Nefrite lúpica

PorFrank O'Brien, MD, Washington University in St. Louis
Revisado/Corrigido: jun. 2023
Visão Educação para o paciente

Nefrite lúpica é a glomerulonefrite causada por lúpus eritematoso sistêmico. Os achados clínicos incluem hematúria, proteinúria de níveis nefróticos e uremia em estágios mais avançados. O diagnóstico baseia-se em biópsia renal. O tratamento é para a doença subjacente e geralmente envolve corticoides, e outros medicamentos imunossupressores.

A nefrite lúpica é diagnosticada em 50% dos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e tipicamente desenvolve-se no 1º ano do diagnóstico.

Fisiopatologia da nefrite lúpica

A fisiopatologia envolve deposição de imunocomplexos com desenvolvimento da glomerulonefrite. Os imunocomplexos consistem em

  • Antígenos nucleares (especialmente DNA)

  • Anticorpos antinucleares IgG de alta afinidade que fixam complemento

  • Anticorpos para DNA

Os depósitos subendoteliais, intramembranosos e subepiteliais são característicos. Sempre que ocorre a deposição de imunocomplexos, a imunofluorescência é positiva para complemento, IgG, IgA e IgM em proporções variadas. As células epiteliais podem se proliferar, formando crescentes.

A classificação da nefrite lúpica baseia-se nos achados histológicos (ver tabela Classificação da nefrite lúpica).

Nefropatia da síndrome antifosfolipídica

Esta síndrome pode ocorrer com ou sem nefrite lúpica em até um terço dos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. A síndrome ocorre na ausência de qualquer outro processo autoimune em 30 a 50% dos pacientes afetados. Na síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, o anticoagulante lúpico circulante causa microtrombos, lesão endotelial e atrofia isquêmica cortical. A nefropatia da síndrome antifosfolipídica aumenta o risco de hipertensão e de insuficiência ou falência renal comparada à nefrite lúpica isolada.

Sinais e sintomas da nefrite lúpica

Os sinais e sintomas mais proeminentes são os do LES; pacientes que apresentam doença renal podem ter edema, hipertensão, ou uma combinação destes.

Tabela
Tabela

Diagnóstico da nefrite lúpica

  • Urinálise e creatinina sérica (todos os pacientes com LES)

  • Biópsia renal

Suspeita-se do diagnóstico em todos os pacientes com LES, particularmente naqueles com proteinúria, hematúria microscópica, cilindros hemáticos, ou hipertensão. O diagnóstico é também suspeitado em pacientes com hipertensão inexplicada, níveis de creatinina séricos elevados ou alterações da urinálise com características clínicas sugestivas de LES.

Realiza-se urinálise e de creatinina sérica. Títulos elevados de anticorpos anti-DNA de cadeia dupla (anti-dsDNA) e baixos níveis de complemento (C3 e C4) muitas vezes indicam nefrite lúpica ativa e corroboram o diagnóstico.

Se os estudos mencionados acima forem anormais, geralmente realiza-se uma biópsia renal para confirmar o diagnóstico e classificar a doença histologicamente. A classificação histológica auxilia a determinar o prognóstico e a direcionar o tratamento.

Alguns dos subtipos histológicos são semelhantes a outras glomerulopatias: p. ex., nefrite lúpica membranosa é histologicamente semelhante à nefrite membranosa idiopática e nefrite lúpica proliferativa difusa é histologicamente semelhante à glomerulonefrite membranoproliferativa tipo I. A sobreposição entre essas categorias é substancial, e os pacientes podem progredir de uma classe para outra.

Nefrite lúpica
Nefrite lúpica — proliferativa mesangial (classe II)
Nefrite lúpica — proliferativa mesangial (classe II)

    A imagem superior mostra deposição mesangial de IgM (imunofluorescência para IgM, ampliação original × 400). Na imagem inferior, depósitos densos de imunocomplexos mesangiais e agregados reticulares no citoplasma da célula endotelial são vistos por microscopia eletrônica (× 8.000).

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Image provided by Agnes Fogo, MD, and the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (see www.ajkd.org).

Nefrite lúpica — focal (classe III)
Nefrite lúpica — focal (classe III)

    A nefrite lúpica focal é caracterizada pela proliferação endocapilar causada por depósitos de imunocomplexos comprometendo < 50% dos glomérulos em uma amostra de biópsia.

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Image provided by Agnes Fogo, MD, and the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (see www.ajkd.org).

