Incongruência de gênero e disforia de gênero

PorGeorge R. Brown, MD, East Tennessee State University
Revisado/Corrigido: jun. 2023
Visão Educação para o paciente

Sexo, gênero e identidade

Sexo e gênero não são a mesma coisa, e devem ser considerados clinicamente como características distintas. A terminologia sobre sexo e gênero inclui (1, 2)

  • Sexo: definido pelas características geralmente utilizadas para distinguir entre homens e mulheres; sexo refere-se especialmente às características físicas e biológicas que são fisicamente evidentes ao nascimento, e é frequentemente encontrado nas frases "designado como do sexo masculino ao nascimento" (AMAB, na sigla em inglês) e "designado como do sexo feminino ao nascimento" (AFAB).

  • Identidade de gênero: sensação interna de ser homem, mulher ou gênero diferente, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído a um indivíduo ao nascer ou às suas características sexuais.

  • Expressão de gênero: roupas, aparência física e outras apresentações e comportamentos externos que expressam aspectos da identidade ou papel de gênero.

  • Incongruência de gênero: A experiência marcante e persistente de incompatibilidade entre a identidade de gênero da pessoa e o gênero esperado dela com base no sexo atribuído ao nascimento.

  • Disforia de gênero: desconforto ou sofrimento relacionado a uma incongruência entre a identidade de gênero de um indivíduo e o sexo atribuído ao nascimento.

  • Cisgênero: utilizado para descrever um indivíduo cuja identidade e expressão de gênero se alinham ao sexo atribuído ao nascimento.

  • Transgênero: um termo abrangente que engloba aqueles cujas identidades ou papéis de gênero diferem daqueles tipicamente associados ao sexo designado no nascimento.

  • Sexo não conforme: descreve um indivíduo cuja identidade ou expressão de gênero difere das normas de gênero associadas ao sexo designado no nascimento.

  • Queer: descreve um indivíduo cuja identidade de gênero não se alinha com uma compreensão binária do gênero, incluindo aqueles que se consideram tanto homem como mulher, nenhum dos dois, movendo-se entre os dois, um terceiro gênero ou completamente fora do conceito de gênero. Alguns se referem a si mesmos como não binários em relação à sua identidade de gênero e/ou papel.

  • Gênero não binário: inclui pessoas cujos sexos compreendem mais de uma identidade de gênero simultaneamente ou em momentos diferentes (p. ex., bigênero); que não têm uma identidade de gênero ou têm uma identidade de gênero neutra (p. ex., agênero ou neutrois); têm identidades de gênero que abrangem ou mesclam elementos de outros gêneros (p. ex., poligênero, demigaroto, gemigarota); e/ou que têm um gênero que muda ao longo do tempo (p. ex., gênero fluido).

  • Gênero binário: a classificação do gênero em 2 categorias distintas de masculino e feminino (um paradigma do passado que não reconhecia aqueles que não se identificam como homens ou mulheres).

  • Mulheres transgênero: pessoas que foram designadas como do sexo masculino ao nascimento (AMAB, na sigla em inglês) e adotaram a identidade de gênero de mulher, independentemente de terem sido submetidas a qualquer transição médica de gênero.

  • Homens trânsgênero: pessoas que foram designadas como do sexo feminino ao nascimento (AFAB) e adotaram uma identidade de gênero como homem, independentemente de terem sido submetidas a alguma transição médica de gênero.

  • Eunuco: idivíduo do sexo masculino, ao nascimento, cujos testículos foram removidos cirurgicamente ou tornados não funcionais e que se identifica como eunuco. Isso difere da definição médica padrão ao excluir aqueles que não se identificam como eunucos.

  • Transafirmativo: estar ciente, respeitar e dar suporte às necessidades de indivíduos transgêneros e não conformes de gênero.

  • Orientação sexual: padrão de atração emocional, romântica e/ou sexual que as pessoas têm em relação aos outros. Também se refere ao senso de identidade pessoal e social de uma pessoa com base nessas atrações, comportamentos relacionados e participação em uma comunidade de outras pessoas com atrações e comportamentos semelhantes. A identidade sexual é diferente da identidade de gênero.

Transgênero e gênero diverso são os termos preferidos para se referir a pessoas com identidades de gênero que diferem do gênero que é congruente com o sexo que lhes foi designado ao nascimento. Transexualismo é um termo ultrapassado que não é mais utilizado por especialistas da disforia de gênero.

As identidades de gênero incluem masculinidade ou feminilidade tradicional, com um reconhecimento cultural crescente de que algumas pessoas não se encaixam — nem necessariamente desejam se encaixar — na dicotomia tradicional homem-mulher (binarismo de gênero). Essas pessoas podem se referir a elas mesmas como genderqueer, não binárias, não conformes ou um dos muitos outros termos que se tornaram amplamente utilizados. Além disso, as definições e as categorizações do papel de gênero podem diferir entre as sociedades. O termo cisgênero, que se aplica à maioria das pessoas, é utilizado para se referir a pessoas cuja identidade de gênero corresponde ao sexo atribuído ao nascimento.

Muitas culturas são mais tolerantes a comportamentos não conformes de gênero em meninas (p. ex., fazer atividades ou utilizar roupas que são mais típicas para meninos) do que comportamentos efeminados em meninos. Como parte do desenvolvimento normal, muitos meninos brincam de ser meninas ou mães, incluindo experimentar as roupas da irmã ou da mãe, demonstrar comportamentos estereotipados, ou expressar interesses associados a meninas em uma determinada sociedade. A incongruência de gênero (comportamento que difere significativamente das normas culturais para o sexo de nascimento de uma pessoa) em crianças geralmente não é considerada um transtorno e geralmente não persiste na idade adulta nem leva à disforia de gênero, embora adolescentes com incongruência de gênero persistente possam ser mais propensos a se identificar como homossexuais ou bissexuais quando adultos (3).

Identidade de gênero não binária refere-se a indivíduos que experimentam seu gênero como diferente das visões ocidentais típicas da identidade de gênero binária (masculino ou feminino). Não binária descreve pessoas com diferentes tipos de identidade de gênero, incluindo pessoas que não se identificam com nenhum gênero, aquelas que se identificam com múltiplos sexos e aquelas que podem experimentar diferentes gêneros ao longo do tempo ou em diferentes contextos (gênero fluido) (4). Embora algumas pessoas não binárias se identifiquem como transgênero, muitos não.

