Os fármacos anti-helmínticos nunca devem ser administrados a pacientes com aumento não controlado da pressão intracraniana.

Nem todos os pacientes respondem ao tratamento e nem todos devem ser tratados (os cistos podem já estar mortos e calcificados, ou a potencial resposta inflamatória ao tratamento pode ser pior do que a doença em si, como na encefalite cisticercal quando os pacientes têm uma grande quantidade de cistos e inflamação encefálica generalizada).

Quando o tratamento anti-helmíntico é utilizado, o albendazol parece ser mais eficaz do que a alternativa, o praziquantel. Relatou-se que a combinação de albendazol e praziquantel resulta em uma taxa mais alta de resolução radiográfica do que o uso isolado de albendazol em pacientes com mais de 2 cistos parenquimatosos. Albendazol isolado ou em combinação com praziquantel administrado por ≥ 30 dias tem sido utilizado para tratar cistos no espaço subaracnóideo (cisticercose racemosa), que são menos responsivos aos anti-helmínticos. Nos pacientes em uso prolongado de altas doses de albendazol, é necessário monitorar a supressão da medula óssea e hepatite relacionada com fármacos. Fármacos anti-helmínticos não levam à redução rápida dos sintomas. Assim, os fármacos anti-helmínticos devem ser administrados em conjunto com o tratamento sintomático para convulsões, inflamação e/ou hidrocefalia. Repetem-se neuroimagens em intervalos de 6 meses até que os achados tenham desaparecido.

Inicia-se prednisona ou dexametasona alguns dias antes e é mantida durante o curso de administração anti-helmíntica para reduzir a inflamação que ocorre em resposta à morte dos cistos no encéfalo. Corticoides aumentam o nível do metabólito ativo do albendazol no líquido cefalorraquidiano (LCR), mas diminuem o nível praziquantel no líquido cefalorraquidiano (LCR). Metotrexato tem sido utilizado como um agente poupador de corticoides em pacientes que precisam de mais de 2 semanas de terapia anti-inflamatória.

Nem albendazol nem praziquantel devem ser utilizados em pacientes com cisticercos oculares ou medulares por causa dos potenciais efeitos adversos da resposta inflamatória provocada pelos cistos morrendo.

A presença de cisticercos intraventriculares é também uma contraindicação relativa ao uso de anti-helmínticos porque a resposta inflamatória resultante provocada pela morte dos cistos pode causar hidrocefalia obstrutiva.

Cirurgia pode ser necessária para tratar hidrocefalia obstrutiva (decorrente de cisticercose intraventricular, incluindo aqueles do 4º ventrículo) ou cisticercose espinal ou ocular. Os cisticercos intraventriculares são removidos por via endoscópica, quando possível. Derivações ventriculares podem ser necessárias para reduzir o aumento da pressão intracraniana.

Referências sobre tratamento

  1. 1. Winthrop KL, Baddley JW: Pneumocystis and glucocorticoid use: to prophylax or not to prophylax (and when?); that is the question. Ann Rheum Dis 77(5):631-633, 2018. doi:10.1136/annrheumdis-2017-212588

  2. 2. Park JW, Curtis JR, Moon J, Song YW, Kim S, Lee EB: Prophylactic effect of trimethoprim-sulfamethoxazole for pneumocystis pneumonia in patients with rheumatic diseases exposed to prolonged high-dose glucocorticoids. Ann Rheum Dis 77(5):644-649, 2018. doi:10.1136/annrheumdis-2017-211796

Prevenção

Pode-se prevenir a infecção intestinal por T. solium cozinhando cortes inteiros de carne de porco a ≥ 63° C aferidos com termômetro alimentar colocado na parte mais espessa da carne, permitindo a seguir que a carne descanse por 3 minutos antes de cortar ou consumir. Deve-se cozinhar a carne de porco moída a ≥ 71 °C. A carne de porco moída não requer um período de descanso.

A identificação e o tratamento dos portadores de T. solium adultas são uma importante medida de prevenção da cisticercose. Nos Estados Unidos, a transmissão ocorreu quando as pessoas que foram infectadas em áreas endêmicas tinham T. solium no intestino e então contaminaram os alimentos com as fezes. É muito importante instruir aqueles que manipulam alimentos de regiões endêmicas a seguir as boas práticas de lavagem das mãos.

Ao viajar para as regiões endêmicas com más condições de saneamento, as pessoas devem ter o cuidado de evitar alimentos que possam estar contaminados por fezes humanas e evitar o consumo de carne de porco crua ou inadequadamente cozida.

Pontos-chave

  • A ingestão de cistos T. solium pode causar infecção intestinal; a ingestão de ovos pode resultar em cistos teciduais (cisticercose), que são particularmente problemáticos quando estão no cérebro.

  • Pacientes com neurocisticercose podem apresentar convulsões, sinais de elevação da pressão intracraniana, estado mental alterado, sinais neurológicos focais ou meningite asséptica.

  • Diagnosticar a infecção intestinal por vermes adultos identificando as proglotes nas fezes e os ovos por exame microscópico de amostras das fezes.

  • Diagnosticar a neurocisticercose por neuroimagem e testes sorológicos.

  • Administrar praziquantel para infecção intestinal.

  • Consultar um especialista para neurocisticercose; normalmente corticoides são dados com anticonvulsivantes a pacientes que têm convulsões associadas ou que são considerados como de alto risco de convulsões.

  • O uso de anti-helmínticos e/ou cirurgia para neurocisticercose depende da localização, número e tamanho dos cisticercos; estágio da doença; e manifestações clínicas.

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