Hemorragia intracerebral é o sangramento focal de um vaso sanguíneo no interior do parênquima cerebral. Em geral, a causa é hipertensão. Os sintomas típicos incluem deficits neurológicos focais, geralmente com início súbito de cefaleia, náuseas e alteração da consciência. O diagnóstico é feito por TC ou RM. O tratamento é feito pelo controle da pressão arterial, medidas de suporte e, em alguns casos, drenagem cirúrgica.
A hemorragia intracerebral ocorre nos núcleos da base, lobos cerebrais, cerebelo ou ponte. O local mais comum para hemorragia devido à hipertensão é o putâmen. Hemorragia intracerebral também pode ocorrer em outras partes do tronco encefálico ou no mesencéfalo.
Etiologia da hemorragia intracerebral
A hemorragia intracerebral resulta, geralmente, da ruptura de uma pequena artéria arteriosclerótica enfraquecida, principalmente por hipertensão arterial crônica. Em geral, essa hemorragia é ampla, única e devastadora. Outros fatores de risco modificáveis que contribuem para hemorragias intracerebrais hipertensivas arterioscleróticas incluem tabagismo, obesidade e uma dieta de alto risco (p. ex., rica em gorduras saturadas, gorduras trans e calorias). O uso de cocaína ou, ocasionalmente, de outras drogas ou medicamentos simpatomiméticos pode causar hipertensão transitória grave, resultando em hemorragia.
Com menos frequência, a causa pode ser um aneurisma congênito, malformação arteriovenosa ou outras malformações vasculare, trauma, aneurisma micótico, infarto cerebral (infarto hemorrágico), tumor encefálico primário ou metastático, anticoagulação excessiva, discrasia sanguínea, dissecção de artéria intracraniana, doença de Moyamoya ou doenças hemorrágicas e vasculares. As causas mais comuns de hemorragia intracerebral metastática incluem melanoma, carcinoma de células renais e coriocarcinoma.
Hemorragias intracerebrais lobares (hematomas nos lobos do cérebro, fora dos gânglios basais) resultam geralmente de angiopatia decorrente de deposição amiloide nas artérias cerebrais (angiopatia amiloide cerebral), que afeta principalmente idosos. As hemorragias cerebrais podem ser múltiplas e recidivantes.
Fisiopatologia da hemorragia intracerebral
A hipertensão arterial crônica leva à formação de microaneurismas (aneurismas de Charcot-Bouchard) em pequenas artérias perfurantes, que podem se romper e causar hemorragia intracerebral.
O sangue de uma hemorragia intracerebral acumula-se como uma massa que pode dissecar e comprimir tecidos cerebrais adjacentes, causando disfunção neuronal. Grandes hematomas aumentam a pressão intracraniana. A pressão dos hematomas supratentoriais e o edema que os acompanham podem causar herniação transtentorial, comprimindo o tronco encefálico e causando geralmente hemorragias secundárias no mesencéfalo e na ponte.
Quando há rupturas hemorrágicas no interior do sistema ventricular (hemorragia intraventricular), o sangue pode causar hidrocefalia aguda, que é um preditor independente para um resultado pior após hemorragia intracerebral. Os hematomas cerebelares podem expandir-se e bloquear o 4º ventrículo, causando hidrocefalia aguda, ou dissecar o interior do tronco encefálico. Hematomas cerebelares com > 3 cm de diâmetro podem causar desvio da linha média ou herniação.
Herniação, hemorragia mesencefálica ou pontina, hemorragia intraventricular, hidrocefalia aguda ou dissecação do interior do tronco encefálico podem afetar a consciência, causando coma e morte.
Sinais e sintomas de hemorragia intracerebral
Sintomas da hemorragia intracerebral costumam começar com cefaleia súbita, geralmente durante atividades. Entretanto, a cefaleia pode ser leve ou ausente em idosos. A perda de consciência é comum, geralmente em questão de minutos. Náuseas, vômito, delirium e crises epilépticas generalizadas ou focais também são comuns.
Os deficits neurológicos geralmente são súbitos e progressivos. Grandes hemorragias, quando localizadas nos hemisférios cerebrais, produzem hemiparesia; quando localizadas na fossa posterior do crânio, produzem deficits do cerebelo ou do tronco encefálico (p. ex., desvio conjugado dos olhos ou oftalmoplegia, respiração estertorosa, contração das pupilas, coma).
Grandes hemorragias são fatais em poucos dias em cerca de metade dos pacientes. Nos sobreviventes, há recuperação da consciência e os deficits neurológicos diminuem gradativamente em diversos níveis, conforme o sangue extravasado é reabsorvido. Alguns pacientes têm surpreendentemente poucos deficits neurológicos, pois a hemorragia é menos destrutiva para o cérebro que o infarto.
Pequenas hemorragias podem causar deficits focais sem alteração da consciência e com mínima ou nenhuma cefaleia e náuseas. Pequenas hemorragias podem mimetizar um acidente vascular encefálico isquêmico.
Diagnóstico da hemorragia intracerebral
Neuroimagem
O diagnóstico da hemorragia intracerebral é sugerido por crise súbita de cefaleia, deficits neurológicos focais e comprometimento da consciência, em particular nos pacientes com fatores de risco.