Pessoas não binárias podem utilizar pronomes inventados como "elu" ou termos como "amigue", entre outras palavras recém-criadas. Estudos relataram que pessoas não binárias podem constituir 25 a 50% da comunidade de gênero diverso, com as porcentagens mais altas observadas em adolescentes e adultos jovens (5). Atualmente, a maioria das pessoas não binárias teve o sexo feminino atribuído ao nascimento.

Antes da década de 2010, a maioria dos pacientes com disforia de gênero que solicitava tratamento havia sido designada como do sexo masculino ao nascimento. Isso mudou, com um aumento substancial no número de pacientes adolescentes designados como mulheres ao nascimento chegando às clínicas em todo o mundo para avaliação e tratamento (6, 7).

Disforia de gênero e incongruência de gênero

Para a maioria das pessoas, há congruência entre sexo atribuído ao nascimento, identidade de gênero e papel de gênero. Entretanto, aqueles com disforia de gênero experimentam sofrimento associado a algum grau de incongruência entre o sexo no nascimento e a identidade de gênero. A disforia de gênero é um diagnóstico no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, Texto revisado (DSM-5-TR), e é dividido em 2 conjuntos de critérios diagnósticos, um para crianças e outro para adolescentes e adultos (8).

Se um indivíduo experimenta ou apresenta incongruência de gênero ou inconformidade de gênero, isso por si só não é considerado um transtorno. É considerada uma variante normal da identidade e expressão do gênero humano. Entretanto, quando a incompatibilidade percebida entre o sexo de nascimento e o sentido interno da identidade de gênero causa sofrimento significativo a alguém ou prejuízo funcional, um diagnóstico clínico de disforia de gênero pode ser apropriado. O diagnóstico é definido pelo sofrimento da pessoa, e não pela presença de incongruência ou identidade de gênero.

O sofrimento da disforia de gênero é geralmente descrito como uma combinação de ansiedade, depressão, irritabilidade e a sensação generalizada de não se sentir confortável no próprio corpo. Pessoas com disforia de gênero grave podem experimentar sintomas graves, perturbadores e de longa duração. Geralmente têm forte desejo de mudar o corpo por meios clínicos e/ou cirúrgicos para que seus corpos se alinhem mais estreitamente com sua identidade de gênero.

Não há dados suficientes para determinar a prevalência precisa de incongruência de gênero ou disforia, mas estudos realizados em grandes sistemas de saúde relataram que 0,02 a 0,1% dos pacientes atendem os critérios do DSM-5-TR para o diagnóstico de disforia de gênero. Estudos baseados em pesquisas de indivíduos em ambientes não clínicos relataram uma proporção ainda maior de entrevistados que se identificam como transgêneros:

Em adultos, a prevalência foi capturada em 2 grupos distintos:

  • Aqueles que se consideram transgêneros (0,5 a 0,6%)

  • Aqueles que se consideram incongruentes em relação ao gênero/diversos (0,6 a 1,1%)

Em crianças e adolescentes, os mesmos padrões de prevalência foram observados:

  • Aqueles que se consideram transgêneros (1,2 a 2,7%)

  • Aqueles que se consideram de gênero incongruente/diverso (2,5 a 8,4%)

Alguns estudiosos afirmam que o diagnóstico da disforia de gênero é primariamente uma condição clínica geral com sintomas psiquiátricos concomitantes, semelhante a transtornos do desenvolvimento sexual e, não são essencialmente um transtorno mental. Como resultado, incongruência de gênero e disforia de gênero não são mais listados como condições de saúde mental na 11ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), mas sim em um novo capítulo sobre saúde sexual (9). A Organização Mundial da Saúde fez essa mudança, em parte, para reduzir o estigma para uma condição já estigmatizada (10, 11). Por outro lado, outros consideram que até mesmo formas extremas de incongruência de gênero não são uma condição médica nem psiquiátrica, mas variantes normais raras no espectro da identidade e expressão humanas de gênero.

Independentemente do ponto de vista sobre a natureza clínica da incongruência e disforia de gênero, há evidências substanciais de que pessoas transexuais como uma população sofrem com uma carga maior de diagnósticos médicos, de saúde mental e saúde sexual, muitas vezes associados a barreiras ao acesso ao tratamento. Nem todos os transtornos de saúde mental nessa população são disforia de gênero (p. ex., depressão concomitante, transtornos de ansiedade, transtornos por uso de substâncias) e a disforia de gênero não é experimentada por todos os indivíduos com incongruência de gênero. Quando sintomas definidos estão presentes e alcançam um limiar de significado clínico, um diagnóstico de disforia de gênero pode estar presente.

Referências gerais

  1. 1. American Psychological Association: A glossary: Defining transgender terms. See also Sexual orientation and gender diversity.

  2. 2. World Professional Association for Transgender Health: Standards of Care Version 8.

  3. 3. Wallien MSC, Cohen-Kettenis PT: Psychosexual outcome of gender-dysphoric children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 47(12)1413-1423, 2008. doi: 10.1097/CHI.0b013e31818956b9

  4. 4. Richards C, Bouman WP, Seal, et al: Non-binary or genderqueer genders. Int Rev Psychiatry 28(1):95-102, 2016. https://doi.org/10.3109/09540261.2015.1106446

  5. 5. Watson RJ, Wheldon CW, Puhl RM: Evidence of diverse identities in a large national sample of sexual and gender minority adolescents. J Res Adolesc 30(S2):431-442, 2020. https://doi.org/10.1111/jora.12488

  6. 6. Okabe N, Toshiki S, Matsumoto Y, et al: Clinical characteristics of patients with gender identity disorder at a Japanese gender identity disorder clinic. Psychiatry Res 157(1-3):315-318, 2008. doi: 10.1016/j.psychres.2007.07.022

  7. 7. de Graaf N, Carmichael P, Steensma T, et al: Evidence for a change in the sex ratio of children referred for gender dysphoria: Data from the Gender Identity Development Service in London (2000-2017). J Sex Med 15(10):1381-1383, 2018.  doi: 10.1016/j.jsxm.2018.08.002

  8. 8. American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th ed. Text Revision (DSM-5-TR). Washington, DC, American Psychiatric Association, 2022.

