Síndrome da dor regional complexa é uma dor neuropática crônica que ocorre após lesão de tecido mole ou ósseo (tipo I) ou lesão de nervo (tipo II) e persiste com intensidade e duração desproporcionais à lesão do tecido original. Outras manifestações são: alterações autonômicas (p. ex., sudorese, anormalidades vasomotoras), alterações motoras (p. ex., fraqueza, distonia) e alterações tróficas (p. ex., atrofia cutânea ou óssea, queda de cabelos, contraturas articulares). O diagnóstico é clínico. O tratamento é feito com fármacos, fisioterapia e bloqueio simpático.
(Ver também Visão geral da dor.)
A SDRC tipo I era anteriormente conhecida como distrofia simpático-reflexa (ver também Complex Regional Pain Syndrome: Treatment Guidelines) e o tipo II era conhecido como causalgia. Ambos os tipos ocorrem com mais frequência em adultos jovens e são 2 ou 3 vezes mais comuns em mulheres.
Etiologia da síndrome da dor regional complexa
A SDRC tipo I costuma ocorrer após uma lesão (habitualmente na mão ou no pé), geralmente causada por colisão, em especial no membro inferior. Pode ocorrer após infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico ou câncer (p. ex., no pulmão, na mama, no ovário, no sistema nervoso central); nenhum fator precipitante é aparente em aproximadamente 10% dos pacientes. Ocorre comumente após imobilização do membro para tratar a lesão inicial.
A SDRC tipo II é similar à do tipo I, mas envolve lesões evidentes em um nervo periférico.
Fisiopatologia da síndrome da dor regional complexa
A fisiopatologia não está clara, mas a sensibilização central e nociceptiva periférica e a liberação de neuropeptídeos (substância P, peptídeo relacionado com o gene da calcitonina) ajudam a manter a dor e a inflamação. O sistema nervoso simpático está mais envolvido na SDRC do que em outras síndromes de dor neuropática. A atividade simpática central está aumentada e os nociceptores periféricos estão sensibilizados para noradrenalina (um neurotransmissor simpático); essas alterações podem causar sudorese anormal e fluxo sanguíneo deficiente decorrente de vasoconstrição. Apesar de tudo, apenas alguns pacientes respondem à manipulação simpática (isto é, bloqueio simpático central ou periférico).
Sinais e sintomas da síndrome da dor regional complexa
Os sintomas da síndrome de dor regional complexa variam significativamente e não seguem nenhum padrão; podem incluir anormalidades sensoriais, autonômicas focais (vasomotoras ou sudomotoras) e motoras. Os sintomas são unilaterais; sintomas bilaterais no início sugerem um diagnóstico diferente.
A dor — geralmente em queimação ou contínua — é uma característica essencial. Não segue a distribuição de um nervo periférico único; é regional, mesmo quando causada por lesão em um nervo específico, como ocorre na SDRC tipo II. Pode se agravar com alterações no meio ambiente ou estresse emocional. Alodinia e/ou hiperalgesia costumam estar presentes, indicando sensibilização central. A dor geralmente limita o uso de um membro pelo paciente.
Alterações vasomotoras cutâneas (p. ex., coloração avermelhada, pintada, ou pálida; temperatura aumentada ou diminuída) e anormalidades sudomotoras (pele seca ou hiperidrótica) podem estar presentes. O edema pode ser considerável e localmente confinado.
Outros sintomas incluem anormalidades tróficas (p. ex., pele brilhante e atrófica; unhas com rachaduras ou com excesso de crescimento; atrofia óssea; queda de cabelos) e anormalidades motoras (fraqueza, tremores, espasmo, distonia com dedos fletidos ou posição equinovara do pé). A amplitude de movimento é geralmente limitada, causando às vezes contraturas articulares. Os sintomas podem interferir na adaptação de próteses em membros amputados.
Distúrbios psicológicos (p. ex., depressão, ansiedade, raiva) são comuns, favorecidos pela causa pouco compreendida, ausência de terapia eficaz e evolução prolongada.
Diagnóstico da síndrome da dor regional complexa
Avaliação clínica
A síndrome dolorosa regional complexa é diagnosticada quando os seguintes estão presentes:
Os pacientes têm dor contínua além da dor explicada pela disfunção de um único nervo e que é desproporcional a qualquer dano tecidual inicial.
Certos critérios clínicos (critérios de Budapeste [1]) são atendidos.
Os critérios de Budapeste são divididos em quatro categorias. Para a síndrome da dor regional complexa ser diagnosticada, o paciente deve relatar pelo menos um sintoma em três das quatro categorias, e o médico deve detectar pelo menos um sinal em duas das mesmas quatro categorias (os sinais e sintomas se sobrepõem):
Sensorial: hiperestesia (como um sinal, ao estímulo de picada) ou alodinia (como um sinal, a toque leve, pressão somática profunda e/ou movimento articular)
Vasomotor: assimetria de temperatura (> 1° C como sinal) ou alterações assimétricas na coloração da pele
Sudomotor ou edema: alterações na transpiração, sudorese assimétrica ou edema
Motora ou trófica: alterações tróficas na pele, cabelo ou unhas, diminuição da amplitude de movimento ou disfunção motora (fraqueza, tremor e/ou distonia)
Além disso, não deve haver nenhuma evidência de outro distúrbio que possa explicar os sintomas. Se outro distúrbio estiver presente, a síndrome da dor regional complexa deve ser considerada possível ou provável.
Alterações ósseas (p. ex., desmineralização observada por radiografia ou absorção aumentada verificada por cintilografia óssea de fase tripla) também podem ser detectadas e, geralmente, são avaliadas apenas se o diagnóstico for duvidoso. Entretanto, em exames de imagem, o osso também pode parecer anormal após trauma em pacientes sem SDRC, tornando as anormalidades detectadas por radiografias e cintilografias ósseas inespecíficas.