Deve-se distinguir hemorragia intracerebral de
Outras causas de deficits neurológicos agudos (por, convulsão, hipoglicemia)
Deve-se dosar o nível de glicose no sangue imediatamente, à beira do leito.
São feitos um hemograma completo (HC) e estudos de coagulação (razão normalizada internacional [RNI], tempo de tromboplastina parcial [PTT] e contagem de plaquetas).
TC ou RM imediata é necessária. Em geral, a imagem neurológica é diagnóstica. Se a imagem neurológica não exibir hemorragia e houver suspeita clínica de hemorragia subaracnóidea, deve-se fazer punção lombar a fim de procurar xantocromia.
Angiografia por TC, feita poucas horas depois do início do sangramento, pode mostrar áreas onde o contraste extravasa para o coágulo (sinal local); esse resultado indica que o sangramento continua e sugere que o hematoma se expandirá e o desfecho será ruim.
© 2017 Elliot K. Fishman, MD.
Com permissão do editor. De Furie K, et al. In Atlas of Clinical Neurology. Editado por RN Rosenberg. Philadelphia, Current Medicine, 2002.
Tratamento da hemorragia intracerebral
Medidas de suporte
Controle dos fatores de risco modificáveis
Algumas vezes drenagem, cirúrgica (p. ex., para vários hematomas cerebelares com > 3 cm)
O tratamento da hemorragia intracerebral é com medidas de suporte e controle dos fatores de risco modificáveis.
Anticoagulantes e medicamentos antiplaquetários são contraindicados. Se os pacientes utilizaram anticoagulantes, os efeitos são revertidos, quando possível, administrando-se plasma fresco congelado, concentrado complexo de protrombina, vitamina K ou realizando transfusão de plaquetas, conforme indicado. Antídotos para anticoagulantes orais diretos são idarucizumabe para dabigatrana, e andexanet alfa para apixabana e rivaroxabana.
Como recomendado pelas diretrizes da American Heart Association e da American Stroke Association de 2022, a hipertensão pode ser reduzida com segurança para pressão arterial (PA) sistólica de 140 mmHg se a PA sistólica estiver entre 150 mmHg e 220 mmHg e se o tratamento anti-hipertensivo agudo não for contraindicado (1). Se a PA sistólica for > 220 mmHg, pode-se tratar a hipertensão de forma agressiva com uma infusão IV contínua; nesses casos, deve-se monitorar a PA sistólica com frequência. Inicialmente, administram-se 2,5 mg/hora de nicardipino IV; a dose é aumentada para 2,5 mg/hora a cada 5 minutos até o máximo de 15 mg/hora, se necessário, para diminuir a PA sistólica em 10 a 15%. O objetivo é evitar picos elevados de PA e variabilidade, assegurando assim o controle sustentado da PA e melhorando os resultados funcionais. Manter PA próxima a 130/80 mmHg e monitoramento frequente para evitar episódios de hipotensão são recomendados. Em pacientes com PA sistólica > 150 mmHg, a redução súbita para níveis < 120 mmHg pode levar a desfechos desfavoráveis (p. ex., lesão renal aguda).
Para pacientes com hematomas no hemisfério cerebelar com > 3 cm de diâmetro e que causam deslocamento da linha média ou herniação, a drenagem cirúrgica geralmente salva vidas. A drenagem precoce de grandes hematomas dos lobos cerebrais também pode salvar vidas, mas com frequência ocorre ressangramento, aumentando algumas vezes os deficits neurológicos. A evacuação precoce de hematomas cerebrais profundos raramente é indicada devido à alta mortalidade decorrente da cirurgia e, geralmente, os deficits neurológicos são graves.
Como a presença de hidrocefalia prediz um resultado pior após hemorragia intracerebral, os cirurgiões podem colocar um dreno ventricular externo para diminuir rapidamente a pressão intracraniana. Esse procedimento pode salvar vidas.
Anticonvulsivos não são normalmente utilizados de maneira profilática; eles só são utilizados se os pacientes tiveram uma convulsão.
Referência sobre o tratamento
1. Greenberg SM, Ziai WC, Cordonnier C, et al: 2022 Guideline for the management of patients with spontaneous intracerebral hemorrhage: A guideline from the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke 53 (7):e282–e361, 2022. doi: 10.1161/STR.0000000000000407 Epub 2022 May 17.
Pontos-chave
Com hemorragia intracerebral, sintomas súbitos e graves (p. ex., forte cefaleia súbita, perda de consciência, vômitos) são comuns, mas pode não haver cefaleia leve (especialmente em idosos) e pequenas hemorragias podem imitar acidente vascular encefálico cerebral isquêmico.
Fazer TC ou RM e um teste de glicose no leito imediatamente.
Os cuidados de suporte essenciais podem incluir a reversão da anticoagulação e a diminuição da PA para 140 mmHg se a PA sistólica estiver entre 150 mmHg e 220 mmHg; se a PA sistólica for > 220 mmHg, considerar a redução agressiva da PA por infusão contínua de nicardipina IV.
Evitar flutuações da PA e manter PA < 140 mmHg, mas não inferior a 130 mmHg.
Considerar drenagem cirúrgica para hematomas cerebrais lobares extensos e hematomas > 3 cm em um hemisfério cerebelar.
Considerar a colocação de dreno ventricular externo para pacientes selecionados com sinais de hidrocefalia e aumento da pressão intracerebral.