  9. 9. World Health Organization: Eleventh revision of the International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems (ICD-11). Acessado em 21 de abril de 2023.

  10. 10. World Health Organization: Gender incongruence and transgender health in the ICD. Acessado em 19 de maio de 2023.

  11. 11. Reed GM, Drescher J, Krueger RB, et al: Disorders related to sexuality and gender identity in the ICD-11: Revising the ICD-10 classification based on current scientific evidence, best clinical practices, and human rights considerations. World Psychiatry 15(3): 205-221, 2016. doi: 10.1002/wps.20354

Etiologia da incongruência de gênero e disforia de gênero

A etiologia específica da incongruência de gênero não é completamente compreendida. Considera-se que os fatores biológicos (p. ex., genética, meio hormonal pré-natal em um período crítico no desenvolvimento fetal) desempenham papéis importantes na determinação da identidade de gênero. Alguns estudos descobriram uma taxa de concordância para disforia de gênero em gêmeos monozigóticos do que em dizigóticos, sugerindo que existe um componente hereditário para a incongruência de gênero (1), enquanto outros não encontraram essa ligação (2). Alguns exames de imagem do cérebro mostram diferenças funcionais e anatômicas em pessoas com disforia de gênero que são consistentes com sua identidade de gênero em vez de sexo atribuído ao nascimento (3).

Formação de identidade de gênero e de papel sexual seguro e sem conflito também é influenciada por fatores psicossociais (p. ex., as características do vínculo emocional dos pais e a relação que cada um deles tem com a criança).

Raramente, disforia de gênero está associada a distúrbios do desenvolvimento sexual (p. ex., genitais ambíguos) ou a anomalia genética (p. ex., síndrome de Turner, síndrome de Klinefelter). Quanda classificação sexual e criação são confusas (p. ex., em casos de genitália ambígua ou síndromes genéticas que alteram a aparência dos genitais, [por ex., as síndromes de insensibilidade aos andrógenos]), as crianças podem ficar incertas acerca de sua identidade de gênero ou de seu papel sexual, ainda que a contribuição adicional da contribuição adicional de fatores ambientais permaneça controverso. Entretanto, quanda classificação e criação não são ambíguas, a presença de genitália ambígua pode não afetar o desenvolvimento da identidade de gênero da criança.

Referências sobre etiologia

  1. 1. Coolidge FL, Thede LL, Young SE: The heritability of gender identity disorder in a child and adolescent twin sample. Behav Genet 32(4):251-257, 2002. doi: 10.1023/a:1019724712983

  2. 2. Karamanis G, Karalexi M, White R, et al: Gender dysphoria in twins: A register-based population study. Sci Rep 12, 13439, 2022. https://doi.org/10.1038/s41598-022-17749-0

  3. 3. Kreukels BPC, Guillamon A: Neuroimaging studies in people with gender incongruence. Int Rev Psych 28(1):120-128, 2016. doi: 10.3109/09540261.2015.1113163

Sinais e sintomas de incongruência de gênero e disforia de gênero

Embora esta seção seja sobre sinais e sintomas, também discute experiências e características de indivíduos com diferentes gêneros que não têm disforia de gênero.

Sintomas em crianças

A diversidade de gênero na infância é uma ocorrência frequente no desenvolvimento humano em geral (1) e não é, por si só, um transtorno mental nem necessariamente uma indicação de que a criança tem uma identidade transgênero (2).

A disforia de gênero infantil é um diagnóstico clínico que muitas vezes se manifesta tão cedo quanto 2 a 3 anos de idade, mas pode se tornar aparente em qualquer idade. A maioria das crianças com disforia de gênero só é avaliada entre 6 e 9 anos de idade. Crianças com disforia de gênero comumente apresentam os seguintes por pelo menos um período de 6 meses (3):

  • Preferem se vestir como o sexo oposto

  • Insistem que são do sexo oposto

  • Desejam acordar como o sexo oposto

  • Preferem participar de jogos e atividades estereotípicos do sexo oposto

  • Preferem companheiros do outro sexo para brincar

  • Têm forte aversão à anatomia sexual

Por exemplo, uma menina jovem pode insistir que ainda lhe crescerá um pênis e ela se tornará um menino; ela pode ficar em pé para urinar. Um menino pode fantasiar sobre ser uma menina e evitar jogos de lutas e competitivos. Ele também pode querer se livrar de seu pênis e testículos. Para meninos, se a angústia com as mudanças físicas da puberdade está presente, muitas vezes isso é seguido por uma solicitação para tratamentos somáticos feminizantes durante a adolescência.

Não é possível prever com precisão a trajetória de gênero de crianças de gênero incongruente antes da adolescência. Alguns estudos descobriram que a maioria dos participantes do estudo com incongruência de gênero na infância permaneceu estável nessa identidade de gênero na adolescência (4). Em outros estudos, entre os participantes do estudo diagnosticados com disforia de gênero já na infância, uma minoria continuou a atender os critérios diagnósticos para disforia de gênero quando adultos (5, 6), e também uma minoria daqueles que expressaram níveis não clinicamente significativos de incongruência de gênero (não atenderam os critérios diagnósticos para disforia de gênero) continuaram a expressar incongruência de gênero como adultos.

Há controvérsias consideráveis sobre se ou em que idade apoiar a transição social e/ou médica de gênero de crianças pré-púberes com disforia de gênero. Não há pesquisas conclusivas para orientar essa decisão (7, 8); entretanto, a longo prazo, estudos prospectivos estão em andamento (4).

A atual versão 8 do World Professional Association for Transgender Health (WPATH) Standards of Care, (9) fornecem orientação para especialistas que trabalham nessa área sensível. Essas diretrizes recomendam que os pais/cuidadores e profissionais de saúde respondam solidariamente às crianças que desejam ser reconhecidas como sendo do gênero que corresponde ao seu sentimento de identidade de gênero. Eles também recomendam que os pais/cuidadores e profissionais de saúde apoiem as crianças a continuar a explorar seu gênero ao longo dos anos pré-pubescentes, independentemente da transição social (9).

