A apneia central do sono (ACS) é um grupo heterogêneo de condições caracterizadas por alterações no impulso respiratório sem obstrução das vias respiratórias (em comparação com a apneia obstrutiva do sono). O diagnóstico baseia-se em sintomas (como sonolência e despertares por causa de falta de ar) e achados da polissonografia. O tratamento varia de acordo com a causa.
A apneia central do sono (ACS) é muito menos comum do que a apneia obstrutiva do sono, mas não é rara. A ACS está presente em cerca de 0,9% das pessoas da comunidade (1). A ACS é mais comum em idosos, homens e pacientes com doença cardiovascular como insuficiência cardíaca. A ACS também pode ocorrer em crianças (2).
Referências gerais
1. Donovan LM, Kapur VK: Prevalence and characteristics of central compared to obstructive sleep apnea: analyses from the sleep heart health study cohort. Sleep 39(7):1353–1359, 2016. doi: 10.5665/sleep.5962
2. McLaren AT, Bin-Hasan S, Narang I: Diagnosis, management and pathophysiology of central sleep apnea in children. Paediatr Respir Rev 30:49–57, 2019. doi:10.1016/j.prrv.2018.07.005
Fisiopatologia da apneia central do sono
Diferentemente da apneia obstrutiva do sono, em que a obstrução das vias respiratórias restringe o fluxo de ar, a apneia central do sono (ACS) é causada por alterações no impulso respiratório, que durante o sono são altamente dependentes dos níveis de dióxido de carbono. Diferenciam-se dois mecanismos:
ACS relacionada com hipoventilação: impulso ventilatório diminuído causa reduções transitórias e/ou pausas na respiração.
ACS relacionada com hiperventilação: o impulso ventilatório aumentado durante o sono leva à hipocapnia, que causa uma queda compensatória na ventilação que, se anormalmente prolongada, provoca apneia central recorrente com despertares.
A ACS relacionada à hipoventilação pode resultar de uma lesão anatômica ou funcional dos centros respiratórios que prejudica diretamente a ventilação, resultando em níveis altos de dióxido de carbono (CO2) (hipercapnia). A ACS relacionada à hipoventilação pode ocorrer em pacientes com doença do sistema nervoso central ou neuromuscular. Opioides e outros medicamentos são causas comuns de ACS relacionada com hipoventilação.
Paradoxalmente, na ACS relacionada à hiperventilação, períodos de hiperventilação leva a apneias subsequentes. Aumentos transitórios na ventilação por qualquer razão podem exceder o nível alvo de CO2 , causando hipocapnia. A hipocapnia causa períodos subsequentes de hipoventilação e/ou apneia, eventualmente resultando em hipercapnia e subsequente repetição do ciclo. Os pacientes podem alternar periodicamente entre hiper e hipoventilação, como na respiração de Cheyne-Stokes, em que os pacientes têm breves períodos de apneia seguidos de respiração progressivamente mais rápida e profunda, que então se torna mais lenta e mais superficial até que os pacientes se tornam apneicos novamente e repetem o ciclo.
A ventilação perturbada ocorre principalmente durante o sono porque durante o estado de vigília há estímulos externos adicionais à respiração.
Etiologia da apneia central do sono
Causas da ACS relacionada à hipoventilação com hipercapnia são hipotireoidismo, lesões neurais (p. ex., infartos do tronco cerebral, encefalite, malformação do tipo Chiari II) e certos medicamentos (mais comumente opioides — como metadona) (1).
A síndrome de hipoventilação central congênita (síndrome de Ondine) é uma forma rara de ACS idiopática que se manifesta em recém-nascidos, em alguns casos associada à doença de Hirschsprung. Uma mutação no gene PHOX2 é responsável por 80 a 90% dos casos (2). Essa mutação produz fenótipos variáveis, alguns dos quais podem se tornar reconhecíveis mais tarde na vida (3). Os casos clinicamente evidentes são herdados em um padrão dominante. Pode-se encontrar a hipoventilação do sono nos pais.
Uma doença extremamente rara que pode causar ACS é uma síndrome de obesidade de início rápido (ganho de peso acentuado em < 1 ano) com disfunção hipotalâmica, hipoventilação e desregulação autonômica (ROHHAD, na sigla em inglês); a causa é multifatorial. Manifesta-se na segunda ou terceira década de vida, frequentemente após um evento estressante, como uma infecção ou cirurgia (4).
A ACS relacionada à hiperventilação ocorre em grandes altitudes em pessoas saudáveis como consequência da hipóxia hipobárica. Também ocorre em pacientes com insuficiência cardíaca respiração de Cheyne-Stokes e, ocasionalmente, durante o tratamento das apneias obstrutivas com pressão positiva das vias respiratórias (PAP).
Referências sobre etiologia
1. Javaheri S, Cao M: Chronic Opioid Use and Sleep Disorders. Sleep Med Clin 17(3):433–444, 2022. doi:10.1016/j.jsmc.2022.06.008
2. Genetic and Rare Diseases Information Center: Congenital central hypoventilation syndrome. National Institutes of Health, National Center for Advancing Translational Medicine, Genetic and Rare Diseases Information Center. Atualizado em junho de 2024. Acessado em julho de 2024. Congenital central hypoventilation syndrome - About the Disease - Genetic and Rare Diseases Information Center (nih.gov)
3. Antic NA, Malow BA, Lange N, et al: PHOX2B mutation-confirmed congenital central hypoventilation syndrome: presentation in adulthood. Am J Respir Crit Care Med 174(8):923–927, 2006. doi:10.1164/rccm.200605-607CR
4. Chew HB, Ngu LH, Keng WT: Rapid-onset obesity with hypothalamic dysfunction, hypoventilation and autonomic dysregulation (ROHHAD): a case with additional features and review of the literature. BMJ Case Rep 2011:bcr0220102706, 2011. doi:10.1136/bcr.02.2010.2706
Sinais e sintomas da apneia central do sono
A apneia central do sono pode ser assintomática, detectada por cuidadores ou parceiros de cama que percebem pausas respiratórias longas e silenciosas, e respirações superficiais seguidas de hiperpneia ou sono agitado. Ou pode ser sintomática com despertares noturnos do sono (insônia de manutenção do sono) ou sonolência diurna excessiva (algumas vezes chamada sonolência ao acordar), letargia ou cefaleia matinal.