Nefrite lúpica — difusa (classe IV)
Nefrite lúpica — difusa (classe IV)

    A nefrite lúpica difusa é caracterizada pela proliferação endocapilar causada por depósitos de imunocomplexos comprometendo > 50% dos glomérulos em uma amostra de biópsia.

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Image provided by Agnes Fogo, MD, and the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (see www.ajkd.org).

Nefrite lúpica — membranosa (classe V)
Nefrite lúpica — membranosa (classe V)

    Orifícios difusos, pequenas espículas e discreta expansão mesangial com pequenas áreas de coloração rosa indicam depósitos mesangiais de imunocomplexos (coloração prata de Jones, × 400).

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Image provided by Agnes Fogo, MD, and the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (see www.ajkd.org).

A função renal e a atividade do LES devem ser monitoradas regularmente. Uma elevação da creatinina sérica reflete deterioração da função renal, enquanto a queda de C3 e C4 séricos ou uma elevação dos títulos de anticorpos anti- DNA sugerem aumento de atividade da doença.

Tratamento da nefrite lúpica

A inibição da angiotensina com inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) ou bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRA) é indicada para pacientes mesmo com hipertensão leve (p. ex., PA > 130/80 mmHg) ou proteinúria. Além disso, devem-se tratar agressivamente a dislipidemia e os fatores de risco de aterosclerose.

Imunossupressão

O tratamento é orientado pela classificação histológica da nefrite lúpica, pelo grau de atividade e cronicidade da doença, e pela presença de doenças renais concomitantes.

A atividade é estimada de acordo com o índice de atividade, assim como critérios clínicos (p. ex., sedimento urinário, aumento das proteínas na urina, aumento da creatinina sérica). Diversos especialistas acreditam que uma classificação de cronicidade leve a moderado, que sugere reversibilidade, deveria suscitar tratamento mais agressivo do que o índice de cronicidade mais grave. A nefrite com potencial de deterioração e reversibilidade geralmente é de classe III ou IV; não está claro se a nefrite classe V necessita de tratamento agressivo.

O índice de atividade descreve o grau de inflamação. A classificação baseia-se em proliferação celular, necrose fibrinoide, crescentes celulares, trombos hialinos, lesões em alça de arame, infiltração leucocitária glomerular e infiltração celular mononuclear intersticial. A classificação de atividade é menos bem correlacionada com a progressão da doença e, em vez disso, é utilizado para ajudar a identificar nefrite ativa.

O índice de cronicidade descreve o grau de cicatrização. Baseia-se na presença de esclerose glomerular, crescentes fibrosos, atrofia tubular e fibrose intersticial. O índice de cronicidade prevê a progressão da nefrite lúpica para insuficiência renal. Uma classificação de cronicidade leve a moderada sugere pelo menos parcialmente doença reversível, ao passo que classificações de cronicidade mais graves podem indicar doença irreversível.

O tratamento da nefrite lúpica proliferativa combina corticoides com outros imunossupressores (1, 2).

Terapia de indução para nefrite lúpica focal ou difusa⁣ consiste geralmente em uma combinação de corticoides com micofenolato de mofetila ou ciclofosfamida intravenosa (ver tabela IV Protocolos de ciclofosfamida para lúpus eritematoso sistêmico). Prednisona é tipicamente iniciada com 60 a 80 mg por via oral uma vez ao dia e reduzida de acordo com a resposta ao longo de 6 a 12 meses. Não há consenso sobre o esquema ideal de dosagem de corticoides. Doses mais baixas iniciais de prednisona, seguidas de redução mais rápida, também podem ser utilizadas. As reincidências são geralmente tratadas com doses crescentes de prednisona e, às vezes, mudança no agente imunossupressor adjuvante. Ciclofosfamida e micofenolato de mofetila são igualmente eficazes, embora a toxicidade sistêmica possa ser menor com micofenolato de mofetila do que com a ciclofosfamida (3). Alternativas razoáveis para a terapia de indução incluem micofenolato de mofetil em combinação com um inibidor de calcineurina (tacrolimo ou voclosporina) ou belimumabe (4, 5). Belimumabe também pode ser utilizado em combinação com ciclofosfamida.