Crianças e adolescentes com gênero diverso como um grupo têm maior probabilidade de sofrer trauma, intimidação, isolamento e dificuldades de saúde mental do que seus pares cisgênero (10, 11). O aumento do suicídio e da depressão em adolescentes que se identificam como transgênero ou com gênero diverso tem atraído atenção e estudos substanciais (12, 13).

Algumas crianças ou adolescentes transgêneros fazem uma transição social. Isso pode envolver uma ou mais das seguintes alterações durante a infância: mudança de nome, pronomes, marcadores sexuais em documentos e registros escolares; participação em esportes, clubes recreativos e acampamentos para "outros" gêneros; mudar o banheiro e o vestiário de acordo com o sexo vivenciado; comunicação do gênero vivenciado/afirmado publicamente para outras pessoas; e mudanças na expressão pessoal (p. ex., penteados, roupas, acessórios) (2).

Sintomas em adultos

Muitos adultos diagnosticados com disforia de gênero apresentam sintomas precoces de disforia de gênero ou têm a sensação de serem diferentes na primeira infância, mas alguns só aparecem na idade adulta e não demonstram evidências de incongruência de gênero na infância. As mulheres trans podem primeiro se identificar como cross-dressers, transformistas ou travestis e só mais tarde na vida abraçar sua identidade transgênero.

Algumas pessoas com disforia de gênero inicialmente fazem escolhas consistentes com o sexo designado ao nascimento (p. ex., casamento, serviço militar) e frequentemente admitem, em retrospecto, que não estavam confortáveis com seus sentimentos transgêneros/de gênero diverso, e tomaram decisões de vida para tentar evitar lidar com eles. Para aqueles designados como do sexo masculino ao nascimento, isso foi descrito como uma "fuga para a hipermasculinidade" (14, 15). Depois que aceitam sua identidade transgênero e fazem a transição pública de gênero, muitas pessoas transgêneros se misturam perfeitamente ao tecido social em sua identidade de gênero preferida — com ou sem terapia hormonal de afirmação de gênero ou cirurgia de afirmação de gênero.

Pessoas transgênero podem se sentir confortáveis com uma variedade de métodos para expressar sua identidade de gênero. Algumas mulheres transgênero se realizam desenvolvendo uma aparência mais feminina e obtendo documentos de identidade feminina (p. ex., carteira de motorista, passaporte) para ajudá-las a trabalhar e viver em sociedade como mulher. Da mesma forma, muitos pacientes designados como do sexo feminino ao nascimento escolhem proceder com uma transição social e, com a assistência da terapia de testosterona de afirmação de gênero (quer mastectomias e/ou reconfiguração do tórax tenham ou não sido realizadas), parecem e se comportam de maneira bastante masculina.

Outras pessoas com diferentes gêneros experimentam problemas, que podem incluir ansiedade, depressão, transtornos por uso de substâncias, e comportamento suicida, em níveis substancialmente mais elevados do que os de seus pares cisgêneros (16). Esses problemas podem estar relacionados a estressores sociais e familiares associados à falta de aceitação de comportamentos de inconformidade de gênero e marginalização, frequentemente chamado estresse de minoria. As disparidades de saúde quanto ao acesso a serviços de saúde mental e geral estão bem documentadas em pessoas com disforia de gênero e podem estar associadas à pobreza, barreiras no acesso a cuidados, discriminação, e ao desconforto do médico em fornecer-lhes os cuidados adequados.

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Endocrine Society, Pediatric Endocrine Society: Position statement: Transgender health. Endocrine Society. Acessado em 19 de maio de 2023.

  2. 2. Ehrensaft D: Exploring gender expansive expressions. In The gender affirmative model: An interdisciplinary approach to supporting transgender and gender expansive children, edited by Keo-Meier C, Ehrensaft D, American Psychological Association, Washington, DC.

  3. 3. American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th ed. Text Revision (DSM-5-TR). Washington, DC, American Psychiatric Association, 2022.

  4. 4. Olson KR, Durwood L, Horton R, et al: Gender identity 5 years after social transition. Pediatrics 150 (2): e2021056082, 2022. https://doi.org/10.1542/peds.2021-056082

  5. 5. Singh D, Bradley S, Zucker K: A follow-up study of boys with gender identity disorder. Front Psychiatry Volume 12, 2021. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.632784

  6. 6. Wallien MSC, Cohen-Kettenis PT: Psychosexual outcome of gender-dysphoric children. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 47(12)1413-1423, 2008. doi: 10.1097/CHI.0b013e31818956b9

  7. 7. Chen D, Edwards-Leeper L, Stancin T, et al: Advancing the practice of pediatric psychology with transgender youth: State of the science, ongoing controversies, and future directions. Clin Pract Pediatr Psychol 6(1):73-83, 2018. doi: 10.1037/cpp0000229 2

  8. 8. Travers A:The Trans Generation: How Trans Kids (and Their Parents) Are Creating a Gender Revolution. New York, New York University Press, 2018.

  9. 9. World Professional Association for Transgender Health: Standards of Care Version 8.

  10. 10. Barrow K, Apostle D: Addressing mental health conditions often experienced by transgender and gender expansive children. In The gender affirmative model: An interdisciplinary approach to supporting transgender and gender expansive children, edited by Keo-Meier CE, Ehrensaft DE. American Psychological Association. 2018.

  11. 11. Ristori J, Steensma TD: Gender dysphoria in childhood. Int Rev Psychiatry 28(1),13-20, 2016. https://doi.org/10.3109/09540261.2015.1115754

  12. 12. Turban JL, King D, Carswel JM, et al: Pubertal suppression for transgender youth and risk of suicidal ideation. Pediatrics e20191725, 2020. https://doi.org/10.1542/peds.2019-1725

  13. 13. Turban JL, King D, Kobe J, et al: Access to gender-affirming hormones during adolescence and mental health outcomes among transgender adults. PLoS One 17(1): e0261039, 2022. https://doi. org/10.1371/journal.pone.0261039

  14. 14. Brown GR: Transsexuals in the military: flight into hypermasculinity. Arch Sex Behav 17(6):527-537, 1988. doi: 10.1007/BF01542340

  15. 15. McDuffie E, Grown GR: 70 U.S. veterans with gender identity disturbances: A descriptive study. J Transgenderism 12(1):21-30, 2010. https://doi.org/10.1080/15532731003688962