Diagnóstico da apneia central do sono
História e exame físico
Frequentemente polissonografia
O diagnóstico da ACS baseia-se na revisão cuidadosa da história clínica, revisão da medicação e achados clínicos e, quando necessário, confirmado por testes do sono em casa com equipamento portátil ou em um laboratório do sono utilizando polissonografia (1, 2). Entretanto, testes podem não ser necessários se a causa é evidente e reversível (p. ex., viajar para locais de altitudes elevadas, insuficiência cardíaca).
A gasometria arterial e os níveis de bicarbonato durante a vigília são úteis para diferenciar entre uma fisiopatologia hipocápnica ou hipercápnica. Para diagnosticar as causas do sistema nervoso central da apneia com hipercapnia, pode-se indicar imagens do encéfalo ou do tronco encefálico. Se um padrão de Cheyne-Stokes for observado, avaliação cardíaca, incluindo ecocardiografia, também pode ser necessária.
Referências sobre diagnóstico
1. Baillieul S, Revol B, Jullian-Desayes I, Joyeux-Faure M, Tamisier R, Pépin JL: Diagnosis and management of central sleep apnea syndrome. Expert Rev Respir Med 13(6):545–557, 2019. doi:10.1080/17476348.2019.1604226
2. The American Association of Sleep Medicine: The AASM International Classification of Sleep Disorders – Third Edition, Text Revision (ICSD-3-TR). AASM Darien, IL. 2023.
Tratamento da apneia central do sono
Tratamento das doenças subjacentes
Cuidados de suporte
Medicamentos e dispositivos
O tratamento primário da apneia central do sono sintomática costuma ser a correção das doenças subjacentes (p. ex. insuficiência cardíaca) e evitar ou reduzir opioides, álcool e outros sedativos (1). O tratamento secundário de pacientes com ACS sintomático pode ser uma tentativa de suplementação de oxigênio ou estimulantes respiratórios. Outros pacientes podem utilizar pressão positiva nas vias respiratórias ou outros dispositivos, dependendo da doença subjacente. Pacientes com sintomas mínimos podem não precisar de terapia específica.
Para pacientes com ACS e respiração de Cheyne-Stokes apesar da otimização da função cardíaca, a suplementação de oxigênio pode diminuir os episódios de apneia e hipopneia. Da mesma forma, a pressão positiva contínua das vias respiratórias (CPAP) às vezes pode ser eficaz no tratamento da insuficiência cardíaca e da respiração de Cheyne-Stokes diminuindo a hipoxemia e reduzindo a pré-carga e a pós-carga.
Estratégias de ventilação PAP mais avançadas, como a servoventilação adaptativa (ASV), também foram utilizadas. Esses algoritmos de ventilação fornecem suporte respiratório ou respirações assistidas durante os períodos de apneia e, em seguida, diminuem o suporte quando os pacientes respiram por conta própria. O efeito geral é regularizar a ventilação por minuto. Entretanto, com base nos resultados de ensaios clínicos, a ASV é contraindicada em pacientes com fração de ejeção reduzida (2, 3).
A acetazolamida, que causa aumento da excreção de bicarbonato e acidose metabólica e estimula a respiração, é eficaz para a ACS causada por altitude elevada e é útil em alguns pacientes com insuficiência cardíaca.
A estimulação elétrica do diafragma, tipicamente realizada por estimulação transvenosa do nervo frênico, é uma opção, como para crianças > 2 anos com síndrome de hipoventilação central congênita, ou para adultos com ACS recorrente sintomática. Sistemas de estimulação do nervo frênico ou diafragma programáveis podem produzir um padrão de respiração rítmica que estabiliza o volume corrente, o fluxo de ar e a oxigenação, retém a respiração durante o sono e potencialmente altera a progressão da doença (4).
Referências sobre tratamento
1. Dempsey JA: Central sleep apnea: misunderstood and mistreated! F1000Res. 8:F1000 Faculty Rev-981, 2019. doi: 10.12688/f1000research.18358.1
2. Cowie MR, Woehrle H, Wegscheider K, et al: Adaptive Servo-Ventilation for Central Sleep Apnea in Systolic Heart Failure. N Engl J Med 373(12):1095–1105, 2015. doi:10.1056/NEJMoa1506459
3. Bradley TD, Logan AG, Lorenzi Filho G, et al: Adaptive servo-ventilation for sleep-disordered breathing in patients with heart failure with reduced ejection fraction (ADVENT-HF): a multicentre, multinational, parallel-group, open-label, phase 3 randomised controlled trial. Lancet Respir Med 12(2):153–166, 2024. doi:10.1016/S2213-2600(23)00374-0
4. Schwartz AR, Sgambati FP, James KJ, et al: Novel phrenic nerve stimulator treats Cheyne-Stokes respiration: polysomnographic insights. J Clin Sleep Med 16(5):817–820, 2020. doi: 10.5664/jcsm.8328
Informações adicionais
Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.
American Thoracic Society: What is Central Sleep Apnea in Adults?: Brief central sleep apnea summary for patients
American Academy of Sleep Medicine: Detailed patient information explaining the importance of healthy sleep and treatment options for sleep disorders