Depois de uma resposta renal adequada ter sido alcançada com a terapia de indução, a terapia imunossupressora é mantida por pelo menos 2 anos e, muitas vezes, por mais tempo. Quando se utiliza ciclofosfamida como terapia inicial, deve-se trocá-la pelo micofenolato para terapia de manutenção a fim de limitar a toxicidade da ciclofosfamida. Também se prefere o micofenolato à azatioprina para terapia de manutenção por causa das taxas mais altas de recaída observadas com o uso de azatioprina. No entanto, a azatioprina é preferível para pacientes que querem engravidar. A azatioprina também é uma opção razoável para pacientes que são intolerantes ao micofenolato ou têm acesso limitado devido ao custo. Baixa dose de prednisona (p. ex., 0,05 a 0,2 mg/kg por via oral uma vez ao dia) é mantida na maioria dos pacientes e titulada com base na atividade da doença.

Para pacientes com nefropatia membranosa lúpica pura, há uma falta de consenso sobre o papel da terapia imunossupressora, e alguns especialistas limitam seu uso dependendo do grau de proteinúria e achados sobre biópsia renal. Entretanto, pacientes com nefropatia membranosa lúpica concomitante e nefrite lúpica focal ou difusa são tratados utilizando a mesma abordagem que a empregada para nefrite lúpica focal ou difusa isolada.

Outros tratamentos

A anticoagulação apresenta benefício teórico para pacientes com nefropatia da síndrome antifosfolipídica, mas o valor desse tratamento ainda não foi estabelecido. Entretanto, pacientes com síndrome antifosfolipídica (SAF) e um evento trombótico definitivo devem ser anticoagulados de acordo com os agentes preferidos para SAF.

O transplante de rim é uma opção para pacientes com doença renal em estágio terminal devido à nefrite lúpica. Doença recorrente no enxerto é incomum (< 5%), mas o risco pode ser maior em negros, mulheres e pacientes mais jovens.

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Fanouriakis A, Kostopoulou M, Cheema K, et al: 2019 Update of the Joint European League Against Rheumatism and European Renal Association-European Dialysis and Transplant Association (EULAR/ERA-EDTA) recommendations for the management of lupus nephritis. Ann Rheum Dis 9(6):713-723, 2020. doi: 10.1136/annrheumdis-2020-216924

  2. 2. Rovin BH, Caster DJ, Cattran DC, et al: Management and treatment of glomerular diseases (part 2): conclusions from a Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Controversies Conference. Kidney Int 95(2):281-295, 2019. doi: 10.1016/j.kint.2018.11.008

  3. 3. Tunnicliffe DJ, Palmer SC, Henderson L, et al: Cochrane Database Syst Rev ;6(6):CD002922, 2018. doi: 10.1002/14651858.CD002922.pub4

  4. 4. Rovin BH, Onno Teng YK, Ginzler EM, et al: Efficacy and safety of voclosporin versus placebo for lupus nephritis (AURORA 1): a double-blind, randomised, multicentre, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet 397(10289):2070-2080, 2021. doi: 10.1016/S0140-6736(21)00578-X

  5. 5. Rovin BH, Furie R, Onno Teng YK, et al: A secondary analysis of the Belimumab International Study in Lupus Nephritis trial examined effects of belimumab on kidney outcomes and preservation of kidney function in patients with lupus nephritis. Kidney Int 101(2):403-413, 2022. doi: 10.1016/j.kint.2021.08.027

Prognóstico para nefrite lúpica

A classe de nefrite influencia o prognóstico renal (ver tabela Classificação da nefrite lúpica), assim como outros achados histológicos. As biópsias renais são classificadas com um índice de cronicidade e uma classificação semiquantitativa de atividade.

Pacientes negros com nefrite lúpica têm também maior risco de progressão para doença renal em estágio terminal.

Pacientes com nefrite lúpica têm maior risco de cânceres, primariamente linfomas de células B. O risco de complicações ateroscleróticas (p. ex., doença coronariana, acidente vascular encefálico isquêmico) também é alto em decorrência de vasculite frequente, hipertensão, dislipidemia e uso de corticoides.

Pontos-chave

  • Nefrite, embora clinicamente evidente em apenas 50%, provavelmente ocorre em > 90% dos pacientes com LES.

  • Obter urinálise e medir a creatinina sérica em todos os pacientes com LES e biópsia renal se uma anormalidade inexplicada for encontrada em qualquer um deles, particularmente na presença de C3 e C4 baixos e dsDNA elevado.

  • Iniciar a inibição da angiotensina mesmo para hipertensão leve e tratar os fatores de risco de aterosclerose de forma agressiva.

  • Tratar nefrite ativa, potencialmente reversível, com corticoides e micofenolato de mofetila e/ou ciclofosfamida.

  • Continuar a terapia de manutenção por pelo menos 2 anos, o que normalmente inclui micofenolato e uma baixa dose de prednisona.

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