Em um teste do comprometimento simpático, um paciente recebe infusão intravenosa de soro fisiológico (placebo) ou fentolamina 1 mg/kg durante 10 minutos enquanto a classificação da dor é registrada; a diminuição da dor após a administração da fentolamina, mas não do placebo, indica dor de origem simpática.
O bloqueio do nervo simpático (gânglio estrelado ou lombar) tem sido utilizado para o diagnóstico (e o tratamento). No entanto, resultados falso-positivos e falso-negativos são comuns, pois nem toda dor de síndrome da dor regional complexa é de manutenção simpática e o bloqueio nervoso também pode afetar fibras não simpáticas.
Referência sobre diagnóstico
1. Harden RN, Bruehl S, Stanton-Hicks M, Wilson PR: Proposed new diagnostic criteria for complex regional pain syndrome. Pain Med 8 (4):326–331, 2007.
Prognóstico para síndrome da dor regional complexa
O prognóstico é difícil de prever e varia bastante. Pode haver remissão da síndrome da dor regional complexa, ou esta pode permanecer estável durante anos; em alguns pacientes, progride e dissemina-se para outras áreas do corpo.
Tratamento da síndrome da dor regional complexa
Tratamento multimodal (p. ex., fármacos, fisioterapia, bloqueio simpático, tratamentos psicológicos, neuromodulação, terapia de espelho)
O principal objetivo de todos os tratamentos da síndrome de dor regional complexa é aumentar a mobilidade e o uso do membro afetado.
O tratamento da SDRC é complexo e muitas vezes não resulta em alívio completo dos sintomas, sobretudo se iniciado tardiamente. Contempla fármacos, fisioterapia, bloqueio simpático, tratamentos psicológicos e neuromodulação. Poucos ensaios controlados foram realizados.
Muitos fármacos utilizados para dor neuropática, como antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes e corticoides, podem ser tentados; nenhum é notoriamente melhor. O tratamento de longo prazo com analgésicos opioides pode ser útil para determinados pacientes. A infusão neuroaxial com opioides, anestésicos, ziconotida e/ou clonidina pode ajudar, e o baclofeno intratecal pode reduzir a distonia.
Os objetivos da fisioterapia são dessensibilização, fortalecimento, aumento da amplitude do movimento e reabilitação profissional. Em alguns pacientes com dor de manutenção simpática, o bloqueio simpático regional alivia a dor, de forma que a fisioterapia se torna possível. Analgésicos orais (AINEs, opioides e vários analgésicos adjuvantes) também podem aliviar o suficiente a dor, de modo a permitir a reabilitação.
A dessensibilização de um membro alodínico envolve inicialmente a aplicação de estímulos relativamente não irritantes (p. ex., seda) e então, com o passar do tempo, aumento de estímulos mais irritantes (p. ex., brim). A dessensibilização também pode ser feita por meio de banhos de contraste térmico, nos quais o membro comprometido é colocado na água fria e a seguir na água morna.
Foi relatado que a terapia de espelho beneficia pacientes com síndrome da dor regional complexa tipo 1 devido à dor do membro fantasma ou acidente vascular encefálico. Os pacientes posicionam um grande espelho entre as pernas. O espelho reflete a imagem do membro afetado e oculta o membro afetado (doloroso ou ausente), dando aos pacientes a impressão de que eles têm 2 membros normais. Instruem-se os pacientes a mover o membro normal ao visualizar a imagem refletida no espelho. Esse exercício leva o encéfalo a pensar que o membro afetado ou ausente move-se sem dor. A maioria dos pacientes que fazem esse exercício por 30 minutos por dia durante 4 semanas relata uma redução substancial da dor.
Para neuromodulação, comumente utilizam-se estimuladores medulares implantáveis; nos casos graves com comprometimento funcional significativo, deve-se considerá-los precocemente. Estimulação do gânglio da raiz dorsal pode ter como alvo os sintomas localizados.
Estimulação nervosa elétrica transcutânea (ENET), aplicada em vários locais com diferentes parâmetros de estimulação, pode ser eficaz, mas exige uma longa tentativa.
Acupuntura pode ajudar a aliviar a dor.
Em pacientes com síndrome de dor regional complexa, pode-se utilizar a psicoterapia para tratar a depressão e a ansiedade; ela também pode ajudar os pacientes a melhorar a função e o controle sobre a vida apesar do transtorno por dor crônica.
Pontos-chave
A síndrome da dor regional complexa pode ser seguida de lesão (nos tecidos moles, ossos ou nervos), amputação, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico ou câncer ou não ter um precipitante aparente.
Diagnosticar a síndrome da dor regional complexa se os pacientes têm dor neuropática, alodinia ou hiperalgesia, e desregulação autonômica focal quando nenhuma outra causa é identificada.
O prognóstico é imprevisível e o tratamento geralmente não é satisfatório.
Tratar o mais breve possível utilizando múltiplas modalidades (p. ex., fármacos, fisioterapia, bloqueio simpático, tratamentos psicológicos, neuromodulação, terapia de espelho).
Informações adicionais
Complex Regional Pain Syndrome: Treatment Guidelines: este site fornece links para duas diretrizes: Harden RN, Oaklander AN, Burton AW, et al, Complex Regional Pain Syndrome: Practical Diagnostic and Treatment Guidelines, 4ª edição (2013) e The Real College of Physicians, Complex Regional Pain Syndrome in Adults, 2ª edição (2018). Essas diretrizes visam ajudar os profissionais de saúde a tratar de maneira eficaz pacientes com síndrome da dor regional complexa e melhorar a capacidade funcional.