  16. 16. Brown GR, Jones KT: Mental health and medical outcome disparities in 5135 transgender veterans receiving health care in the Veterans Health Administration: A case-control study. LGBT Health 3(2):122-131, 2016. doi: 10.1089/lgbt.2015.0058

Diagnóstico de incongruência de gênero e disforia de gênero

  • Critérios do DSM-5-TR

  • Critérios da CID-11 (ainda não utilizados em todos os países)

Avaliação e diagnóstico em todas as faixas etárias

A avaliação de um indivíduo em relação à incongruência de gênero ou disforia de gênero geralmente inclui

  • Entrevista do indivíduo (e para crianças, entrevistar pais/cuidadores) sobre a identidade de gênero e expressão de gênero, atual e historicamente

  • Avaliação para evidências de disforia, incongruência de gênero ou ambos

  • Revisão da história médica e da saúde mental relevante (e para crianças, história do desenvolvimento)

  • Deve-se avaliar a presença de estressores ou riscos significativos pessoais ou familiares (p. ex., uso de substâncias, exposição à violência, pobreza)

  • Avaliação para outras condições de saúde mental que muitas vezes estão associadas à disforia de gênero, incluindo depressão, ansiedade, transtornos por uso de substâncias, uso de tabaco, suicídio.

Além disso, os contextos psicossociais e familiares do indivíduo são importantes, incluindo atitudes, apoio e desafios em relação à diversidade de gênero da própria pessoa e de familiares, amigos e outros contatos importantes (p. ex., colegas, professores, colegas de trabalho, membros da comunidade). Deve-se avaliar a presença de estressores ou riscos pessoais ou familiares significativos (p. ex., uso de substâncias, exposição à violência, pobreza). O WPATH Standards of Care, versão 8 fornece uma seção detalhada sobre a avaliação de pacientes com gênero diverso em todas as fases do ciclo de vida (1).

A incongruência de gênero é definida na CID-11 como uma incongruência acentuada e persistente entre o gênero vivenciado de um indivíduo e o sexo atribuído (2). Como a CID-11 é utilizada na Europa e em algumas outras regiões do mundo, mas ainda não nos Estados Unidos, a incongruência de gênero não tem um código de diagnóstico nos Estados Unidos e, na prática clínica, o termo é geralmente empregado apenas em referência a crianças.

A disforia de gênero é expressa de forma diferente em diferentes faixas etárias (1). O diagnóstico da disforia de gênero em todas as faixas etárias, pelos critérios do DSM-5-TR, requer a presença de ambos os seguintes (3):

  • Incongruência acentuada entre sexo no nascimento e identidade de gênero experimentada/expressa que está presente há 6 meses

  • Sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo funcional resultante dessa incongruência

Diagnóstico da disforia de gênero em crianças

Critérios diagnósticos para disforia de gênero em crianças requerem 6 dos seguintes (3):

  • Forte desejo de ser ou insistência de que eles são do sexo oposto (ou algum gênero alternativo diferente do gênero atribuído)

  • Forte preferência por utilizar roupas típicas do sexo oposto e, nas meninas, resistência ao uso de roupas tipicamente femininas

  • Forte preferência por papéis de gênero cruzado em brincadeiras de fantasia ou faz-de-conta.

  • Forte preferência por brinquedos, jogos e atividades estereotípicas para outro gênero

  • Forte preferência por companheiros do sexo oposto

  • Forte rejeição a brinquedos, jogos e atividades típicas do gênero que corresponde ao sexo de nascimento

  • Forte aversão a sua anatomia sexual

  • Forte desejo por características sexuais primárias e/ou secundárias que correspondam ao gênero vivenciado

A condição deve estar associada a sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo em ambientes sociais, escolares ou outras áreas importantes de funcionamento.

A autoidentificação como um gênero diferente daquele atribuído ao nascimento não deve ser meramente um desejo de obter as vantagens culturais percebidas de ser um gênero diferente. Por exemplo, no caso de um menino que diz que quer ser uma menina principalmente porque receberá o mesmo tratamento especial que sua irmã mais nova, é improvável que tenha um diagnóstico de disforia de gênero.

Diagnóstico da disforia de gênero em adolescentes e adultos

Critérios diagnósticos para disforia de gênero em adolescentes e adultos requerem 2 dos seguintes (3):

  • Uma incongruência acentuada entre o sexo experimentado/expresso de alguém e as características sexuais primárias e/ou secundárias (ou em adolescentes jovens, as características sexuais secundárias antecipadas)

  • Forte desejo de se livrar de (ou para adolescentes jovens, prevenir o desenvolvimento de) suas características sexuais primárias e/ou secundárias

  • Forte desejo para as características sexuais primárias e/ou secundárias que correspondem com seu gênero sentido

  • Forte desejo de ser do outro sexo (ou algum gênero alternativo diferente do gênero atribuído)

  • Forte desejo de ser tratado como do sexo oposto

  • Forte convicção de que eles têm os sentimentos típicos e reações do sexo oposto

A condição deve estar associada a sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes.

Referências sobre diagnóstico

  1. 1. World Professional Association for Transgender Health: Standards of Care Version 8, pp. S31-S68.

  2. 2. Jakob R: ICD Update Platform: Gender identity alignment with ICD-11.

  3. 3. American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th ed. Text Revision (DSM-5-TR). Washington, DC, American Psychiatric Association, 2022.

Tratamento da disforia de gênero

  • Para muitos adultos ou adolescentes, terapia hormonal de afirmação de gênero e, às vezes, cirurgias de afirmação de gênero (cirurgia de mama, genital ou facial)

  • Às vezes, outros tratamentos (p. ex., terapia vocal, eletrólise)

  • Psicoterapia com adolescentes e adultos muitas vezes é útil para abordar questões de saúde mental coexistentes, questões relacionadas com a transição, e outros problemas, mas não é obrigatória para acessar tratamentos médicos e/ou cirúrgicos para disforia de gênero.

O objetivo do tratamento para pessoas trans, de acordo com o WPATH, é alcançar "conforto pessoal duradouro com seu gênero de preferência, visando otimizar a saúde física geral, o bem-estar psicológico e a autorrealização" (1).

Comportamento de não conformidade ou de incongruência de gênero, como o uso de roupas do sexo oposto, não é considerado um transtorno e não requer tratamento se ocorrer sem disforia de gênero concomitante (sofrimento psicológico clinicamente significativo ou prejuízo funcional). Quando é necessário tratamento, o objetivo é aliviar o sofrimento dos pacientes e ajudá-los a se adaptar, em vez de tentar dissuadi-los de sua identidade. Utilizar a psicoterapia para tentar "converter" a identidade transgênero estabelecida de uma pessoa (a chamada terapia reparativa ou terapia de conversão) não só é ineficaz, como também pode ser prejudicial para os pacientes, é considerado antiético e é ilegal em algumas jurisdições.

Para a maioria das pessoas com disforia de gênero, o principal objetivo ao procurar ajuda médica não é obter tratamento de saúde mental, mas obter tratamentos de afirmação de gênero na forma de terapia hormonal e/ou cirurgia de afirmação de gênero (anteriormente conhecida como redesignação sexual ou cirurgia genital) para tornar sua aparência física consistente com sua identidade de gênero. Quando a disforia de gênero é diagnosticada e tratada apropriadamente, o sofrimento psicológico pode desaparecer com uma combinação de psicoterapia, terapia hormonal de afirmação de gênero, e cirurgias de afirmação de gênero (1, 2).

A cirurgia pode ajudar determinados pacientes a atingir adaptação e satisfação maiores na vida. A maioria dos especialistas recomenda a cirurgia apenas para pacientes que foram avaliados por um médico adequadamente treinado e experiente e foram tratados de acordo com os padrões atuais do WPATH. Os médicos muitas vezes aconselham os pacientes a viverem em seu papel de gênero preferido por um ano antes de serem submetidos à cirurgia genital irreversível.

Técnicas de preservação da fertilidade, como criopreservação de embriões, oócitos ou espermatozoides ou atraso no início de tratamentos hormonais de afirmação de gênero, devem ser discutidas antes do tratamento (1, 3).

Estudos revelaram que a cirurgia genital ajudou muitas pessoas com disforia de gênero a terem vidas mais felizes e mais produtivas. Com base nesses achados, essa cirurgia é considerada clinicamente necessária em pacientes com disforia de gênero altamente motivados que foram avaliados por especialistas apropriados e atenderam os critérios descritos no WPATH Standards of Care, versão 8 (2). Deve-se observar que as cirurgias de afirmação de gênero não se limitam às intervenções genitais, mas também podem incluir alterações faciais, cirurgia das pregas vocais, aumento da mama, raspagem da laringe ou outras cirurgias não genitais.

Embora não mais seja necessário que pacientes com disforia de gênero passem por psicoterapia antes da consideração dos procedimentos cirúrgicos hormonais de afirmação de gênero, profissionais de saúde mental podem fazer o seguinte para ajudar os pacientes a tomar decisões inteligentes:

  • Avaliar e tratar doenças comórbidas (p. ex., depressão, transtornos por uso de fármacos)

  • Ajudar os pacientes a lidar com os efeitos negativos do estigma (p. ex., desaprovação, discriminação)

  • Ajudar os pacientes a encontrar uma expressão de gênero com a qual eles se sintam à vontade

  • Se aplicável, facilitar as mudanças, aceitação (informar outras pessoas sobre a identidade transgênero), e transição dos papéis de gênero

A decisão de um indivíduo de compartilhar informações sobre sua identidade de gênero com a família e o público, independentemente dos tratamentos desejados, é muitas vezes repleta de potenciais problemas sociais para os pacientes (4, 5). Tais questões incluem a perda potencial de familiares, cônjuge/parceiro, amigos e a perda de emprego ou de moradia devido à discriminação contínua contra pessoas de gênero diverso. Em algumas partes do mundo, assumir publicamente a diversidade de gênero também é ilegal e sujeita as pessoas transgêneros a potenciais consequências legais graves, incluindo prisão e até execução.

A participação em grupos de apoio de gênero, disponíveis na maioria das grandes cidades ou na Internet, é muitas vezes útil, especialmente durante o processo de transição.

Indivíduos designados como do sexo masculino ao nascimento (AMAB)

Para mulheres trans, as terapias médicas de afirmação de gênero consistem em hormônios feminizantes em doses moderadas (p. ex., adesivo transdérmico de estradiol 0,1 a 0,2 mg/dia ou estradiol oral 2 a 8 mg/dia) com um anti-andrógeno (p. ex., espironolactona 100 a 400 mg/dia). Isso é normalmente combinado com eletrólise, terapia vocal e outros tratamentos feminizantes.

Hormônios feminizantes têm efeitos benéficos significativos sobre os sintomas de disforia de gênero, muitas vezes antes que haja quaisquer mudanças visíveis nas características sexuais secundárias (p. ex., crescimento dos seios, diminuição do crescimento de pelos faciais e corporais, redistribuição da gordura para os quadris). Hormônios feminizantes, mesmo sem suporte psicológico ou cirurgia, são suficientes para fazer alguns pacientes se sentirem suficientemente confortáveis como mulheres.

A cirurgia de afirmação de gênero é solicitada por um número crescente de mulheres trans. Embora existam várias abordagens, a cirurgia mais comum envolve a remoção do pênis e dos testículos e a criação de uma neovagina. Uma parte da glande do pênis é retida como um clitóris, que geralmente é sexualmente sensível e mantém a capacidade de excitação e orgasmo na maioria dos casos.

Alguns pacientes também buscam procedimentos cirúrgicos não genitais afirmadores de gênero, como aumento das mamas, cirurgias de feminilização facial [p. ex., rinoplastia, elevação de sobrancelhas, alterações da linha do cabelo, reconfiguração da mandíbula, remoção de pelos da cartilagem traqueal (redução da cartilagem da laringe)] ou cirurgias das pregas vocais para alterar a qualidade da voz.

Indivíduos do sexo feminino no nascimento (AFAB)

Desde a década de 2010, tem havido taxas crescentes de cirurgias de redesignação sexual em homens transgênero (6). Esses indivíduos muitas vezes solicitam mastectomia no início do tratamento, incluindo no final da adolescência, porque é difícil viver no papel de gênero masculino com uma grande quantidade de tecido mamário. A bandagem torácica é muitas vezes praticada por homens transgênero, mas isso muitas vezes dificulta a respiração e mamas grandes estão associadas a maior gravidade dos sintomas de disforia de gênero.

Histerectomia e ooforectomia podem ser realizadas após um curso de terapia hormonal masculinizante, incluindo hormônios androgênicos (p. ex., preparações de éster de testosterona 50 a 100 mg por via intramuscular ou subcutânea a cada semana, ou doses equivalentes de adesivos transdérmicos ou géis de testosterona) se tolerados. Preparações de testosterona tornam a voz permanentemente grave, induzem uma distribuição muscular e de gordura mais masculina, induzem clitoromegalia permanente e promovem o crescimento de pelos faciais e corporais. Algumas dessas alterações físicas são permanentes, mesmo com a interrupção do tratamento.

Alguns homens transgênero podem querer preservar a fertilidade e utilizar seus oócitos para uma futura gestação. Questões sobre fertilidade são importantes para discutir com os pacientes tratados com hormônios afirmativos do gênero, pois parece que a fertilidade pode se tornar, pelo menos, temporariamente prejudicada. Os pacientes devem ser orientados sobre as opções de preservação da fertilidade antes da terapia hormonal ou cirurgia (p. ex., criopreservação de oócitos ou embriões). Não há dados suficientes sobre os efeitos de longo prazo da terapia hormonal masculinizante na fertilidade. Relataram-se gestações bem-sucedidas após a interrupção dos tratamentos com testosterona em homens transgênero. Embora a fertilidade seja potencialmente negativamente impactada, deve-se aconselhar as pacientes designadas mulheres ao nascimento que a terapia hormonal muitas vezes não induz a esterilidade e que contracepção apropriada deve ser utilizada (7).

Os pacientes podem optar por uma das seguintes cirurgias adicionais de confirmação de gênero:

  • Falo artificial (neofalo) a ser formado com pele transplantada da face interna do antebraço, do membro inferior ou do abdome (faloplastia)

  • Um micropênis a ser formado do tecido adiposo removido do monte pubiano e inserido em torno do clitóris hipertrofiado por testosterona (metoidioplastia)

Com qualquer procedimento, a escrotoplastia geralmente também é feita; os grandes lábios são dissecados para formar cavidades ocas de modo a aproximar um escroto, e implantes de testículos são inseridos para preencher o neoescroto.

Os resultados anatômicos dos procedimentos cirúrgicos de um neofalo são quase sempre menos satisfatórios em termos de função e aparência do que os procedimentos neovaginais para mulheres trans. Essa é a possível razão para menos solicitações de homens transgênero por cirurgia genital de confirmação de gênero; contudo, à medida que as técnicas de faloplastia continuam a melhorar, as solicitações para faloplastia aumentaram.

As complicações cirúrgicas são comuns, em especial nos procedimentos que envolvam a extensão da uretra para o interior do neofalo. Essas complicações podem incluir infecções do trato urinário, fístulas, estenoses uretrais ou desvio do fluxo urinário.

Indivíduos não binários e outras diversidades de gênero

Em ambientes de cuidados de saúde, pessoas não binárias são menos propensas a oferecer informações voluntárias sobre sua identidade de gênero do que pacientes transgêneros; muitos tiveram experiências negativas com profissionais de saúde que tentam tratá-los como se estivessem em um espectro linear da identidade de gênero (modelo binário), o que geralmente está em desacordo com a autopercepção dos pacientes (8).

Algumas pessoas não binárias procuram tratamentos médicos e/ou cirúrgicos de afirmação de gênero para aliviar a disforia de gênero ou os sintomas de incongruência associados a sofrimento ou prejuízo funcional. Os objetivos do tratamento devem ser completamente compreendidos e as limitações dos tratamentos devem ser claramente estabelecidas. Por exemplo, um paciente não binário designado como do sexo masculino ao nascimento pode querer alcançar maior satisfação física (p. ex., alterações na pele, crescimento de pelos, distribuição de gordura) por meio do uso terapia de reposição de estrogênios, mas não deseja desenvolver mamas. Esses objetivos podem ser incompatíveis com os mecanismos de ação dos tratamentos hormonais que afirmam o gênero. Não há dados a longo prazo sobre os tratamentos médicos e cirúrgicos em populações não binárias.

Por fim, há alguns indivíduos designados como do sexo masculino ao nascimento que se identificam como eunucos e desejam viver suas vidas sem as influências masculinas da testosterona e sem a presença do pênis e/ou testículos (9). Muitos indivíduos que se identificam como eunucos não se descrevem como transgêneros e se veem como tendo uma identidade de gênero distinta como eunucos. Eunucos podem procurar intervenções médicas e cirúrgicas para eliminar os efeitos masculinizadores da testosterona, incluindo orquiectomia (1, 10)

Disforia de gênero em crianças e adolescentes

O tratamento psicossocial de crianças pré-púberes diagnosticadas com disforia de gênero permanece controverso. As informações e diretrizes atuais sobre tratamentos psicossociais, incluindo transição social, são revisadas no WPATH Standards of Care, versão 8 (1). Nenhuma diretriz ou padrão endossa ou recomenda o uso de intervenções hormonais (bloqueadores da puberdade ou hormônios de afirmação de gênero) ou cirurgias de afirmação de gênero em crianças pré-púberes com diagnóstico de incongruência de gênero ou disforia de gênero (1, 11). O atendimento médico de crianças e adolescentes transgênero é muitas vezes fornecido em um centro médico acadêmico em clínicas especializadas por uma equipe multidisciplinar.

A maioria das crianças que se envolvem em comportamentos de gênero incongruente não tem diagnóstico de disforia ou incongruência de gênero e não continuam na adolescência ou idade adulta com uma identidade transgênero. Entre as crianças pequenas com diagnóstico de disforia de gênero, nesse momento, não é possível prever com segurança se esses sintomas continuarão na idade adulta (12, 13).

Embora não haja consenso clínico sobre o tratamento de crianças pré-púberes com disforia de gênero, reconhece-se que as tentativas de forçar a criança a aceitar o papel de gênero atribuído ao nascimento geralmente são traumáticas e malsucedidas. Portanto, a modalidade de tratamento predominante é o suporte psicológico e a psicoeducação para a criança e seus pais, utilizando um modelo de gênero afirmativo em vez de um modelo de gênero patologista (1). Essa abordagem afirmativa apoia a criança em seu gênero expresso, às vezes incluindo um ou mais aspectos da transição social antes da puberdade.

Houve um aumento substancial no número de adolescentes designadas como do sexo feminino ao nascimento para avaliação e cuidados clínicos ao longo da última década, e agora eles superam os designados como do sexo feminino ao nascimento que procuram atendimento na maioria das clínicas (14).

No início da adolescência, os agentes bloqueadores da puberdade tornaram-se mais comumente utilizados com base em pesquisas realizadas desde a década de 2000. Medicamentos como a leuprolida (agonistas do hormônio liberador de gonadotropina) impedem a produção de testosterona e estrogênio, "bloqueando" a progressão da puberdade. Esses medicamentos podem ser administrados em Tanner Estágio II do desenvolvimento, permitindo tempo adicional para a avaliação da juventude com disforia de gênero antes das alterações puberais permanentes (15). (Ver Endocrine Society Guidelines, 2017.)

Se um jovem disfórico de gênero deseja continuar com a transição completa para um gênero diferente e é avaliado como apropriado para cuidados adicionais de transição, os agentes bloqueadores da puberdade podem ser descontinuados e a terapia hormonal de afirmação de gênero pode ser administrada, permitindo o início de um tratamento de gênero congruente com a puberdade. Esses tratamentos são oferecidos somente após avaliação por médicos com experiência especializada no diagnóstico e tratamento da disforia de gênero em adolescentes; isso geralmente é feito com o consentimento dos pais/tutores e o consentimento dos adolescentes (se não forem legalmente adultos em uma determinada jurisdição). Como observado acima, técnicas de preservação da fertilidade devem ser discutidas antes do início de qualquer intervenção hormonal ou cirúrgica.

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Coleman E, Radix A E, Bouman WP, et al: Standards of Care for the Health of Transgender and Gender Diverse People, Version 8, Int J Transgend Health, 23:sup1, S1-S259, 2022. doi: 10.1080/26895269.2022.2100644

  2. 2. World Professional Association for Transgender Health: Standards of Care Version 8, pp. S31-S68.

  3. 3. Nahata L, Chen D, Moravek MB, et al: Understudied and under-reported: Fertility issues in transgender youth—A narrative review. J Paediatrics, 205, 265-271, 2019. https://doi.org/10.1016/j. jpeds.2018.09.009

  4. 4. Lev A: Transgender Emergence. Haworth Clinical Practice Press, Binghamton, NY, 2004.

  5. 5. Bockting W, Coleman E: Developmental stages of the transgender coming-out process. Toward an integrated identity. In: R Ettner, S Monstrey, E Coleman (Eds). Principles of Transgender Medicine and Surgery, Second Edition. Routledge, NY, 2016; pp 137-148.

  6. 6. Chaya B, Berman Z, Boczar D, et al: Gender affirmation surgery on the rise: Analysis of trends and outcomes. LGBT Health 9(8): 582-588, 2022 doi: 10.1089/lgbt.2021.0224

  7. 7. Bonnington A, Dianat S, Kerns J, et al: Society of Family Planning clinical recommendations: Contraceptive counseling for transgender and gender diverse people who were female sex assigned at birth. Contraception 102(2):70-82, 2020. doi:10.1016/j.contraception.2020.04.001

  8. 8. Vincent B: Non-binary genders: Navigating communities, identities, and healthcare. Policy Press, Bristol, UK. 2020.

  9. 9. Johnson RB, Onwuegbuzie AJ, Turner LA: Toward a definition of mixed methods research. 9(2):112-133, 2007. doi 10.1177 1558689806298224

  10. 10. Wong STS, Wassersug RJ, Johnson TW, et al: Differences in the psychological, sexual, and childhood experiences among men with extreme interests in voluntary castration. Arch Sex Behav 50(3):1167-1182, 2021. https://doi.org/10.1007/s10508-020-01808-6

  11. 11. Chen D, Edwards-Leeper L, Stancin T, et al: Advancing the practice of pediatric psychology with transgender youth: State of the science, ongoing controversies, and future directions. Clin Pract Pediatr Psychol 6(1):73-83, 2018. doi: 10.1037/cpp0000229

  12. 12. Bloom TM, Nguyen TP, Lami F, et al: Measurement tools for gender identity, gender expression, and gender dysphoria in transgender and gender-diverse children and adolescents: A systematic review. The Lancet Child & Adolescent Health 5(8):582-588, 2021. https://doi.org/10.1016/s2352-4642(21)00098-5

  13. 13. Edwards-Leeper L, Leibowitz, Sangganjanavanich VF: Affirmative practice with transgender and gender nonconforming youth: Expanding the model. Psychology of Sexual Orientation and Gender Diversity 3(2):165-172, 2016. https://doi.org/10.1037/sgd0000167

  14. 14. Bauer G, Pacaud D, Couch R, et al; Trans Youth CAN! Research Team. Transgender youth referred to clinics for gender-affirming medical care in Canada. Pediatrics 148(5): e2020047266. https://doi.org/10.1542/ peds.2020-047266

  15. 15. Hembree WC, Cohen-Kettenis PT, Gooren L, et al: Endocrine treatment of gender-dysphoric/gender-incongruent persons: An Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab 102(11):3869-3903, 2017. doi: 10.1210/jc.2017-01658

Pontos-chave

  • Transgênero e gênero diverso são termos que se referem a pessoas com identidades de gênero que diferem do sexo que lhes foi designado ao nascimento; alguns indivíduos se identificam como não binários, uma categoria de identidade de gênero que é experimentada como fora do conceito binário de masculino-feminino.

  • Somente uma minoria das pessoas que se identificam como transgênero, de gênero diverso ou não binárias atende aos critérios para o diagnóstico de disforia de gênero.

  • Diagnosticar disforia de gênero somente quando o sofrimento e/ou comprometimento funcional associados à incongruência de gênero forem significativos e persistirem ≥ 6 meses.

  • Quando é necessário tratamento, o objetivo é aliviar o sofrimento dos pacientes e ajudá-los a se adaptar, em vez de tentar dissuadi-los de sua identidade de gênero.

  • O tratamento de crianças pré-púberes diagnosticadas com disforia de gênero permanece controverso, mas não inclui o uso de medicamentos hormonais ou cirurgias.

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